segunda-feira, 30 de novembro de 2020

domingo, 22 de novembro de 2020

O QUADRO DE SÃO METÓDIO E O JUÍZO FINAL

 


“Um peregrino e o dia do Juízo universal.  – Um devoto peregrino atravessava um dia o Vale de Josafá na Palestina, e caminhando  recitava orações. Ao dizer o Credo, parou às palavras: Inde venturus est judicare vivos et mortuos, e começou a pensar: “Eis aqui o lugar onde Jesus virá do Céu para julgar os vivos e os mortos. Virá no dia da ira, das tribulações e da angústia, dia de calamidade e de miséria: Dies irae, dies tribulacionis et angustiae, dies calamitatis et miseriae (Sof 1, 15); dia que não teve e nem nunca terá igual no terror: Similis ei non fuit... et post eum non erit (Joel 2, 22).  Isso é também verdade de fé!”  - Parecia a esse peregrino ver no ar o divino Juiz em toda a sua majestade, no ato de julgar os pecadores; e diz a história que ele ficou tão apavorado, que ninguém mais o viu rir, e bastava lembrar-lhe o Juízo para o fazer tremer e chorar.

Quantos, no entanto, também entre os jovens, jamais pensam nessa verdade! Se pensassem nisso, sim, poriam o cérebro em condições, e viveriam como bons cristãos! – Consideremos agora o Juízo final; e quando ouvirdes a história de um quadro, ide em pensamento ao Vale do Josafá: 1) para ver o aparecimento do Filho de Deus; 2) para assistir ao grande exame de consciência; 3) para ouvir a sentença do divino Juiz.

 

I – 0 comparecimento do Filho de Deus

 

 1. A TERRÍVEL CENA. – Um quadro do Juízo universal. – O monge S. Metódio († 861), que converteu à fé cristã a Bulgária e outras nações bárbaras, era também um bom pintor. Um dia ele foi chamado pelo rei dos búlgaros, de nome Bógoris, o qual lhe disse:  “Deveis fazer-me um belo quadro para eu pôr em meu palácio, e quero que esse quadro represente coisas que metam mêdo a todos os que o olharem”.  – É mister saber que esse rei era pagão e meio selvagem, e só se deleitava com caçadas de animais ferozes e cenas terríveis. O santo, então, recomendando-se a Deus, pintou o Juízo universal.

No meio do quadro via-se Jesus Cristo em sua tremenda majestade entre as nuvens e num trono de glória, rodeado pelos anjos; à direita uma fila de pessoas com os rostos esplendorosos de luz (os justos); à esquerda uma multidão de pessoas monstruosas com caras horríveis, cheias de pavor e de desesperada angústia (os pecadores). Em baixo afinal se via um abismo cheio de figuras horrendas de demônios, e desse abismo saíam chamas ameaçadoras e fôscas. – Quando o rei viu esse quadro, ficou impressionado e perguntou: “Que espetáculo é esse tão magnífico e pavoroso?”  Aí Metódio lhe deu a seguinte explicação.

 

2. OS DOIS JUÍZOS. – S. Metódio e a explicação do quadro. – “Majestade (iniciou S. Metódio), esse quadro representa o Juízo Universal. Ficai sabendo que logo após a morte haverá, para todos, o Juízo Particular; isto é, deveremos todos comparecer perante Deus para dar contas do bem e do mal que tivermos feito em vida. Mas além do Juízo Particular, haverá outro Juízo, que se diz Universal, e este será feito por Jesus Cristo no fim do mundo no Vale de Josafá. Ao Juízo Universal deverão apresentar-se todos homens do mundo, que existiram, que existem e que existirem; grandes, pequenos, soberanos e súditos, sábios e ignorantes, ricos e pobres, bons e maus”-   Ao ouvir isso, o rei já começava a empalidecer e indagou:

 

