terça-feira, 11 de janeiro de 2011
Retrospectivas da família Freitas
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Júlia em Fortaleza.
Tem pessoas que por onde anda, ou onde vive, sempre deixa um rasto de bondade e de simpatias de toda espécie. Júlia é uma delas. E é sempre bom registrar os bons momentos que se desfruta ao lado dela. Para recordar: ela e o Nilton sempre tiveram um carinho todo especial para com nossa família, merecendo pois toda a gratidão por tudo o que já fizeram e foram. Vejam no vídeo os melhores momentos de sua visita a Fortaleza, breve, mas efusiva e carinhosa.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Nossa homenagem à Tia Naninha
Faleceu no último dia 4 de outubro, em Natal, D. Ana Efísia de Paiva, aos 105 anos de idade. Acima, um pequeno vídeo com fotos de seu último aniversário, de 105 anos, ocorrido em março deste ano, bem como outras dela junto ao grupo de parentes e amigos que a visitou no dia 6 de setembro. Observar que o fundo musical é do coral em que canta a filha de Jurandir, Dafne Cavalcante, a "química" que virou "mulher rendeira". Ver nossas postagens anteriores De química a mulher rendeira e Homenagem à Tia Naninha em Natal.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Homenagem à Tia Naninha em Natal

Por ocasião de seu centenário em 2005, D. Anna, ou Tia Naninha como é mais conhecida, fez o seguinte depoimento:
“Nasci no dia 25 de março de 1905, em um sítio localizado em Portalegre(RN). Minha família era pobre e não tinha um lugar certo para morar, até que meu pai conheceu um senhor que nos ajudou, dando um lugar para ficarmos. Esse homem nos dava de tudo e não queria pagamento. Satisfeito com tudo isso, meu pai o convidou para ser meu padrinho e ele prontamente aceitou. Com o trabalho no roçado, meu pai conseguiu juntar um dinheirinho para a compra desse terreno, mas o homem não aceitou dizendo ser este o presente de sua afilhada”.
Após essa introdução, Tia Naninha fala de como conheceu seu esposo, Henrique Barbosa de Amorim, sete anos mais velho do que ela. Pelo fato de seu pai não aprovar o namoro, teve que usar de um artifício: “fugiu” com o noivo e casou-se sem a aprovação dos pais. O casamento foi realizado na cidade de Pau dos Ferros, no dia 25 de março de 1920, no dia em que ela completava 15 anos de idade. O casal teve uma convivência de 42 anos, tendo no total 19 filhos, 6 dos quais “não se criaram”.
Atualmente, Tia Naninha reside em Natal, na casa de uma de suas filhas, Elita. Segundo dados da família, conta com mais 80 netos, 203 bisnetos e 61 tataranetos.
Recentemente, um jornal de Natal publicou uma reportagem falando sobre longevidade, onde a homenageada era Tia Naninha, conforme podemos ver abaixo:

Vendendo saúde aos 105 anos
Dona Ana Efísia mostra que é possível ultrapassar a idade centenária com lucidez e disposição
Sílvia Miranda Especial para o “Diário de Natal”:
Dificuldades, emoções, desafios, superação e muita fé. Assim é a história de vida de Dona Ana Efísia de Paiva, que hoje mora em Natal e completou 105 anos na semana passada, tendo vivenciado a morte de 12 de seus 19 filhos. Mais que centenária, ela prova que é possível ter saúde e alegria em qualquer idade.
Segundo estimativa do Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 45 mil dos 190 milhões têm mais de 100 anos, o que representa pouco mais de 0,02% da população nacional. Dona Ana é uma representante e tanto dessa turma. Nascida no município de Portalegre, a 366km de Natal, Ana Efísia, completamente lúcida, conta as dificuldades que passou para conseguir casar com Henrique Barbosa Amorim aos 15 anos. "Papai não queria nosso namoro porque ele era moreno, então um dia eu fugi para a casa de um casal de amigos e fiquei morando lá. Naquela noite deixei um pau de pilão dentro da rede, coberto com meu lençol, e meus pais só vieram perceber minha ausênciano outro dia. Insistiram para que eu voltasse, mas alguns dias depois casei".
Para ela, os maiores prazeres da vida hoje são poder deitar-se em uma rede na varanda e tragar um cigarro. "Fumo desde os 9 anos e nunca tive problemas com o cigarro, minhas taxas são todas normais", acrescenta. Ela diz que não dispensa um bom feijão com arroz diariamente, um cafezinho e o velho mingau de farinha láctea com leite.
Muito trabalho
A receita para uma vida longa, segundo ela, é muito trabalho. Efísia diz que, após o casamento, teve de enfrentar muitos desafios para conseguir colocar alguma coisa dentro de casa. "A gente morava num sítio em Portalegre e trabalhava com criação de gado, ovelha, tirando leite da vaca, fazendo queijo, trabalhando de dia e de noite na plantação de batata e à tarde fazendo rede para vender. Foi assim que fomos conseguindo as coisas e criando nossos filhos".
Mas a melhor fase de sua vida não foi em sua cidade natal. Ela explica que foi uma época de grandes dificuldades e que ela só conseguiu viver em paz quando mudou-se para Pau dos Ferros, a 400km de Natal. "Minha maior vontade é poder um dia voltar à nossa casa em Pau dos Ferros". Foi forçada a vir para Natal quando o marido ficou doente. "Foi aqui onde ele faleceu com vários problemas no coração, para mim foi muito difícil continuar sem ele".
Hoje, com cerca de 80 netos, 200 bisnetos e 60 tataranetos, dona Efísia diz que conseguiu superar a perda graças ao amor da família e a fé. Com uma família tão grande, ela diz que já não sabe mais como conseguir reunir todo mundo. "Tenho muito prazer em poder reunir os familiares, mas hoje é impossível juntar todos porque tem gente espalhada por todo Brasil e até no Japão".
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
O "carequinha"

O "Cocorote", era como se chamava o lugar onde morávamos, ou mais popularmente "pista do cocorote", porque era a avenida asfaltada (pelos amerianos que exploravam a Base Aérea de uso militar) para onde se ia até ao aeroporto da base aérea de Fortaleza. Lá na Rua 15 de Novembo (que começava no "Portão da Base", por onde se entrava na área militar e civil) ficava a nossa casa. Foi lá que o Franciné resolveu ensaiar os seus primeiros passos de cantor. Entusiasmado e estimulado por vizinhos, e pela própria mãe, resolveu fazer um teste no programa do Irapuan Lima.
O Franciné tinha sofrido uma doença muito comum naqueles tempos: havia nascido uma camada de impingens na sua cabeça, e, para mais facilmente se aplicarem os remédios, lhe foi raspada a cabeça. Mesmo um meninote, mas por causa da cabeça raspada, começou a ser chamado de "carequinha". Para disfarçar a careca, a mãe colocou-lhe um boné. E assim seguiu ele para o difícil teste na Rádio Iracema.
Tentou cantar a primeira estrofe da música, que se iniciava assim: "Eram mais de mil mulheres belas e eu um só pra todas elas...". E quando começou a cantar a estrofe que dizia: "Eu sonhei que era um sultão de um harém, harém, meu Deus como tinha mulher...", o boné caiu (ou foi tirado pelo Irapuan, por brincadeira) e toda a platéia desabou rindo... O meninote, o "carequinha" não estava preparado para teste tão duro, para enfrentar o público, era muito criança ainda. E desabou a chorar...
E foi desta forma que se interrompeu bruscamente o início da carreira de um que poderia ser futuramente um grande artista.
