Por: Jurandir Josino Cavalcante
VIII – Exames médicos
Fácil para os filhos acreditarem na imortalidade... do pai. Não para o médico. Enquanto os filhos dão anos de sobrevida ao pai doente, o médico o tem como terminal, à primeira vista. Em que se baseia o discípulo de Hipócrates? Na idade, na aparência, no modo de andar, nos sofrimentos estampados na face. Trata-o com desinteresse, com desdém, quase a dizer: “Velho, você não tem mais jeito, a medicina não tem tempo a perder com você”. E os filhos, olhando para aquele sangue do seu sangue, impotentes, engolem seco, mas não se conformam com tão dura sentença, pensando: Vamos começar a “via-sacra”, mas ele se cura.
Bocage, que fez ao médico vários epigramas irônicos, deixou-nos um retrato desse profissional, de quem se exige um sacerdócio, em nome da bondade, do amor, da fraternidade, em benefício do homem:
“A morte um dia enjoou-se
Dum nome, que se abomina;
Quis o azedume adoçar-lhe,
E crismou-se em Medicina.
Um médico, antiga peste
Do triste gênero humano,
De costumado a enganar-se
Pôde acertar por engano.
Lê-se numa sepultura
De antiguidade Afonsina:
“Aqui jaz quem não jazera
Se jazesse a Medicina”.[1]
Não vou afirmar que o nosso bardo português prescindiu desse profissional que, tanto quanto os outros, carrega os defeitos do Homem. Mas, insisto, não é na Medicina e sim no médico que se faz necessária uma reforma profunda, que o faça chegar mais próximo do paciente, sem receios, sem preconceitos, sem mais interesses que o de servir ao próximo.
Papai doente teve de ir ao médico, via preferencial para quem perdeu a saúde. Iniciou com um geriatra, que é o clínico geral do ancião.
Os três filhos que o acompanhavam olhavam para o homem como a exigir um milagre, queriam o velho pai curado. Mandou deitá-lo na maca, fez-lhe algumas perguntas bestas, prescreveu um tratamento. Havia uma distância abissal entre os dois. Um que gritava por socorro do fundo do abismo, o outro que estendia displicentemente a mão. Este dizia: “Fica aí, velho, este é o lugar que lhe está reservado”. Enquanto o padecente apenas falava com os olhos e com os gemidos que saíam do pulmão. Para a assistência ansiosa, angustiada, eram as primeiras cenas do “longa-metragem” que deveria ter a duração de quatro tristes meses.
Frustrados, saímos para a segunda estação: Urologia, pois parecia que o problema se circunscrevia à cavidade pélvica. O tratamento não foi diverso, e igualmente não foi diverso o crédito à tão buscada cura. Ortopedia, terceira estação. A base da coluna, que conduzira esse corpito magro, ágil, andejo, perdia agora a sua firmeza, fraquejava. Mas os raios X só aumentaram a incógnita. A partir daqui, multiplicaram-se as estações, com idas e vindas sofridas, pesadas, sem resultados satisfatórios. Papai diria, como um cordeirito que segue, cabisbaixo, para o abatedouro, e com seu costumado bom humor: “Quem porfia sempre alcança”. A dizer, em resposta à incompetência da medicina, que, unânime, bradava: “Quando o mal é de morte, o remédio é morrer”.
Para o bem da verdade, o mal será sempre de morte, será sempre incurável, enquanto não houver homens de espírito fraterno, almas verdadeiramente franciscanas ou camilianas, taumaturgos mesmo manipulando essa arte de fazer o bem, de curar, às cegas, sem ver a quem.
[1] Obras, Lello.
Fácil para os filhos acreditarem na imortalidade... do pai. Não para o médico. Enquanto os filhos dão anos de sobrevida ao pai doente, o médico o tem como terminal, à primeira vista. Em que se baseia o discípulo de Hipócrates? Na idade, na aparência, no modo de andar, nos sofrimentos estampados na face. Trata-o com desinteresse, com desdém, quase a dizer: “Velho, você não tem mais jeito, a medicina não tem tempo a perder com você”. E os filhos, olhando para aquele sangue do seu sangue, impotentes, engolem seco, mas não se conformam com tão dura sentença, pensando: Vamos começar a “via-sacra”, mas ele se cura.
Bocage, que fez ao médico vários epigramas irônicos, deixou-nos um retrato desse profissional, de quem se exige um sacerdócio, em nome da bondade, do amor, da fraternidade, em benefício do homem:
“A morte um dia enjoou-se
Dum nome, que se abomina;
Quis o azedume adoçar-lhe,
E crismou-se em Medicina.
Um médico, antiga peste
Do triste gênero humano,
De costumado a enganar-se
Pôde acertar por engano.
Lê-se numa sepultura
De antiguidade Afonsina:
“Aqui jaz quem não jazera
Se jazesse a Medicina”.[1]
Não vou afirmar que o nosso bardo português prescindiu desse profissional que, tanto quanto os outros, carrega os defeitos do Homem. Mas, insisto, não é na Medicina e sim no médico que se faz necessária uma reforma profunda, que o faça chegar mais próximo do paciente, sem receios, sem preconceitos, sem mais interesses que o de servir ao próximo.
Papai doente teve de ir ao médico, via preferencial para quem perdeu a saúde. Iniciou com um geriatra, que é o clínico geral do ancião.
Os três filhos que o acompanhavam olhavam para o homem como a exigir um milagre, queriam o velho pai curado. Mandou deitá-lo na maca, fez-lhe algumas perguntas bestas, prescreveu um tratamento. Havia uma distância abissal entre os dois. Um que gritava por socorro do fundo do abismo, o outro que estendia displicentemente a mão. Este dizia: “Fica aí, velho, este é o lugar que lhe está reservado”. Enquanto o padecente apenas falava com os olhos e com os gemidos que saíam do pulmão. Para a assistência ansiosa, angustiada, eram as primeiras cenas do “longa-metragem” que deveria ter a duração de quatro tristes meses.
Frustrados, saímos para a segunda estação: Urologia, pois parecia que o problema se circunscrevia à cavidade pélvica. O tratamento não foi diverso, e igualmente não foi diverso o crédito à tão buscada cura. Ortopedia, terceira estação. A base da coluna, que conduzira esse corpito magro, ágil, andejo, perdia agora a sua firmeza, fraquejava. Mas os raios X só aumentaram a incógnita. A partir daqui, multiplicaram-se as estações, com idas e vindas sofridas, pesadas, sem resultados satisfatórios. Papai diria, como um cordeirito que segue, cabisbaixo, para o abatedouro, e com seu costumado bom humor: “Quem porfia sempre alcança”. A dizer, em resposta à incompetência da medicina, que, unânime, bradava: “Quando o mal é de morte, o remédio é morrer”.
Para o bem da verdade, o mal será sempre de morte, será sempre incurável, enquanto não houver homens de espírito fraterno, almas verdadeiramente franciscanas ou camilianas, taumaturgos mesmo manipulando essa arte de fazer o bem, de curar, às cegas, sem ver a quem.
[1] Obras, Lello.
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