3. “QUANDO E COMO SERÁ O JUÍZO UNIVERSAL?’ – Responde Metódio: “Esse dia ninguém o sabe, nem os Anjos do Céu, exceto apenas o Pai (Deus):  De die autem illa et hora nemo scit, neque Angeli coelorum, nisi solus Pater” (Mt 24, 36). – Como depois se dará o Juízo, di-lo a Sagrada Escritura. Primeiro haverá sinais: guerras espantosas dos povos e dos reinos, que se lançarão uns contra os outros:  Consurget enim gens in gentem, et regnum in regnum (Mt 24, 7); pestes, carestias, terremotos; et erunt pestilentiae, et fames, et terraemotus (ibid.).  Depois o sol escurecerá, e a luz não dará mais a sua luz, e cairão do céu as estrelas, e haverá a destruição do Universo:  Sol obscurabitur, et luna non dabit lumen suum, et stellae cadent de coelo, et virtutes coelorum commovebuntur  (Mt 24, 29); depois vira do céu um dilúvio de fogo que destruirá tudo: terra autem, et quae in ipsa sunt opera, exurentur (2 Pedr 3, 10). E então será grande a tribulação, como não houve desde o início do mundo: Erit tunc tribulatio magna, qualis non fuit ab initio mundi (Mt ibid. 21). E tudo isso é verdade de Evangelho.

 

4. A RESSURREIÇÃO DIFERENTE – Quando estiver tudo destruído pelo fogo, os Anjos soarão uma trombeta que se fará ouvir nos quatro ventos: e os mortos ressuscitarão: Canet enim tuba, et mortui resurgent (1 Cor 15, 52). E aí se dará um grande espetáculo. Todos os mortos, saídos de seus túmulos, da terra, do mar, dos abismos, deverão estar vivos – Mas com que diferença! As almas dos bons, vindas do Céu, retomarão o seu corpo belo, resplendente, impassível: Tunc justi fulgebunt sicut sol  (Mt 13, 43).  As almas dos réprobos, surgidas do inferno, unir-se-ão a seus corpos que no entanto serão disformes, horríveis, esquálidos, fedorentos.

 

5. A SEPARAÇÃO. Depois virão os Anjos, e separarão os malvados dos justos: Exibunt Angeli, et separabunt malos et medio justorum (Mt 13, 49). E os justos ficarão à direita, e os pecadores à esquerda. Não vos parece vê-los?...  Todos os blasfemadores, caluniadores, desonestos, soberbos, ladrões, avarentos, escandalosos, sacrílegos, serão separados dos bons; e, vendo-os, dirão com raiva: Eis aqueles de quem zombamos em vida:  Hi sunt quos habuimus in derisum (Sab 5, 3). Estultos que fomos! Julgávamos uma insensatez a sua vida: eis no entanto como se incluíram entre os filhos de Deus: Nos insensati! vitam illorum aestimabamus insaniam...;  ecce quomodo computati sunt inter filios Dei (Sab 5, 4-5).

 

6. A CRUZ – Feita a separação, abrir-se-ão os Céus, e entre fileiras de Anjos aparecerá o sinal do Filho do Homem: a Santa Cruz:  Tunc parebit signum Filii hominis (Mt 24, 30).  E aí bater-se-ão no peito todas as tribos da terra: Et tunc plangent omnes tribus terrae  (ibid.).   E eis a descer nas nuvens Jesus Cristo com grande potestade e majestade: Et videbunt filium hominis venientem in nubibus coeli cum virtute multa et majestate  (ibid.). Aí os réprobos cairão como fulminados. E que berros de choro! Que pavor! Que desespero! Ao passo que os justos rejubilar-se-ão!

Depois o divino Juiz fará um exame público: manifestará as consciências todas, revelando as culpas, diante de todo mundo. Depois pronunciará a sentença de bênção sobre os bons e a de maldição sobre os maus; e estes irão para o eterno suplício com os demônios: os justos ao contrário para a vida eterna: Et ibuns hi in supplicium aeternum: justi autem in vitam aeternam (Mt 24, 46). Eis o que ouvistes no quadro pintado: a tremenda verdade do Juízo, que é verdade de Evangelho”.

Assim concluiu o monge S. Metódio. – Ao ouvir isso, o rei Bógoris ficou aterrorizado: fez-se logo instruir na religião, e, iluminado pela graça de Deus, converteu-se ao Cristianismo, e com ele se converteram também os seus súditos.