Hoje, dia 4 de agosto, é o aniversário do nosso cantor mirim, o qual pode ter se revelado artista em outra atividade porque nesta não foi lá muito bem... Meus parabéns, Franciné, por mais um ano de vida. Aliás, Franciné, não: Francisco Cavalcante Neto, seu nome verdadeiro.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Quem é o aniversariante?

sexta-feira, 16 de julho de 2010
Boas lembranças e homenagens




domingo, 11 de julho de 2010
Alegres recordações de um bom filho
domingo, 24 de janeiro de 2010
Mais uma formatura em nossa família

segunda-feira, 9 de março de 2009
A Bondade sertaneja (XV)

“A gente quando nasce parece que traz uma sina ou um dom, não sei bem a palavra certa. É que entre as minhas qualidades que eu tenho, inclusive muitas faltas, defeitos, tem uma coisa que sempre aconteceu comigo desde a minha mocidade. Parece que eu trago uma sina de cuidar de pessoas doentes. Isto desde a minha juventude como agora vou descrever. A primeira pessoa que eu convivi com o sofrimento e a morte foi minha mãe, mas como eu era criança eu apenas assisti, não colaborei em nada. A minha tarefa de cuidar de pessoas doentes começou com o meu pai, fazendo o papel de enfermeiro assistente, mesmo sem entender nada sobre enfermagem eu me dediquei de corpo e alma durante sete meses ao lado do meu pai enfermo, sem lhe abandonar um instante até a hora de sua morte. Depois eu me desloquei numa distância de mais de 20 quilômetros para cuidar de um irmão casado e que não tinha quem cuidasse dele, e ele estava com problemas reumáticos que paralisou todo corpo e só o deixei quando ele se recuperou. Depois ainda fui cuidar de tio, irmão de minha mãe, tio Vicente, que sempre foi meu grande amigo.
Quando cheguei em Fortaleza tive a oportunidade de receber o meu cunhado Zeca Laurindo, que veio do Rio Grande do Norte para minha casa e eu fiquei cuidando dele até o seu falecimento. Depois veio o meu irmão Doca, o mesmo que tinha cuidado dele lá no sertão. Desta vez veio com meningite, internado num hospital faleceu dias depois, isto sem contar com a família, minha esposa que teve internada talvez umas dez vezes. O Assis aos 5 anos com asma, o Jurandir aos primeiros anos com meningite aguda que muito nos preocupou mas Deus quis que ele continuasse conosco até hoje. Depois a Graça aos 7 anos teve um derrame cerebral que chegou a passar 40 dias internada, mas graças a Minha Mãe Santíssima ela recuperou a saúde e viveu até 33 anos de idade, quando faleceu também de derrame. E hoje na minha velhice me considero um chamado de Deus quando, como ministro da Sagrada Comunhão, participo da pastoral do enfermo visitando e levando a Sagrada Comunhão a 12 pessoas idosas e enfermas e isso me faz bem à alma e ao coração”.
Algumas observações devem ser feitas sobre o texto acima. O sr. Batista se engana na idade da Graça quando ela teve o primeiro derrame, não foi aos sete anos, como diz, mas sim aos 11 anos, isto é, em 1961. Talvez ele se engane também quanto à doença do Jurandir quando era criança, meningite, pois em outra oportunidade ele afirma que o Jurandir deu muito trabalho por causa de um crupe. Com relação ao cunhado, Zeca Laurindo, ele deve está se referindo ao esposo de Tia Antonia (uma de suas irmãs), que faleceu em nossa casa quando moramos por algum tempo numa casa que depois ele vendeu ao Nilton e situada na mesma Rua 15 de Novembro, bem próxima ao famoso “Portão da base”.
Ele deixa de mencionar também o quanto lutou para salvar a vida do filho Jair, por duas vezes. Na primeira vez, como relata o filho Jurandir adiante: "Em 1964, Jair, o seu penúltimo filho, foi baleado; encontrava-me em casa, ouvi o estampido e saí correndo. Na rua deparei-me com o papai já com o filho estendido nos braços. O seu rosto era de aflição, de confusão, de desespero. Não sabia o que fazer com o garoto banhado de sangue. O seu coração procurava em acelerado bombear o sangue para a cabeça, de onde deveria sair a solução para essa tragédia. Os músculos tesos, os vincos da face mais profundos, a voz embargada. Era ele a própria figura do pai que tirava o filho dos escombros de um terremoto, a vida se acabava ali se o filho não sobrevivesse".
Na segunda vez por ocasião da doença que foi fatal, durante à qual teve sempre o Sr. Batista ao seu lado, inclusive nos momentos mais sofridos quando chegou a falecer num leito de hospital em São Paulo, em 1979. Antes deste desenlace, entretanto, o Jair causou-lhe ingentes trabalhos e preocupações durante alguns anos com sua doença, sendo internado por diversas vezes e também operado talvez uma dezena de vezes em Fortaleza, sempre com seu bondoso pai, ou sua mãe, ao seu lado.
quarta-feira, 7 de janeiro de 2009
A Bondade sertaneja (XIV)

Quando um filho lhe pedia a bênção ele respondia sempre a mesma coisa: “Deus lhe faça feliz!”, diferentemente do geral dos pais de seu tempo que abençoavam os filhos dizendo: “Deus lhe abençoe!”
Certa feita escreveu uma carta para um de seus filhos, onde se destaca o seguinte conselho: “Meu filho, nesta carta não quero falar de mim e sim de você. Vou falar sobre a sua vida conjugal, espero que você compreenda a minha preocupação, eu sei que você tem alguns problemas de ordem conjugal, mas quem é que não tem?
“Mas o que fazer? é aceitar a nossa cruz com resignação, e sempre nas orações rogar a Nossa Senhora que abençoe o nosso lar e nos ilumine nos caminhos que devemos seguir. E com a fé venceremos.
“Preservar a união no lar é tarefa que Deus espera de nós, o importante é quando a gente cair procurar sempre levantar-se de novo...”
Este último conselho era uma filosofia de vida que ele vivia integralmente: sempre que caía procurava levantar-se, arrepender-se e recomeçar a vida...
Não era só para dar conselhos que ele escrevia, mas também para agradecer a bondade que os filhos procuravam praticar como ele o fazia. Em outra oportunidade, dirigiu a seguinte mensagem ao mesmo filho acima referido: “...Você não imagina como me sinto feliz saber que você é temente a Deus, pois você reconhece que só através da Fé poderemos alcançar a salvação eterna. O seu pensamento me ajuda a vencer os obstáculos que se apresentam diariamente na minha vida, apesar da minha Fé e esperança que tenho em Deus e na Santa Virgem Maria, a quem recorro diariamente. Mas tem horas que me sinto pequenino demais para merecer a proteção divina, pois sou assaltado pelo demônio todos os dias de minha vida. Mas com a ajuda de Deus cada vez que caio procuro me levantar. Nesta vida terrena não tenho quase nada a pedir, somente agradecer. Todas as vezes que rezo por todos meus filhos é pedindo pela felicidade de todos. Quando falo de felicidade Deus mais do que nós sabe o que é a verdadeira felicidade...”
Era a constante de suas preocupações: ver sua família feliz. Esta filosofia está resumida na poesia que compôs sob o mote “Nasci predestinado para ter uma família unida”. Em outra oportunidade, sentindo dificuldades em conversar com um filho que morava na mesma cidade, escreveu-lhe em forma de carta alguns conselhos. A certa altura aconselhava: “(fulano), preste muita atenção o que vou escrever nestas páginas, são palavras que estavam guardadas dentro de mim esperando a oportunidade de te falar, e que por motivos diversos, nunca te falei. Talvez por comodismo ou falta de oportunidade, e nisto o tempo vai passando e o meu sonho não se realizava...
