Com o título de "Cavalcanti: a saga da maior família do Brasil", o site "Guia do Estudante" publicou o texto que reproduzimos abaixo:
Como
o casamento entre um nobre florentino e uma mameluca pernambucana deu origem ao
poderoso clã dos Cavalcantis, a maior família do país
Rodrigo Cavalcante | 16/04/2012 16h50
Milhares de turistas brasileiros que
visitam Florença para conhecer sua famosa catedral ou admirar as obras da
Renascença na Galeria Uffizi não costumam prestar atenção na placa de rua da
Via Porta Rossa, uma pequena travessa da Via dei Calzaiuoli – essa, sim,
conhecida, por causa de suas lojas, como a mais animada da cidade. Logo abaixo
da placa de mármore da Via Porta Rossa, há outra menor, indicando que a rua já
foi chamada de Via Cavalcanti, nome de uma tradicional família florentina cujos
antepassados enriqueceram com o comércio e, entre os séculos 11 e 16, ocuparam
postos importantes na cidade. Dentre os Cavalcantis de Florença, o que ficou
mais conhecido foi o poeta Guido Cavalcanti, amigo de Dante Alighieri, que não
apenas lhe dedicou um soneto como também citou a família na Divina Comédia
(ainda que tenha colocado os Cavalcantis no inferno, assim como a maioria das
famílias ricas de Florença). Após o século 16, contudo, o sobrenome Cavalcanti
entrou em declínio na Europa e hoje é difícil encontrá-lo na cidade italiana.
Em compensação, quando o jovem florentino Filippo Cavalcanti decidiu atravessar
o Atlântico em algum momento da década de 1560 para operar engenhos de açúcar
em Pernambuco, ele fundou, sem saber, aquela que hoje é considerada a maior
família brasileira.
Maior
família brasileira? Mas esse posto não deveria pertencer aos brasileiríssimos
“Silva”? “Na verdade, o sobrenome Silva é mais numeroso, mas os Silvas são
oriundos de famílias diferentes, enquanto os Cavalcantis descendem todos do
mesmo ancestral”, afirma Carlos Barata, autor do Dicionário das Famílias
Brasileiras e presidente do Colégio Brasileiro de Genealogia.
Ele
concluiu que a família Cavalcanti (ou Cavalcante, a variante aportuguesada) é a
maior do país após pesquisar por mais de dez anos os descendentes das primeiras
famílias a chegar ao Brasil. “Tomei como ponto de partida as famílias
brasileiras no início da colonização e identifiquei o número de descendentes
por volta do século 17”, diz o genealogista. “Nesse período, os descendentes de
Filippo Cavalcanti já apareciam às centenas, numa expansão impressionante.”
Mas, afinal, qual a origem de Filippo Cavalcanti e o que o teria feito trocar
Florença, uma das cidades mais ricas do mundo, pela distante Pernambuco?
Se
hoje os consumidores aguardam com ansiedade por um novo lançamento da Apple, no
século 16 boa parte do mundo desejava os produtos importados por Florença.
Centro artístico e financeiro do planeta, as casas de comércio da cidade tinham
sucursais espalhadas pelas principais capitais europeias, de onde negociavam
artigos de luxo, como tecidos caros, obras de arte de grandes artistas da
Renascença.
E, especialmente, faziam empréstimos e outras transações financeiras que deram origem aos bancos modernos. Uma dessas casas florentinas que operam em Londres, a Bardi e Cavalcanti, era comandada pelo pai de Filippo, Giovanni Cavalcanti, e tinha como principal cliente o próprio rei da Inglaterra. Além de famoso pelos 6 casamentos, Henrique 8º era músico e poeta. Enfim, um monarca de gosto refinado e ávido por trazer à sua corte um pouco do esplendor artístico das cidades italianas. Para isso, contava com Giovanni, que mantinha correspondência com gente como Michelângelo e é citado pelo primeiro biógrafo dos artistas italianos, Giorgio Vasari, no livro As Vidas dos Artistas, pela encomenda de uma obra do pintor Rosso Fiorentino. Recentemente, o pesquisador Marcelo Bezerra Cavalcanti, coautor do livro Os Cavalcantis: na Itália, no Brasil, encontrou num arquivo de Florença uma carta de Henrique 8º endereçada a Giovanni em solidariedade a um confisco de bens de que sua casa comercial fora alvo em Florença.