 

II – O exame de consciência

 

1. A VISTA DO JUIZ – Queridas crianças, ouvistes num só exemplo como se dará o comparecimento do Juiz divino. Agora assistis ao exame das consciências.

Um olhar investigador. – O rei Frederico II da Prússia (1756), durante a guerra dos 7 anos, após uma batalha vitoriosa, invernava na Saxônia. Ali um copeiro de nome Glasau deliberou matá-lo, e lhe apresentou num copo uma bebida envenenada. O rei, que havia notado qualquer coisa estranha na atitude de seu servo, fixou-o profundamente no rosto. Ante este olhar o servo começou a tremer tão forte, que lhe cai da mão o copo. Aí confessou ao rei o assassínio que havia meditado. – Eis como só o olhar penetrante de um rei bastou para fazer tremer e aniquilar um malvado.

Ora, como deverão tremer os pecadores  quando os fulminar o olhar de Deus que tudo conhece e que de tudo pedirá pormenorizadíssimas contas. Quantos tremor est futuros, Quando Judex est venturus, Cuncta stricte discussurus!

2. O LIVRO ABERTO. Será aberto então o grande livro onde tudo está anotado., o bem e o mal de cada qual:  Liber scriptus proferetur, In quo totum continetur.  E tudo será revelado diante dos Anjos e dos homens; tudo: não só as obras, mas também os segredos do coração; pois todas as coisas são nuas e reveladas aos olhos de Deus:  Omnia nuda et aberta sunt oculis eius  (Hebr 4, 13). Aí ele aclarará os esconderijos das trevas, e manifestará os conselhos dos corações: Illuminabit abscondita tenebrarum, et manifestabit consilia cordium (1 Cor 4, 5).  E tudo o que está oculto surgirá, e ninguém ficará impune: Quidquid latet apparebit: nil inultum remanebit.

Para os justos: Oh! Que consolo e glória, ao ouvir manifestar todas as suas boas obras, os esforços para vencer as tentações, as orações, as mortificações.

Para os maus: Que confusão e opróbrio, ao ouvir revelados todos os seus feios pecados, as imposturas, as mentiras, os furtos, as desobediências, os escândalos dados, as vinganças..., os sacrilégios cometidos desde o uso habitual da razão. Eram crianças de poucos anos, e já velhos na malícia!

 

3. AS DESCULPAS? – Que desculpas então, ante as censuras de Jesus Cristo Juiz que porá diante dos pecadores todo o mal que hajam cometido?

Nabucodonosor e o rebelde Sedecias. – Lê-se na História Sagrada que Nabucodonosor fez um terrível juízo de Sedecias que se rebelara contra ele. Primeiro lhe mostrou os benefícios que lhe fizera, depois lhe disse:  “Eu podia mandar cortar-te a cabeça; e no entanto te dei a coroa de rei. Eu podia enterrar-te numa cova, e no entanto te pus no trono. E tu?...  Ingrato! Viraste contra mim todas as tuas forças para trair-me!  Pois bem, fica sabendo que és indigno de ainda ver o meu rosto”.  E imediatamente mandou arrancar-lhe os olhos, e o fez meter numa prisão, todo acorrentado  (4 Rs 24-25). – Que desculpas podia dar Sedecias?

Também não poderão desculpar-se os pecadores no Juízo de Deus que, na presença do Universo, porá ante eles todos os seus benefícios, as suas graças, o seu sangue derramado, e todas as infidelidades e ingratidões deles. E então que desespero para os pecadores desgraçados que se encontrarem à esquerda! Trêmulos e berrando quererão esconder-se; mas onde?...  Gritarão às montanhas: “Cai sobre nós!”, e às colinas: “Sepultai-nos!”:   Tunc incipient dicere montibus: cadite super nos; et collibus: operite nos!   (Lc 23, 30) – Oh! Que dia haverá mais pavoroso do que esse!  Quantos pecadores converter-se-ão e tornar-se-ão santos ao pensar em se ver envergonhados no terrível exame que se fará nesse dia!