“Meu filho! todos nós, eu e sua mãe, os seus irmãos, todos gostamos muito de você, todos desejamos a sua felicidade, mas para realizarmos este ideal, tudo depende única e exclusivamente de você querer mudar de vida...
“(fulano), eu e sua mãe sentimos um verdadeiro carinho por você e queremos ver você feliz.
“Meu filho! eu lhe peço por tudo quanto é sagrado, por nossa mãe Maria Santíssima, procure ver a realidade, não sei se você leu na Bíblia a história do filho pródigo; pois você está fazendo o mesmo papel do filho pródigo, abandonando o seu lar, a sua família, o lar paterno que é uma das coisas mais sagradas que existe na face da terra; e o que é mais perigoso é que você está se afastando de Deus. Aos poucos você vai destruindo sua vida, tanto material quanto espiritual.
“Meu filho! sem Deus nós não somos nada, não valemos nada, também não temos nada, tudo nesta vida terrena é baseado na fé na esperança em Deus que nos dá tudo e só espera de nós a obediência.
“(fulano), você está trocando tudo que você tem de mais sagrado na sua vida por uma coisa irreal que faz destruir a sua vida material, e principalmente espiritual, abra seus olhos, veja que você está mergulhado num mar de lama. Pelo amor de Deus! evite o papel do filho pródigo. Volte para seu lar, para o seio de sua verdadeira família e conquiste a sua confiança, no seu emprego, na família, na sociedade, nos amigos, e acima de tudo a confiança em Deus”.
O conselho vai descer a detalhes. Ele não se contenta nas generalidades. Pede que o filho reconheça o próprio erro, abandone a pessoa que lhe leva a ruína e mude de vida. Depois de tudo se oferece para ajudar:
“Olhe, eu tenho uma proposta, se quiser a gente constrói aqui no nosso quintal um quarto grande com 6 metros de comprimento por 4 de largura e você ficará aqui uns tempos até normalizar a sua situação. Pense bem na minha proposta...” No final uma recomendação a título de “Post Scriptum” :
“(fulano), leia esta carta com muita atenção, medite sobre cada palavra e não precisa responder nada, basta agir com a sua consciência...”.
O tempo passa e os problemas daquele filho se complicam. Um outro filho do Sr. Batista jazia doente num leito do Hospital das Clínicas em São Paulo. O pai estava lá acompanhando-o e dando-lhe toda a assistência possível. Quando o drama estava perto do desenlace fatal (o Jair veio a falecer em 6 de dezembro de 1979), D. Raimunda, que não queria ficar alheia ao sofrimento do esposo e pai, vai lhes fazer companhia, com toda a sua forte alma também sertaneja e com todo o seu amor de mãe e esposa, tentando minorar aquela dor. Estavam lá quando aquele outro filho (objeto da carta acima) resolve escrever ao seu pai nos seguintes termos: “Papai, estou lutando contra todos os meus defeitos, para poder um dia ser aquilo que o senhor sempre desejou que eu fosse...
“Nunca deixarei de agradecer a Deus por ter me dado um pai tão maravilhoso como o senhor, um pai que dar a própria vida para salvar a de seu filho.
“Papai, isto é uma coisa que jamais e em tempo algum esquecerei, e tenho certeza que Deus estará sempre em seu coração, lhe dando forças para lutar contra todo este mal que nos persegue, mas tenho certeza que tudo vai dar certo.
“Quanto ao problema do meu comportamento, pode ficar tranqüilo pois sei que esta é a única maneira que tenho para compartilhar com este sacrifício que nós estamos passando...” Quer dizer, não era preciso responder a carta que recebera lhe dando conselhos. Mas como o pai viajara para São Paulo e passava por muitas atribulações com a doença do Jair, o outro filho resolve lhe responder para informar que resolveu ouvir suas recomendações. Pelo menos aparentemente o pai foi ouvido, não foram inúteis seus conselhos
sábado, 27 de dezembro de 2008
A Bondade sertajena (XIII)
Por: Juraci Josino Cavalcante
Todos querem aconselhar; poucos nos dão bons exemplos. (Lemonnier).
Todos os seus filhos lembram com que rigor às vezes o Sr. Batista os castigava. A educação que ele dava, meio rústica, meio rude e inculta, era no entanto a melhor que existia. Era duro e severo quando se tratava de ensinar o respeito, a moral, a obediência; mas quando se tratava de aspectos secundários, de falhas pequenas, ele sempre relevava e mudava de procedimento. Não permitia que nenhum de seus filhos chamasse um mais velho, um adulto, um tio, um avô, ou mesmo os pais, de “você”, coisa muito comum nos dias de hoje. Todos tinham que chamar os mais velhos de “senhor” ou de “senhora”. E quando ele chamava um filho, este tinha que responder imediatamente “sim, senhor!” . O mesmo tinha que dizer um filho quando ele dava uma repreensão ou alguma recomendação: “sim, senhor!”. Se assim não respondesse era corrigido.
Em hipótese alguma o Sr. Batista permitia que seus filhos pronunciassem um palavrão ou alguma palavra imodesta. Toda nossa linguagem era aquela que ele usava em casa, de respeito, solene, meio pobre e simples, mas respeitosa com todos. Certo dia um filho se altercou com um coleguinha e o chamou por um nome que no sertão e entre as pessoas piedosas da época era tido como palavrão. Sim, se não era um palavrão era um xingamento, e ele não admitia xingamentos entre seus filhos. O filho foi imediatamente repreendido, mas pensando que não era seu pai e sim outro que falava (estava de costas), repetiu o nome: foi o suficiente para ser severamente castigado. Mas o Sr. Batista era muito bondoso quando castigava, em geral exigia que o filho prometesse não mais repetir aquela falha e logo o tratava com brandura.
Dar conselhos era o seu forte. Mesmo depois que os filhos cresceram, até aos já casados, ele costumava dar conselhos, escrever bilhetes ou cartas. Transparece nisto toda a sua preocupação em ver seus filhos felizes e conformes com a filosofia de vida que levava, que ele julgava ser a mais adequada para ser feliz. Seguir os Mandamentos da Lei de Deus, ser religioso, enfim, praticar a mesma bondade que ele exercia a tantos anos.
sábado, 20 de dezembro de 2008
A Bondade sertaneja (XII)

Após o casamento, a vida dura continua a ser a constante. Teve que trabalhar alhures para manter a família, mas seu sogro o chamou para morar com ele no ano seguinte, quando já tinha nascido o primeiro filho. Trabalhava na agricultura, talvez em terras da família do sogro, e nas horas de folga vendia legumes e carnes de porcos e carneiros na feira livre do lugarejo. No final da década de 30, em torno do ano de 39, até que a vida lhe corria sem maiores contratempos. Iniciada, porém, a década de 40, começa novo período de secas. De 41 até 43 as safras se perdiam sem remédio. Não havia o que fazer.
Foi exatamente em 1943, quando já tinham 4 filhos, que ele e sua esposa amadureceram a idéia de ir embora dali e se mudar para Fortaleza. Mas antes de partir Deus lhes reservava um duro revés. Após nascer o quarto filho, no mês de agosto, morre o terceiro, de desidratação, com apenas 2 anos de idade. Isto não foi motivo para desânimo nem desesperos ou revoltas contra Deus: o casal havia decidido e assim, mesmo tendo morrido um filho, fazem a viagem com o mais velho e o mais novo (com 2 meses de nascido), deixando o segundo (Francisco Assis), que tinha 4 anos de idade, com os avós maternos.