E, especialmente, faziam empréstimos e outras transações financeiras que deram origem aos bancos modernos. Uma dessas casas florentinas que operam em Londres, a Bardi e Cavalcanti, era comandada pelo pai de Filippo, Giovanni Cavalcanti, e tinha como principal cliente o próprio rei da Inglaterra. Além de famoso pelos 6 casamentos, Henrique 8º era músico e poeta. Enfim, um monarca de gosto refinado e ávido por trazer à sua corte um pouco do esplendor artístico das cidades italianas. Para isso, contava com Giovanni, que mantinha correspondência com gente como Michelângelo e é citado pelo primeiro biógrafo dos artistas italianos, Giorgio Vasari, no livro As Vidas dos Artistas, pela encomenda de uma obra do pintor Rosso Fiorentino. Recentemente, o pesquisador Marcelo Bezerra Cavalcanti, coautor do livro Os Cavalcantis: na Itália, no Brasil, encontrou num arquivo de Florença uma carta de Henrique 8º endereçada a Giovanni em solidariedade a um confisco de bens de que sua casa comercial fora alvo em Florença.
Mas,
se a vida de Giovanni Cavalcanti é relativamente bem conhecida, as razões que
trouxeram seu filho Filippo ao Brasil permanecem vagas. Sabe-se que em 1558 ele
se encontrava em Lisboa quando pediu uma Certidão de Nobreza ao duque Cosimo de
Medici, que respondeu atestando que os Cavalcantis em Florença “resplandecem
com singular nobreza e luzimento”. Enfim, uma carta de recomendação importante
em um tempo em que a linhagem familiar valia bem mais para o mundo dos negócios
do que hoje vale um MBA de Harvard. Até agora, há duas hipóteses sobre a viagem
do jovem Filippo ao Brasil – e não necessariamente excludentes. A primeira,
clara, era o interesse no comércio de açúcar, que apesar da recente expansão de
produção ainda era considerado um artigo de luxo na Europa. O historiador
Sérgio Buarque de Holanda, após viver dois anos na Itália na década de 1950,
ensinando na Universidade de Roma, escreveu um artigo sobre os projetos de
colonização e comércio toscanos no Brasil durante o tempo do grão-duque
Fernando I (1587-1609), mostrando como a costa brasileira já estava na mira dos
italianos há tempos. Antes mesmo de o Nordeste se tornar uma potência mundial
na produção do açúcar, o interesse comercial dos italianos nas técnicas de
plantio, produção e refino fez com que muitos viajassem para as ilhas
portuguesas no Atlântico, que serviram de modelo para a futura colonização do
Nordeste. Assim como fariam mais tarde os holandeses, comerciantes de Gênova,
Florença e Veneza eram especialistas na importação desses artigos do Novo Mundo
para reexportá-los com boa margem de lucro para o resto da Europa.
