segunda-feira, 17 de março de 2008

UM COMERCIANTE EM APUROS (XII)

Um bêbado que faltou com respeito

Sexta-Feira da Paixão
Neste tempo eu inda bebia
Um dia ela me atacou
Com uma tão grande arrelia
Que eu consoei o jejum
Antes de dar meio-dia
[1]

Por esse tempo o Netinho havia deixado o Seminário[2], e estava trabalhando na Fábrica Santa Cecília. O Assis, meu segundo filho, na aviação. Os outros, muito pequenos, não davam muita ajuda. Mas, nas horas vagas, era o Netinho quem ajudava na mercearia.
E, justo numa hora dessas em que ele despachava, enquanto me encontrava recostado ao balcão pelo lado de fora, entrou um desconhecido, embriagado, que também recostou-se ao balcão. E como percebemos o seu estado, ninguém deu-lhe atenção, mas, para espanto de todos, a primeira palavra que pronunciou foi esta, depois de olhar para o Netinho: “Este cara aí é... veado!” Aproximei-me dele e repreendi-o: “Olha, rapaz, esse aí é meu filho, e exijo respeito”. Ele então repetiu a frase, mas, antes que fechasse a boca, peguei-o e joguei-o de porta a fora. O pobre, sem muito equilíbrio, depois de alguns cambaleios, caiu na calçada de paralelepípedos e ficou estatelado. Porém, fiquei com tanta pena do miserável, que levantei-o, com a ajuda do Netinho, e levei-o para o beco. Acomodei-o à sombra, sob uma mangueira de D. Dica. Lá ficou até melhorar, depois desapareceu.
Até hoje, passados tantos anos, desconheço quem era ele, ou de onde viera.
[1] - Estamos sempre colocando estas poesias de cordel, de autores desconhecidos.
[2] Netinho esteve interno num Seminário (da Ordem dos Salvatorianos) de Jundiaí, em São Paulo, por um período de 6 anos. Para lá foi em 1950, quando tinha apenas 13 anos de idade, e voltou em 1956, aos 19 anos. Foi levado por um padre que gostou muito dele, pois estudava num Seminário Menor que havia em Pacoti(CE), onde hvia sido internado em 1949.

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