Seu sogro era contra a viagem, pois não lhe parecia sensato partir daquela forma para tão longe e nas condições em que eles iam viajar. O primeiro trecho da viagem fizeram a lombo de animais, auxiliados pelo seu irmão mais velho, Pedro Batista, até à cidade de Quixadá, no Ceará. Lá se hospedaram em casa de um primo da família, por nome José Pinto, enquanto mandavam avisar aos cunhados que já moravam em Fortaleza (Francisco e Luiz, irmãos de D. Raimunda). De Quixadá até Fortaleza a viagem foi feita de trem, mas mesmo assim como deve ter sido enfadonha e cansativa! Em Fortaleza tiveram mais um contratempo, mais uma dificuldade: os familiares não os estavam esperando na estação, pois o trem atrasara, só chegando a altas horas da noite.
Assim chega a Fortaleza um espírito denodado, uma alma fortalecida pelas tribulações, pelos sofrimentos, pelas contrariedades, mas ao mesmo tempo, possuída por uma tal doçura e bondade que encantava a todos, principalmente seus filhos.
Dona Raimunda conta que nos primeiros dias sofreram muito para se acomodar à vida dura da capital cearense. Diz ela que viajava constantemente de ônibus (imaginem como seriam eles naqueles tempos!), fazendo um primeiro percurso à pé de sua casa até o “asilo” (uns 4 ou 5 quarteirões), e do centro da cidade até à Aldeota novamente à pé a fim de costurar as roupas da família na casa de seu irmão Luís. Levava consigo as crianças (o Neto e o Franciné, este ainda menino de colo).
O Sr. Batista teve compaixão de sua esposa e providenciou logo a compra de uma máquina de costura, dando por ela “quinhentos mil réis”, segundo relata mais adiante em suas reminiscências. Todos os seus filhos viram a mãe costurar com esta antiga máquina alemã, marca Uskivarna, durante anos a fio.
Ocorre que aquele dinheiro ele poderia ter utilizado todo na compra de seu comércio, prometendo que depois compraria a sonhada máquina de sua esposa. Mas não era este seu pensamento, sabendo muito bem o quanto era útil para sua esposa e família a compra daquela máquina.
Era assim o Sr. Batista. Era este o seu espírito. Logo angariou muitas amizades e se fez notabilizar como um homem bondoso e amigo. Todos gostavam de ouvi-lo, de consultá-lo, de conversar com ele.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
A Bondade sertaneja (X)
“Subi a Deus na ventura e Ele descerá a vós na desgraça”. (Marquês de Maricá).
O Sr. Batista sempre foi um lutador, como se diz. Tentou várias vezes uma atividade comercial que lhe desse condições de criar a família, colocar os filhos para estudar, etc. Falido, reuniu os últimos recursos que tinha de sua primeira mercearia (situada na Av. 15 de Novembro, onde residia desde quando chegou a Fortaleza), aplicou num pequeno terreno e começou a construir uma casa no bairro chamado Bom Futuro. Vendeu parte do terreno vizinho a um sobrinho, mas sua situação ainda era precária. Vendeu tudo novamente, pegou o dinheiro comprou outro terreno em outro bairro, desta vez o Pan-Americano, e lá começou nova casa. Os dias iam se passando, ele ia construindo, fazendo uma parte e outra deixando para depois, até que o dinheiro se acabou por completo.
A situação se tornou caótica, sem dinheiro e sem ter a quem recorrer para resolver seus problemas, pagar o armazém onde comprava fiado, ter o trocado para pegar o ônibus, fazer pequenas compras de casa, etc. Como sempre, D. Raimunda muito compreensiva tentava lhe consolar e ajudar, mas exigia que ele fosse procurar um emprego ou algo com que viver, pois daquela forma não poderia continuar. Os filhos, alguns já adultos, pouco podiam fazer, pois os dois mais velhos estavam casados, tinham suas famílias, e os solteiros estavam desempregados. O restante ainda era formado por garotos e crianças.
Que fazer? O Sr. Batista rezou fervorosamente e pediu ajuda à Sua Mãe a Virgem Santíssima. De olhos cheios de lágrimas, sentido por deixar a família passar privações, saiu de casa certo dia com destino a conseguir alguma coisa. Qualquer coisa lhe servia. De repente, lembrou-se de um amigo. Foi até à casa dele pedir conselho ou ajuda.
Chegando à casa de seu amigo contou-lhe detalhadamente o drama que estava passando, sem emprego, sem comércio, sem dinheiro e com a família esperando dele algo para sobreviver. Emocionado, o amigo deu-lhe um abraço e disse-lhe, encorajando-o: “Mas o que é isto, rapaz? Que desânimo é este? Coragem! Levante a cabeça!”. Se queria ajuda o amigo estava ali para fazer tudo por ele. Mas o que poderia ele fazer? A resposta foi simples e encontrava-se na frente deles. O amigo do Sr. Batista comprava e revendia bolsas para senhoras e outros artigos populares. Na mesma hora ficou acertado que o Sr. Batista iria trabalhar para ele. Mas como, se ele não tinha dinheiro? Não havia necessidade, ele iria vender os produtos e ganharia um percentual sobre as vendas. Quando tivesse o seu próprio capital, faria suas compras e teria o seu estoque.
E assim, o Sr. Batista recomeçou a vida, até que um dia conseguiu, com a ajuda dos filhos, a sua aposentadoria e ficou com uma renda assegurada pelo resto de sua vida.
domingo, 16 de novembro de 2008
A Bondade sertaneja (IX)
Uma alma que sempre ansiava crescer, progredir
"Um pai – ainda o mais pobre – tem sempre uma riqueza para deixar ao filho: o exemplo" (Coelho Neto).
Informado sobre a situação reinante nas capitais brasileiras, seja através de alguma leitura ou mesmo pelas pessoas que andavam pelo sertão, animou-se ele em deixar a caatinga e partir com a família para a capital cearense. Nenhuma mentalidade estagnada, acomodada e sem desejos de progressos, tomaria tal iniciativa. Quando o Sr. Batista resolveu arrumar seus pertences, vender alguma coisa, como seu cavalo, e partir com esposa e filhos para a aventura da viagem é porque desejava ir em busca de crescimento, de progresso, de uma realização superior que naqueles ermos não existia. Havia em seu espírito um desejo de perfeição maior.
Este estado de espírito foi uma constante em sua vida. Demorou pouco tempo em seu primeiro emprego quando chegou em Fortaleza. Logo, se estabeleceu com um pequeno comércio autônomo. De início, uma pequena venda. Depois uma mercearia. Aos trancos e barrancos foi crescendo, até que a crise financeira o pegou pelo caminho, com uma família já numerosa e muitos problemas a enfrentar.
A paz de alma que provém da bondade
"...e paz na terra aos homens de boa vontade" (Lc 2, 14)
Um exemplo da prática da bondade. Quando residia em Fortaleza, o Sr. Batista resolveu ampliar seu comércio (que era uma mercearia) instalando na frente um "posto de bicicletas”. Havia comprado algumas bicicletas, veículo muito utilizado em Fortaleza já então, e passou a alugá-las. Certo dia, um garoto alugou uma e atropelou com a mesma uma criança bem defronte à casa dela. O pai da garotinha, bastante irritado, tomou a bicicleta e jogou-a do outro lado de sua cerca, dizendo que não a devolveria. O guri foi chorando contar o que houve ao Sr. Batista, o qual ficou muitíssimo preocupado: teria acontecido algo de grave com a criança? O pai dela lhe devolveria a bicicleta? Deixou esfriar os ânimos e depois resolveu se dirigir à casa da pequena atropelada. Porém, lá não encontrando o pai nervoso, foi a mãe que o recebeu. Primeiro quis ver como estava a menina, mostrando pesar pelo que houve, depois, como a mãe não se opôs, pegou sua bicicleta e foi embora.