Além
do interesse no açúcar, outro motivo que pode ter trazido Filippo ao Brasil foi
buscar refúgio das sanguinolentas disputas de poder em Florença, descritas pela
primeira vez com realismo anos antes por Nicolau Maquiavel. No lugar de um
poder central forte nas mãos de um monarca, a exemplo de outros nascentes
Estados europeus, como Portugal, França e Espanha, o poder na instável
República Florentina só era alcançado por meio de conchavos e arranjos
políticos bancados pelas famílias mais ricas da cidade. Em meio a esse sistema
de rodízio de mando, nem mesmo a toda-poderosa família Medici estava livre de
golpes, conspirações e tentativas de assassinato, que ocorriam em qualquer
lugar. Em 1478, por exemplo, o jovem Juliano de Medici foi assassinado em plena
catedral de Florença, alvo de um atentado planejado pela família Pazzi – que
também pretendia matar o irmão de Juliano, Lorenzo de Medici, que se salvou ao
conseguiu se esconder na sacristia. Em 1559, ano em que Filippo Cavalcanti já
estava em Lisboa, outra conspiração contra os Medicis, desta vez para
assassinar o grão-duque Cosimo 1º, foi descoberta a tempo.
Conhecida
como conspiração Pandolfo Pucci (pelo membro da família Pucci que tomou parte e
foi condenado à morte), o planejamento teria contado com participantes de
outras famílias, incluindo Bartolomeu Cavalcanti, parente de Filippo. “Ainda
que Filippo Cavalcanti não tenha tido nenhuma ligação com o atentado, era
prudente que permanecesse longe de Florença”, diz a historiadora Rosa Sampaio
Torres, que estuda as ligações dos clã com os movimentos políticos da época.
Segundo a historiadora, a trajetória republicana dos Cavalcantis em Florença
teria influenciado os movimentos de inconformismo político que marcariam
Pernambuco nos séculos seguintes, por exemplo.
Motivações
políticas à parte, o fato é que, no Brasil, Filippo Cavalcanti tratou logo de
arranjar uma noiva para se associar às famílias importantes da região. E a
jovem Catarina de Albuquerque preenchia tais requisitos. Filha do português
Jerônimo de Albuquerque (cunhado de Duarte Coelho, donatário de Pernambuco) com
a índia Tabira, Catarina era uma legítima mameluca brasileira. Conta a história
que sua mãe salvou Jerônimo de ser morto pelos tabajaras após o capitão
português ser atingido em um dos olhos por uma flecha. Ao casar com a índia,
Jerônimo selou a paz com os índios e batizou a esposa com o nome cristão de
Maria do Espírito Santo Arcoverde. Com seu casamento, Filippo Cavalcanti não
apenas ingressou na família dos donatários portugueses, como também definiu um
dos padrões genéticos das famílias brasileiras, segundo pesquisas da
Universidade Federal de Minas Gerais, pelas quais 90% dos brasileiros tinham
genes europeus do lado paterno e 60%, genes ameríndios ou africanos por parte
de mãe.
No
total, Catarina e Filippo tiveram 11 filhos (foram 12, mas o primogênito morreu
na infância). Um bom número de descendentes, mas não anormal para a época. O
sogro de Filippo, Jerônimo de Albuquerque, teve 24 filhos, o que lhe valeu o
apelido de Adão Pernambucano. Apesar de a prole de Jerônimo de Albuquerque ser
maior do que a do genro, por algum motivo o sobrenome Cavalcanti aparece em
maior quantidade nas gerações seguintes”, diz o genealogista Fábio Arruda de
Lima, há mais de dez anos dedicado a pesquisar a origem dos sobrenomes de
famílias nordestinas por meio dos engenhos da região.
Para o genealogista Lima, o sobrenome pode ter se espalhado graças a um reforço feminino. “Muitas mulheres preservaram o sobrenome associado ao do marido, formando relações entre os Cavalcantis e outras famílias importantes, com ramos como Holanda Cavalcanti, Albuquerque Cavalcanti e Acioli Cavalcanti, por exemplo.”
Para o genealogista Lima, o sobrenome pode ter se espalhado graças a um reforço feminino. “Muitas mulheres preservaram o sobrenome associado ao do marido, formando relações entre os Cavalcantis e outras famílias importantes, com ramos como Holanda Cavalcanti, Albuquerque Cavalcanti e Acioli Cavalcanti, por exemplo.”