 

III – A sentença

 

1. AO JUSTOS. Feito o exame das consciências e revelados os pecados e as boas obras de todos, Jesus Cristo Juiz pronunciará a grande sentença que ficará para sempre. Qual será?  Ei-la.  Aos justos que estão à direita ele voltar-se-á com o olhar doce e benigno, e dirá: “Eis chegado o momento em que enxugarei vossas lágrimas, recompensarei vossas fadigas, premiarei vossas virtudes. Porque me servistes fielmente, vinde, ó abençoados de meu Pai;  tomai posse do Reino preparado para vós desde a fundação do mundo:  Tunc dicet his qui a dextris eius erunt: Venite benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum a constitutione mundi  (Mt 25, 34). Oh! Que alegria para os jovens que no Juízo tiverem a sorte de ouvir dirigidas a eles tais palavras! Abençoados de Deus!... Ter dele a glória imortal! Eris corona gloriae in manu Domini (Is 62, 30). Que felicidade!

 

2. AOS RÉPROBOS. – Voltado em seguida para os réprobos com olhar fulmíneo dir-lhes-á:  “A vós que em vida não me quisestes conhecer nem servir, que me maltratastes com as iniqüidades, que desprezastes o meu sangue... a vós a minha maldição:  Fora daqui, malditos, para o fogo eterno!  Tunc dicet et his quia a sinistris erunt: Discedite a me maledicti in ignum aeternum!    (Mt 25, 41).

E aí eles aos montes, berrando, desesperadamente e blasfemando, cairão na voragem do inferno, e ouvirão fechar atrás de si a tremenda porta de fogo com eterno segredo. E Deus jogará as chaves da hórrida prisão no mar da eternidade. – O justos, ao contrário, voarão alegres e bendizendo a Deus, para a eterna felicidade do Céu. – Assim terá fim o dia do Juízo Universal, que a Igreja com razão chama “dia bem grande e amargo”:  Dies magna et amaris valde. E aí quem está salvo, está salvo, e quem está condenado, está condenado.

 

Conclusão

 

Dizei agora, ó queridos filhos, em que Juízo nos devemos encontrar? E que sentença será a minha? Qual a vossa? Estaremos à direita com os eleitos, ou à esquerda com os condenados? Depende de nós.

 

São Jerônimo e a trombeta do Juízo. – S. Jerônimo († 420), grande doutor da Igreja e dos maiores penitentes, deixou todas as belezas e magnificências de Roma, para ir ocultar-se num deserto da Palestina. Ali não fazia mais do que pregar, estudar e mortificar-se com aspérrimas penitências. Amiúde tomava de uma pedra e com ela batia no peito já chagado e sangrento, pedindo a Deus piedade. Por que isto? Ele pensava sempre no Juízo Universal; e por isso aterrorizado exclamava:  “ Ai de mim! A todo momento me parece ter nos ouvidos o som da trombeta que se fará ouvir no Vale de Josafá com esta fala: Surgi, ó mortos, vinde ao Juízo! Semper videtur illa tuba insonare in auribus meis: Surgite mortui, venite ad judicium!  E nesse Vale qual será a minha sorte? Estarei com os eleitos ou com os réprobos? Terei a sentença da bênção ou da maldição?”. – Também S. Alberto Magno exclamava: “Toda vez que penso no dia do Juízo, tremo todo: Quoties diem Judicii cogito, toto corpore contremisco”.

Pensemos nele também nós. E se nesse grande dia vos quiserdes achar à direita entre os eleitos, ponde logo mãos à obra, remediando o passado e iniciando uma vida santa. -  Ó bom Jesus, Deus de misericórdia, recordai que pela nossa salvação sofrestes tantos padecimentos e derramastes o vosso sangue: a vós rogamos ter piedade de nós. Oh! Salvai-nos no dia do Juízo:  Recordare, Jesu pie, Quod sum causa tuae viae, Ne me perdas illa die![1]

 



[1] Cf. “A Palavra de Deus em Exemplos” – G. Morotarino J. C. – Ed.Paulinas, 1961 – págs. 68/75