Nota-se que o Sr. Batista é um homem decidido, ele vai atrás do que lhe pertence; mas sua preocupação maior é o estado de saúde da criança. Se os pais não lhe devolvessem a bicicleta ele não ficaria tão sentido, contanto que a criança atropelada não estivesse em estado grave.. Estes dois estados de alma predominam nele, mostrando completo equilíbrio, uma verdadeira paz de alma. Aquele anseio de agredir, de fazer violência para readquirir o que era dele não existia, o que ele tinha em mente quando se dirigiu à casa dos pais da criança era argumentar, era oferecer razões que lhe fizessem devolver a bicicleta, ao mesmo tempo que se mostrava muito penalizado com a criança, pois ele tinha muita brandura de alma e pelo seu jeito de falar qualquer um se dobrava.
Com esta disposição ele ia à casa de qualquer um, lá conversava civilizadamente, calmamente, educadamente, dizia o que pensava e muitas das vezes voltava conseguindo o que queria. Certa vez ele fez uma sociedade com um sujeito que se dizia seu amigo. Abriram um açougue. Os “trabalhos” foram divididos: o sócio tomava conta do açougue, comprava e vendia a carne, e o Sr. Batista apenas lhe dava crédito com seu talonário de cheques. Quando o sujeito deixou de cobrir vários cheques, todos devolvidos sem fundos, foi que o Sr. Batista abriu os olhos para o logro em que caíra. A situação era vexatória, pois o “sócio” não tinha dinheiro, nem o Sr. Batista tinha condições imediatas de saldar os cheques que andavam nas mãos de diversas pessoas. Um destes credores era um sujeito conhecido como valentão e era sabido que já havia cometido assassinato. Como enfrentar um sujeito deste tipo? Que fazer? Devia esperar que ele viesse na sua casa ou deveria procurá-lo?
Como dissemos acima, o Sr. Batista era decidido, e por isso resolveu ir até à casa do valentão. Não foi com medo, nem armado, nem pensando em discutir com o sujeito. Procurou apenas se informar antes, pela vizinhança, sobre o homem com quem ia conversar. As informações não eram nada animadoras, todos davam péssimas notícias sobre o temperamento irascível e briguento do indivíduo. O Sr. Batista ainda pensou: se estiver bêbado eu deixo para outro dia. Mas o homem estava sóbrio, pois ele o procurou pela manhã. Chegando lá o homem inicialmente o recebeu muito mal. Mas com um pouco de conversa o valentão muda o tom e com a promessa feita de logo saldar a dívida se acalma e nada acontece. O Sr. Batista volta para casa com a consciência tranqüila. Havia feito um acordo, pedido um prazo, dera sua palavra que alguns dias depois foi cumprida.
Quanto ao caloteiro, o “sócio” que se aproveitou de sua ingenuidade para usar seus cheques e espalhá-los na praça, nunca honrou suas dívidas e sumiu... Nem por isto o Sr. Batista foi a procura da polícia e o denunciou a fim de tentar reaver seu dinheiro. Simplesmente deu-o por perdido e interiormente se conformou com esta lição que a vida lhe dava. É bom que se frise, entretanto, que nem sempre ele agia assim, pois o mais comum era ir a procura do que era seu e lutar para consegui-lo, como é o caso narrado em suas reminiscências em que se utilizou da amizade de um juiz de direito para cobrar um débito.
terça-feira, 11 de novembro de 2008
A Bondade sertaneja (VIII)
Que tipo de Bondade praticou o Sr. Batista?
Visto anteriormente o que seja a Bondade, é fácil agora verificar até que ponto o Sr. Batista a praticou, em que grau ele estava quando fez alguma ação ou teve tal ou qual modo de vida. Basta ler o relato de sua vida, suas virtudes e auscultar, embora de longe, seu coração.
Parece-nos que ele tinha uma bondade natural bem marcante, muitas vezes aprimorada pelas graças de Deus. Esta bondade ele a exerceu durante toda sua vida e foi a nota predominante de seu procedimento. Não chegou, no entanto, a atingir graus heróicos. Mas, por pouco que tenha crescido nela, serve-nos de exemplo, de padrão de comportamento, a fim de que nós, seus sucessores ainda vivos, possamos um dia atingir graus cada vez maiores de perfeição.
Seu espírito, seu modo de ser, parecia-se muito com seu pai que “muito humilde, falava pouco e não gostava de discutir”, segundo ele mesmo relata. O Sr. Batista tinha também uma grande admiração por seus pais, afirmando que os dois viviam numa união “perfeita”, pois nunca ouvira discutirem: sua mãe cuidava dos filhos e da casa, ensinava as crianças a rezar, etc, enquanto seu pai cuidava de trabalhar para sustentar a família.
Da mesma forma viveu ele com sua esposa, D. Raimunda. Conta que, já no início do casamento, em 1941, teve que largar toda uma plantação feita numa vazante para ir ver sua esposa que, se encontrando adoentada na casa de seus pais, não podia voltar para onde estava o esposo. Só lhe restou colher o que pôde e o resto deixar para a água cobrir. Quer dizer, o importante era ver como se encontrava sua esposa e lhe dar assistência necessária, a vazante que ficasse e se perdesse pois Deus lhe daria tantas fosse necessárias para continuar trabalhando. De fato, logo as chuvas voltaram e ele teve condições de realizar outras plantações, desta feita junto com sua esposa e filhos.
A busca do conhecimento
“Quem conhece mais ama, e quem mais ama mais recebe” (Santa Catarina de Sena).
Para muitos daqueles que nasceram nos sertões pobres de nosso Nordeste, basta-lhes a vida pequena, miúda e sem progressos em que jazem. Para que se aperfeiçoar em alguma coisa? Para que estudar e ter algum conhecimento? Basta ser o que se era desde o nascimento: pobre, analfabeto, a serviço dos outros e sem maior desenvolvimento pessoal. Esta mentalidade parece ser um pouco contrária à do jovem rico citado no Evangelho, mas não, ela revela uma acomodação com a vida que se leva e sem desejar progressos, e, desta forma, é a mesma mentalidade. Para o Sr. Batista, não lhe satisfazia esta maneira de ver a vida. Era necessário progredir, procurar algo de melhor, crescer em tudo para assim conseguir servir melhor e se tornar mais perfeito. Nascido pobre, procurava uma forma de trabalho que minorasse sua situação; tentando melhorar esta situação, um dos caminhos que buscou logo de imediato foi o estudo.
Sim, o estudo. Com dificuldade, somente aos treze anos de idade, após a morte de sua mãe, começou a ter suas primeiras lições. Por sua conta procurou um professor, chamado Zeca Laurindo, compadre de seu pai, tomando dele as primeiras aulas de ler, escrever e contar. Como seu pai não podia e nem tinha muito interesse nos estudos dos filhos, procurou o Sr. Batista recursos com que pagar as aulas, que eram particulares. Empreitou com um vizinho encoivarar um roçado por sete mil réis, cinco dos quais para pagar suas aulas.
No entanto, durou pouco suas pretensões de estudo. Como não conseguira mais dinheiro, teve que deixar as aulas um mês depois, tendo neste pouco tempo aprendido a ler, escrever e um as quatro operações matemáticas. Continuou então a estudar com seu pai, que sabia muito pouco, mas que não lhe dava sossego pedindo para ensinar.
Persistente, conseguiu no ano seguinte mais um mês de aula com o mesmo professor. Desta vez sua intelectualidade avançou, leu livros até do quarto ano primário e aprendeu além das quatro operações também problemas de juros, pesos e medidas e regra de três simples. Tinha algumas noções de história e geografia, embora continuasse atrasado em português. Sua persistência pelos estudos fez com que conseguisse no outro ano mais alguns dias de aula com uma professora em Mossoró.
