quinta-feira, 3 de abril de 2008

Homenagem póstuma de um filho (III)

III – Em casa

Por: Jurandir Josino Cavalcante
Papai toda vida teve inclinação para a arte do comércio (como disse acima), e mais ainda quando se tornou citadino. Era fácil: um pequeno balcão, uma balança, dois ou três sacos de cereais, alguns outros produtos de primeira necessidade, estava constituída a bodega, para a garantia do próprio sustento, sem se afastar de casa. Assim viveu, nesse mundo pequeno, do jeito que gostava. Passou por aperturas, sim, mas a confiança que depositava em Deus permitiu-lhe sair-se com galhardia de todas, nunca perdendo o ânimo, a intrepidez. Nesse mister (no de bodegueiro, evidente) não tinha quem o superasse; era gentil, alegre, sabia conquistar os clientes, desinteressadamente. Sua fama estava em todo o bairro. Os filhos sentiam o quanto o pai era querido. Diziam: “Ah, é filho do Batista? Pode levar”. Ou quando dizíamos um gracejo, vinha a observação: “É filho do Batista!...”
Vendeu gado, porco, carneiro, fez lingüiça, fez zinebra (genebra), fez cadeira de vime, vendeu doce, quadros... nunca deixou de alimentar sua numerosa prole por falta de ofício.
Era incansável, não havia desânimo, não havia o “eu não sei”. Visto de longe – se isto é possível – parecia um exímio nadador: usou de todas as modalidades para atingir a outra margem do rio, enfrentando com coragem todos os obstáculos, às vezes aparentemente insuperáveis.
No fim da vida, aposentado, lia, escrevia, cuidava de seu pomar, administrava a casa.
O aposentado era um homem pensativo, maduro, esperto, diligente, comedido. Gostava de contar as histórias que vivera, que vinha a si mesmo contando, num brincar constante com o pensamento. Os lances difíceis, as caminhadas em demanda de vencer as etapas mais penosas, as mudanças de rumo, as perdas irrecuperáveis, os sonhos realizados, os obstáculos transpostos, os dias felizes que vivera na serra, com sua amada esposa. O leitor era apegado ao Humberto de Campos, que lia e que relia. O escritor era todo recordação... O pomareiro era quase ele mesmo um vegetal, tal era a “interação” que havia entre ele e as suas amigas árvores. O administrador da casa era o tudo, pois exercia o múnus de esposo, de pai, de amigo, de companheiro, e de tudo o mais que pode conter num “etcétera”.


Acima, o "poetinha" com a escritora Raquel de Queirós

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