Desde
que Fillipo recebeu a doação em 1572 de uma sesmaria para montar o primeiro dos
3 engenhos que viria a ter em Pernambuco, os Cavalcantis se expandiram ligados
à açucarocracia local, tendo seus engenhos mais tarde descritos nos relatórios
da Companhia das Índias Ocidentais, durante o período da invasão holandesa no
Nordeste (1630-1654). A tradição perdurou até o século 19, quando um dos ramos
da família em Pernambuco passou a ocupar cargos no Império.
É
o caso, por exemplo, dos Cavalcanti de Albuquerque, que por mais de uma vez
foram presidentes de Pernambuco (o equivalente ao atual cargo de governador),
ocuparam cadeiras na Câmara, no Senado e em ministérios importantes de dom
Pedro 2º, como o da fazenda e da guerra, e receberam do imperador o título de
visconde. De tanto poder, surgiu nesse período uma estrofe que circulava na
região: “Quem nasceu em Pernambuco, há de estar desenganado: ou se é um
Cavalcanti ou se é um cavalgado”. Quando, na virada do século 19 para o 20, as
plantações de café no Sudeste sobrepujaram as de açúcar no Nordeste, os
Cavalcantis já haviam se espalhado por todo o país. No momento em que a
presença italiana atingiu o apogeu por aqui, quase mais ninguém associava os Cavalcantis
ao florentino que, no século 16, saiu da Toscana para fundar engenhos em
Pernambuco. Diferentemente dos recém-imigrados da Itália, os Cavalcantis já
tinham mais de três séculos de presença no Brasil. Não é à toa que, mesmo quem
não tem o sobrenome Cavalcanti pode ser descendente de Filippo. Alguns
exemplos: o compositor Chico Buarque de Holanda (descendente dos Holanda
Cavalcanti), o escritor Ariano Suassuna (Suassuna foi o nome de um engenho dos
Cavalcantis) e o jurista Evandro Lins e Silva. Todos, por sua vez, são primos
distantes de PC (Cavalcanti) Farias, do comediante Tom Cavalcante e de outros
milhões que tornaram os Cavalcantis uma família brasileiríssima, com ou sem
Silva.
O BRASÃO
O brasão original, florentino, era prateado com cruzetas vermelhas. No Brasil, o escudo foi incrementado com outros padrões, como o leão rampante, duas flores-de-lis (um símbolo da origem nobre da família), um elmo de prata com um hipogrifo – criatura lendária com corpo de égua e cabeça de águia.
O POETA
Guido (1255-1300), o mais famoso Cavalcanti florentino, foi amigo de Dante Alighieri, poeta e político célebre.
Saiba Mais
O BRASÃO
O brasão original, florentino, era prateado com cruzetas vermelhas. No Brasil, o escudo foi incrementado com outros padrões, como o leão rampante, duas flores-de-lis (um símbolo da origem nobre da família), um elmo de prata com um hipogrifo – criatura lendária com corpo de égua e cabeça de águia.
O POETA
Guido (1255-1300), o mais famoso Cavalcanti florentino, foi amigo de Dante Alighieri, poeta e político célebre.
Saiba Mais
LIVRO
Os
Cavalcantis, Cássia Albuquerque, Fábio Arruda de Lima, Marcelo Bezerra
Cavalcanti e Francisco Antonio Doria, Edições do Jardim da Casa, 2011
Este livro está esgotado? Eu gostaria de adquiri-lo, pois sou Cavalcanti e meu pai Cavalcanti de Albuquerque. No brasão está grafado com "e", mas o correto é com "i". Cavalcante com "e" surgiu em PE no século XIX.
ResponderExcluirNão se trata de um livro, mas apenas texto extraído de um site. Quanto ao "e" colocado no final do nome, trata-se de brasileirismo, isto é, muita gente ao ser registrado nos cartórios tem o nome inscrito conforme o entendimento popular. Giovani ou Giovane? Cavalcanti ou Cavalcante? A diferença não implica que seja uma outra família.
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