Estes estudos básicos foram suficientes para tentar ampliar sua cultura, seu conhecimento. Era preciso ler, mas ler o quê? Jornal não aparecia pelo sertão, e os livros eram muito raros e difíceis. Mas o que enxameava mesmo nas feiras, a literatura vasta e prolífera era dos livretos de cordel. Estes os havia em grande quantidade, e como o Sr. Batista gostava deles! Esta poesia simples, cabocla, primária e tida como tacanha, era a riqueza literária do sertanejo: nela ele encontrava ensinamentos diversos, conhecimentos variados, desde a cultura clássica até ao conhecimento de nossa história e dos personagens políticos do País.
Lendo livros de cordel, o Sr. Batista conseguiu intelectualizar-se da melhor forma possível e assim ampliar seus horizontes, saber de algo distante de onde morava, nomes das capitais, situações dos povos dos outros lugares, etc. E lia com tanto gosto aqueles livretos que, já velho, recordava para seus filhos, netos e bisnetos, aquelas poesias que lhe enchiam de satisfação em seus tempos de mocidade. Sua memória nunca lhe traía e conseguiu decorar grande parte das historietas e das poesias de seu tempo. Lembrava com saudades das histórias de um personagem chamado “Cancão de Fogo”(*) , celebrizado pela literatura de cordel.
Um exemplo que bem mostra a riqueza intelectual dos fazedores de versos do sertão é uma poesia que o Sr. Batista sempre repetia quando maduro, de autor desconhecido, que aprendera em sua juventude:
Eu vi um sagüi de espora
Macaco de realejo
Guariba tocar solfejo
Eu vi nos braços da Aurora:
Eu vi uma caipora
Despenseira de um navio
Sapo cantar desafio
Morcego vender fazenda
Catita fazendo renda
O sol tremendo com frio!
O mote é: Eu vi nos braços da Aurora o sol tremendo com frio! Tudo faz crer que o autor da poesia se baseou em nada menos do que no famoso Bocage, que tem uma poesia com o mesmo mote e reza assim:
Se isto vai de foz em fora,
Também com luz diamantina
Vir raiando a matutina
Eu vi nos braços da Aurora:
Só me resta ver agora
O caranguejo de um rio,
Ver os efeitos do cio,
Cantar modas um macaco,
A lua tomar tabaco,
O sol tremendo com frio!
O Sr. Batista, como bom sertanejo, gostava muito de ditados, especialmente dos ditados nordestinos. A imaginação nordestina é muito rica em sentenças, geralmente bem apropriada para cada caso. Eis alguns exemplos: “a gente nasce nu e não se enterra de chapéu”, “boi sonso é que arromba curral”, brincadeira de homem, cheira a defunto”, “nem o veado perde a vida, nem a onça morre de fome”, “pé de galinha não mata pinto”, etc. Copiou ele certa vez todos aqueles que sempre repetia e que sabia de cor:
Quem trabalha Deus ajuda
Farinha pouca, meu pirão primeiro
Quem não tem bons dentes não quebra nozes
Melhor só que mal acompanhado
Quem se vexa, come cru
Quem espera sempre alcança
Quem muito escolhe no pior se apega
Quem quebra galho é macaco gordo
Se faz de santo para melhor passar
Quem economiza tem
Quem guarda tostão junta milhão
Quem guarda com fome o gato come
Quem quiser ser grande nasça viçoso
Quem é bom já nasce feito
Quem tem fé não morre pagão
O galo canta onde aí janta
Quem olha a casa do vizinho se esquece da sua
Quem novo não morre de velho não escapa
Quem não pode com o pote não pega na rodilha
Não pede esmola porque não tem um saco...
Quem corre cansa, quem anda alcança
Quem muito quer muito perde
Quem planta vento colhe tempestade
Quem tem rabo de palha não brinca com fogo
Dois bicudos não se beijam
Quem fala a verdade merece ser perdoado
Quem não tem padrinho morre pagão
Quem se faz de mel as abelhas vêm e comem
Quem dar o que tem a pedir vem
Entre espinhos nascem flores
Cobra que não anda não engole sapo
Nas brincadeiras, o Sr. Batista era mestre. Mas eram sempre brincadeiras de bom espírito e sem maldades. Parodiava estes ditados, em tom de brincadeira, dizendo:
Os últimos serão... os reprovados
Quem ri por último é... retardado
Quem com ferro fere... ganha a briga
Quem dá aos pobres, empresta... adeus
Depois da tempestade... vem o prejuízo
Em terra de cego, quem tem um olho... é caolho
Com sua aposentadoria, o Sr. Batista dispôs de mais tempo para compor poesias, quase todas elas inseridas nesta obra. Quando o “muro da vergonha” em Berlim caiu, no ano de 1989, mandou ele a seguinte estrofe para um filho:
Conforme alguns analistas,
Que fazem estudo profundo,
Desmorona em todo mundo
O regime comunista:
E como já estava previsto
Na história mundial,
E como doutrina do Mal
Que nenhum cristão queria,
E como já tudo previa
Está chegando ao final.
Iniciava-se o ano de 1995, poucos dias faltavam para seu falecimento. Em seu leito de dor, recebia em casa os familiares distantes que o visitavam. Dia 03 de janeiro, ele chama sua neta, Carla, e dita para ela os seguintes versos que havia escrito numa folha de um caderno em sua homenagem já há algum tempo:
Minha netinha formosa
Ventura dos dias meus
És linda como uma rosa
Do belo jardim dos céus
O brilho do teu olhar
Tem tanto, tanto carinho
E o teu doce falar
É o canto do passarinho
Este riso que me prende
Tem meiguice, tem candor
Ai! Como teu riso acende
Na face belo rubor
Como o teu riso alerta
Um calor no peito meu
Como minh’alma desperta
Do corpo que já morreu
Como é bom ouvir segredos
Te afagando como desvelo
Deixar correr os meus dedos
No ouro dos teus cabelos
Tu és um anjo, querida
Um anjo banhado em luz
Que brilha na minha vida
E me suaviza a cruz
Quando fechar os meus olhos
Pra nunca mais ver os teus
Me guie por entre abrolhos
Até pertinho de Deus
Junto ao trono do Senhor
Te lembrarei com saudade
E rezarei com amor
Por tua felicidade!
Um de seus filhos acredita que esta poesia não é de autoria do Sr. Batista, tal o grau de perfeição que há nela. Não discordamos que ele possa tê-la lido alhures e decorado, mas o fato é que com sua letra a copiou em seu caderno e assim a ofereceu à sua neta. Poucos dias antes (12.11.94) mandara a seguinte poesia para um filho em homenagem a um neto prestas a nascer: Esta, indiscutivelmente, de sua autoria:
“Historinha de Kaio Lincoln quando nasceu”
Longos meses eu passei
Num apartamento sozinho
Não chorei, nem falei
Num cantinho, quetinho
Tudo era silêncio
Como se pode imaginar
Não tinha nenhuma convivência
Naquela sala de estar
Em tudo Deus impõe
Durante o dia a dia
No seio me guardava mamãe
Mas seu rosto eu não conhecia
Eu era bem cuidado
Com amor e com carinho
Nada me faltava
Naquele bendito ninho
Afinal chegou a hora
De uma feliz noitjnha
De conhecer agora
O papai e a mãezinha
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quinta-feira, 30 de outubro de 2008
A Bondade sertaneja (VII)
A busca da perfeição está no interior de cada um
O abade Jean Baptiste Chautard em sua célebre obra “A Alma de Todo Apostolado” afirma dentre outras coisas: “quanto mais o coração estiver unido a Jesus Cristo, tanto mais se tornará participante da qualidade principal do coração divino e humano do Redentor, sua bondade, indulgência, benevolência, compaixão; tudo nele se multiplica e sua generosidade de dedicação há de atingir as raias da imolação alegre e magnânima.
