sábado, 10 de maio de 2008

Homenagem póstuma de um filho (VI)

VI – Benquerença dos filhos

Por: Jurandir Josino Cavalcnate

Entrando na minha antiga morada,
Cujo encontro com o pai era evidente,
Senti um quê que me faltava à entrada:
Era a ausência do meu velho ao batente.

Ali ficava a espera do ausente
E, despreocupado e de madrugada,
Se apresentava sempre mui contente
Com uma paterna recepção montada.

Eis o dom de ser pai e ser amigo,
De ser mais um na vida do que é seu
Por zelo de afastá-lo do perigo.

Assim, hoje, esta casa está vazia...
Mas com um velho som que inda não perdeu
Parece guardar a mesma alegria!


Para um escritor francês do século XVII nomear um rei de Pai do Povo é menos elogio que chamá-lo por seu nome, ou defini-lo. Sem querer fazer trocadilhos, que não é o meu forte, meditando no que significou e significa o meu pai para mim e para o restante de seus filhos, meus irmãos, diria eu: nomear um pai Rei de seu povo é menos elogio que chamá-lo por seu nome, lembrá-lo ou defini-lo, exaltando as suas qualidades de pai.
Do que está dito acima, o que pode ser observado de mágico quando o nome de meu pai é pronunciado, quando ele próprio é lembrado, ou quando é definido através de uma de suas facetas? Para chegarmos à resposta adequada, temos duas situações: entre vivos e entre mortos.
Antes de continuar é preciso explicar o que aqui pretendo desenvolver. Falo em nome de seu povo, seus filhos, em número de oito, por conseguinte não digo exatamente o que pensou ou pensa cada um dos oito. Mas, tratando-se de meu pai, diminui a margem de erro. Por isto, sinto-me à vontade para continuar e dizer o que me vem à mente, de usar com liberalidade dos adjetivos que o meu limitado vocabulário permitir. Claro que vai a opinião de sete que procurarei dosar com a minha, na busca, evidentemente, de ser o mais fiel possível à realidade.
Entre vivos. Uma afirmação: os filhos o amavam muito. Proferir esta sentença é o mesmo que dizer: Os astros prestam reverência ao Sol pela luz que dele recebem. É malhar o óbvio. Não há definição para o amor filial, tampouco para o Amor, sob pena de despencar no vazio da incompletude. Ora, mas podemos pintá-lo (o amor filial) com os adjetivos industriados pelos sentimentos e formalizados pelas alterações ou pulsações do coração. No nosso particular, “papai” era respeito, era carinho, era admiração, era intimidade de colóquios, era calor e segurança na troca de olhares, era enlevo que unia pai e filhos em mútua confiança, era transformação de simples homem, ou simples pai, em super-homem, em ídolo, em afeição. Em volta da mesa, era o que distribuía o pão, e folgadas vezes o que o fazia. A natureza mandava pedir comida à mamãe, mas incontáveis ocasiões era dele que ela chegava às nossas mãos. E se dessa mesma árvore é que vinha o cipó correcional, moralizante, eficaz, terapêutico, era porque o homem católico tinha a retidão por princípio, e cria no valor da expressão bíblica: “Não poupes a correção ao menino, porque, se lhe bateres com a vara, não morrerá”[1]. Para alguns, “instrumentos de tortura”, contudo, para outros, recurso paterno para frear as danações de seus infantes. Tão eficaz que, ao final, enxugadas as lágrimas, sentia-se diante do mesmo papai adorável, com ressalva, agora mais amado.
Entre mortos. Seu corpo tantas vezes venerado em vida, repousa dos trabalhos e lutas... E na sede dos sentimentos e da emoção de cada um dos seus órfãos, já maduros e batidos pelas intempéries da vida, opondo-se àquela urna triste e fria onde foi depositada a esquálida face paterna, perdura, com toda a energia, a imagem sorridente do velho que nunca economizou humor diante das mais difíceis situações. Os meninos do Batista – partes integrantes dele, sabem-no afastado física mas espiritualmente vivendo em nosso meio, dando o tom e a cadência para nossos corações, nossas emoções, nossas recordações.
De que vale, aqui volto à frase inicial, o ser rei e não ser amado de seu povo. Um Luís XVI abandonado por todos numa prisão abjeta a espera de que lhe cortem a cabeça. O que significava o nome desse rei para aquele povo, e mesmo para o Delfim, herdeiro de um dos tronos mais cobiçados do planeta? Melhor ser pobre, humilde, vida simples, mas estar cercado dos seus pelos laços do amor! Esperar o último alento sorrindo e confortando os filhos que, em volta de seu leito, pranteiam o pai que parte. Quem assim termina os dias, de si pode dizer: Vivi, cumpri o meu dever, agora espero o prêmio da vida eterna. Adormece com o semblante tranqüilo, e conclui por deixar nos seus impressos os códigos do cidadão, do bom pai, do filho exemplar, do amante da paz e da concórdia, do amante de Deus. Emoldura-se, pois, dentro deste segundo exemplo o meu querido e inesquecível pai, que teve a ventura de legar-nos um dos mais ricos e mais cobiçados tesouros, o da bondade, que nos leva sempre à inclinação para a prática do bem, e que se resume num amor absoluto ao Deus verdadeiro, fonte de toda sabedoria e de todo bem.

[1] Provérbios, 23,13.

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