Transfigurado pelo amor divino, o apóstolo atrairá sem esforços a simpatia das almas: “In bonitate et alacritate animae suae placuit”. As suas palavras e os seus atos serão repassados de bondade, dessa bondade desinteressada, que não se assemelha àquela que é inspirada pelo desejo de popularidade ou pelo egoísmo sutil...”
Tal é a bondade de quem se assemelha a Nosso Senhor que as pessoas vêem Deus e Sua bondade manifestada naqueles religiosos que a praticam: “Deus está ali, exclama o ímpio ou o pecador perante essas dedicações”. Mais adiante Dom Chautard define o que seja esta bondade: “Esses anjos terrestres realizam a seguinte definição do Pe. Faber: “a Bondade é a efusão de si nos outros. Ser bom é pôr os outros em lugar de si próprio”. A bondade tem convertido mais pecadores do que o zelo, a eloqüência ou a instrução, e estas três coisas jamais converteram pessoa alguma sem que a bondade nisso influísse de qualquer modo”. (op. cit. pág. 121).
O homem tem de buscar um equilíbrio entre extremos opostos na prática do Bem, de forma a não cair em exageros ou falta de cumprimento do dever. Como diz a sentença de ascética “In medio stat virtus” isto é, a virtude está no meio, está no equilíbrio. Assim, poderemos imaginar algumas situações em que o homem não pode ficar num extremo nem no outro:
- Amor e ódio - Nunca o amor deve ser lânguido, romântico e imbecil; nunca o ódio deve ser rancoroso, invejoso, vingativo e intempestivo;
- Paciência e irritação – Ser paciente sem indolência e sem preguiça, nunca a paciência deve ser fruto da acomodação, estagnação, ociosidade, como os estóicos. Nunca se irritar seria o ideal, mas se tal for necessário, fazê-lo com suma caridade, calma, embora com toda a veemência possível;
- Falar e ouvir – Ouvir sempre mais do que falar deve ser a regra geral, mas falar sempre quando necessário. Saber falar, modular o tom de voz de acordo com a situação e caso. Saber ouvir, ficar atento ao que se diz. Esmerar-se nisto como numa arte;
- Ser cortês e agressivo - A cortesia manda ser sempre cavalheiro e a necessidade da luta manda sempre ir ao ataque. Se for necessário atacar, procurar fazê-lo com cortesia e cavalheirismo, sem se esquecer de dar toda força de ímpeto ao ataque; quando for cortês nunca se esquecer da luta;
- Trabalho e repouso – Trabalhar como se nunca tivesse de repousar, e repousar pensando que o trabalho em breve o está chamando;
- Sofrer e gozar – Aceitar com calma, paciência e resignação todos os sofrimentos que ocorram naturalmente e permitidos por Deus, em especial aqueles decorrentes do cumprimento do dever e do amor a Deus; gozar dos benefícios, prazeres lícitos e riquezas com duplo sentido: glorificando e dando graças a Deus por tudo e intensamente desapegado aos gozos para não pecar por fruição;
- Espírito de vingança e do perdão – O espírito de vingança é fruto da inveja; em geral o possuem as pessoas que não suportam ter seu orgulho ferido – e aí são implacáveis para com os outros. Devemos combatê-lo com o espírito do perdão, fruto da humildade e do amor. Quem ama, perdoa. Mesmo que não se perdoe aquela pessoa, naquele momento, porque ela não pediu ou não aceita o perdão por orgulho – mas é bom ter no íntimo a vontade de perdoar se as condições mudarem;
- Justiça e benevolência – Ser justo é dar a cada um o que lhe é devido: a Deus o que é de Deus, a César o que é de César; mas também consiste em reparar ou restituir o que for tirado de seu legítimo dono: tanto os bens materiais quanto os espirituais ou imateriais, como fama, idoneidade, etc. Às vezes exageramos sendo benevolentes com quem não merece. Para combater tal tendência, ter presente que a benevolência deve ser exercida a quem reparou ou restituiu o mal que haja feito. Não se deve ter benevolência para quem não pretende reparar o mal que tenha praticado contra os outros;
- Corrigir castigando ou doutrinando – Neste sentido o método mais perfeito é o de São João Bosco. Doutrinar deve ser o cotidiano, para formar o caráter da pessoa; ao procurar o erro devemos sempre seguir esta regra: primeiro, ensinar; segundo, admoestar; terceiro, admoestar com rigor ameaçando o castigo; e, por fim, quarto, castigar branda ou rigorosamente conforme a gravidade do erro e as atenuantes de quem errou.
Seria falsa, pois, uma Bondade que visasse somente o amor, a paciência, ouvir sempre, cortesia, repouso, gozo, perdão, benevolência para com todos, brandura em tudo. É preciso ver o outro lado da vida.
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
A bondade sertaneja (VI)
Por: Juraci Josino Cavalcante
“Ao que tem fome dá teu pão, mas ao que sofre dá-lhe o coração” (provérbio chinês).
Seriam as boas obras o principal requisito de salvação? Parece que sim, pois Nosso Senhor no Juízo Final apenas indagará sobre elas: tive fome e me destes de comer, sede e me destes de beber, nu e vestiste-me, etc. Isto quereria dizer que as pessoas incapazes de praticar os mais elementares atos de bondade, como os acima citados, não se salvariam.
Na Igreja estas obras são denominadas “Obras corporais de misericórdia”: dar esmolas aos pobres, visitar os enfermos e encarcerados, dar pousada aos peregrinos, enterrar os mortos, dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede e remir os cativos. Quem passar toda a sua vida nesta terra e nada praticar disto poderá se perder, e quem o fizer se salvaria.
Outros entendem que ao afirmar “tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber”, etc, Nosso Senhor está se referindo também ao alimento espiritual e à sede da alma. Se ambas as assertivas são verdadeiras, a pessoa teria que praticar também as “Obras espirituais de misericórdia”: dar bons conselhos, ensinar os ignorantes, castigar os que erram, consolar os tristes, perdoar as injúrias, sofrer com paciência as fraquezas do próximo e rogar a Deus por vivos e defuntos. Então, quem pratica os mais elementares deveres para com o próximo deve crescer em perfeição e cuidar também de praticar as obras espirituais de misericórdia sob pena de estagnar na prática da bondade.
Os exemplos que Nosso Senhor conta em suas parábolas no Evangelho são, em geral, de atos de misericórdia corporais, como a do bom samaritano. Ele mostra, também, um exemplo vivo, o da viúva pobre, que excede os corporais. O gazofilácio era a sala onde se guardava o tesouro do templo, mantido por diversas taxas prescritas por Moisés e doações voluntárias. Nosso Senhor pôs-se a observar, sentado em frente ao gazofilácio, as pessoas colocarem o dinheiro lá dentro. Chamou-lhe a atenção uma viúva que lá depositou uma pequena moeda e disse: “Na verdade vos digo que esta pobre viúva deu mais que todos os outros que lançaram no gazofilácio, porque todos os outros deitaram do que lhe sobraram, ela porém deitou do seu necessário tudo o que tinha, todo o seu sustento” (Marcos 12, 42-44).
Quer dizer, a pobre viúva praticou um ato de bondade de natureza superior, espiritual e não corporal, pois fez um ato de renúncia de si mesma e de confiança na Providência divina ao depositar tudo o que tinha no gazofilácio. Maior ato foi praticado pelos Apóstolos e discípulos de Jesus que deixaram tudo para segui-Lo e cuja recompensa é grande: “Então disse Pedro: Eis que deixamos tudo e te seguimos. Ele disse-lhes: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha abandonado a casa, a mulher, os irmãos, os pais ou os filhos por causa do reino de Deus, que não receba muito mais já neste mundo, e no século futuro a vida eterna” (Lc 18, 28-30)
domingo, 19 de outubro de 2008
A Bondade sertaneja (V)
“Omni custodia serva cor tuum, quia ex ipso vita procedit” - Cuidai com toda a vigilância do teu coração, pois dele vem a vida. (Prov 4, 23)
Que significa “coração” ? O sentido que na Igreja os místicos e teólogos dão para a palavra coração, evidentemente não é o que diz respeito ao órgão carnal. Para eles o coração é o centro das atenções de uma pessoa, é o foco de seus desejos, de sua vontade, de seu querer. Assim, quando nos referimos ao Sagrado Coração de Jesus, ou ao Imaculado Coração de Maria, queremos nos reportar ao centro das atenções e dos desejos de Nossa Senhor e de Nossa Senhora. Pois não há nenhum outro órgão humano que mais se aproxime dos desejos do que o coração Muito mais do que sensações ocorrem com uma pessoa humana. Por exemplo, o querer, o desejo não provém do cérebro, mas da alma e a fonte do desejo, no homem, está muito bem representado pelo coração, que no caso é como se fizesse representar a alma humana. Existem algumas expressões que definem muito bem o coração humano: de “coração partido”, quer dizer quando a pessoa sofre contrariedades, quando tem sua vontade contrariada, isto “parte” o seu coração, isto é, seus desejos; de “coração ardente”: trata-se de uma pessoa que ama apaixonadamente, ardorosamente; “de coração”, é quando alguém faz algo de inteira vontade e desejo: fulano fez tal coisa, ou ama a outra, “de coração”, quer dizer, com toda a sua vontade: “coração solitário” é quando alguém vive isolado sem ter com quem compartilhe suas aspirações, seus desejos, etc.
Este conceito de que o coração é o centro da vontade, do querer, é confirmado por Nosso Senhor no Evangelho, quando diz: “Porque o coração deste povo se tornou insensível, os seus ouvidos tornaram-se duros e fecharam os olhos, para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e eu os sare” (Mt 13, 15), e “...as coisas que saem da boca, vêm do coração, e estas mancham o homem; porque do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos, as palavras injuriosas. Estas são as palavras que mancham o homem”. (Mt 15, 18-20). Da mesma forma os bons pensamentos, contrários aos que acima foram expostos, provêm de um bom coração, e produzem por sua vez boas palavras e virtudes nos homens.
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
A Bondade sertaneja (IV)
“Eu dormia quando sonhava que a vida feliz consiste em gozar; acordei quando verifiquei que o gozo da verdadeira felicidade consiste em servir”. (anônimo).
Um dos princípios primordiais da perfeição cristã, que é a prática da Bondade, encontra-se nesta frase do Evangelho:
“Vós sabeis que os príncipes das nações as subjugam e que os grandes as governam com autoridade. Não será assim entre vós, mas todo o que quiser ser entre vós o maior, seja vosso servo; e o que quiser ser entre vós o primeiro, seja vosso escravo; assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para redenção de muitos” (Mt 20, 25-28).
Nisto consiste a felicidade aqui na terra: servir ao próximo. Servir, dedicar-se, imolar-se, e renunciar a tudo em benefício dos outros, eis a verdadeira felicidade. Muitos pensam que a felicidade consiste em ter tudo. Pelo contrário, ela consiste em que se dê tudo e por inteiro.
Vejamos um exemplo, também tirado do Evangelho. Um jovem rico, que praticava uma certa bondade, sentiu em seu coração desejos de atingir graus maiores de perfeição e foi ter com Nosso Senhor para que Ele lhe instruísse. Note-se que o jovem se dirige a Jesus Cristo O chamando de Mestre: “Eis que, aproximando-se dele um (jovem), disse-lhe: Mestre, que hei de eu fazer de bom para alcançar a vida eterna? Jesus respondeu-lhe: Por que me interrogas acerca do que é bom? Um só é o bom”. Sim, por que perguntar que se deve fazer de bom? Porque havia em seu coração desejos de bondade, postos pela graça de Deus.
Quer dizer, Bom só Deus, a Perfeição última da Bondade. Mas havia uma maneira humanamente possível de ser bom como Ele: a prática de seus Mandamentos: “Porém, se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. Quais? perguntou ele. E Jesus disse: “Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não dirás falso testemunho. Honra teu pai e tua mãe, e ama o teu próximo como a ti mesmo”. Este é o princípio elementar de qualquer bondade, o primeiro e básico, ou os dois primeiros graus referidos acima.
Mas isso aquele jovem já julgava que praticava a contento e por isto foi adiante, pois tinha desejos de maiores perfeições: “Disse-lhe o jovem: Tenho observado tudo isso desde a minha mocidade. Que me falta ainda?” Sim, o que é necessário para ser mais perfeito? O que resta para atingir um grau de bondade maior? Ao fazer a pergunta aquele jovem dá a entender que recebeu uma graça interior de desejar maior perfeição. “Jesus disse-lhe: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; e (depois) vem e segue-me. O jovem, porém, tendo ouvido esta palavra, retirou-se triste, porque tinha muitos bens.” (Mt 19, 16-22).
Por esta ele não esperava. Seus sonhos de perfeição esbarravam num enorme obstáculo, seus bens, e ele nunca imaginava que a renúncia deles era um passo maior para ser mais perfeito, atingir uma bondade mais alta. Vejam que no conselho de Nosso Senhor a bondade deverá ir sempre aumentando, a fim de atingir o último grau:
- Primeiro passo: vender tudo o que possui. Isto requer uma total renúncia aos bens terrenos, um total desapego ao gozo deles e uma grande confiança na Providência divina. Uma pergunta deve ter lhe assaltado: de que viverei eu, então? Nem se fala por enquanto na boa ação que ele faria aos pobres, isto vem depois. O primeiro passo dado é em benefício da própria alma ao praticar as virtudes heróicas acima: desapego aos bens, combate ao vício da avareza e confiança em Deus;
- Segundo passo: entregar aos pobres o produto da venda de seus bens. Pois só vender não seria suficiente para atingir um grau maior de bondade. Se ele vendesse e ficasse com os frutos da venda de nada adiantaria, pois com aquele dinheiro ele tornaria a adquirir tantos bens desejasse;
- Terceiro passo: vem (toma a tua cruz) e segue-me. Depois de vender tudo e dar o dinheiro (ou o fruto da venda) aos pobres, ainda assim não estaria completa a senda em busca da perfeição. Mais difícil do que isto seria ainda tomar a própria cruz, as incertezas do futuro, o sofrimento, o desamparo, a possível falta de socorro material. Mais difícil ainda seria seguir a Nosso Senhor, porque teria que enfrentar a opinião dos dominantes, teria que vencer o respeito humano, tornar-se amigo e seguidor daquele Homem tão odiado dos fariseus e quejandos para sofrer junto com Ele as perseguições que viessem. E estar preparado para morrer crucificado: aí estaria o máximo da perfeição, o último grau da bondade, que seria o martírio. O martírio como ponto alto de se ter doado e servido.
O jovem rico, ao ouvir tal conselho, saiu triste dali porque não era este o seu ideal de perfeição, não era assim que ele entendia a Bondade. Pensava talvez ele que havia um meio de acomodar sua vida apequenada e mesquinha com os mais altos desígnios de Deus e assim pudesse se salvar. E por causa disto, Nosso Senhor completou em seguida: “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. Digo-vos mais: É mais fácil passar um camelo pelo orifício de uma agulha, que entrar um rico no reino dos céus” . Para não deixar os bons ricos desesperados, Nosso Senhor deu-lhes este consolo: “Aos homens isto é impossível, mas a Deus tudo é possível”.