“Um peregrino e o dia do Juízo universal. – Um devoto peregrino atravessava um dia o Vale de Josafá na Palestina, e caminhando recitava orações. Ao dizer o Credo, parou às palavras: Inde venturus est judicare vivos et mortuos, e começou a pensar: “Eis aqui o lugar onde Jesus virá do Céu para julgar os vivos e os mortos. Virá no dia da ira, das tribulações e da angústia, dia de calamidade e de miséria: Dies irae, dies tribulacionis et angustiae, dies calamitatis et miseriae (Sof 1, 15); dia que não teve e nem nunca terá igual no terror: Similis ei non fuit... et post eum non erit (Joel 2, 22). Isso é também verdade de fé!” - Parecia a esse peregrino ver no ar o divino Juiz em toda a sua majestade, no ato de julgar os pecadores; e diz a história que ele ficou tão apavorado, que ninguém mais o viu rir, e bastava lembrar-lhe o Juízo para o fazer tremer e chorar.
Quantos, no entanto,
também entre os jovens, jamais pensam nessa verdade! Se pensassem nisso, sim,
poriam o cérebro em condições, e viveriam como bons cristãos! – Consideremos
agora o Juízo final; e quando ouvirdes a história de um quadro, ide em pensamento
ao Vale do Josafá: 1) para ver o aparecimento do Filho de Deus; 2) para
assistir ao grande exame de consciência; 3) para ouvir a sentença do divino
Juiz.
I – 0 comparecimento
do Filho de Deus
No meio do quadro
via-se Jesus Cristo em sua tremenda majestade entre as nuvens e num trono de
glória, rodeado pelos anjos; à direita uma fila de pessoas com os rostos
esplendorosos de luz (os justos); à esquerda uma multidão de pessoas
monstruosas com caras horríveis, cheias de pavor e de desesperada angústia (os
pecadores). Em baixo afinal se via um abismo cheio de figuras horrendas de
demônios, e desse abismo saíam chamas ameaçadoras e fôscas. – Quando o rei viu
esse quadro, ficou impressionado e perguntou: “Que espetáculo é esse tão
magnífico e pavoroso?” Aí Metódio lhe
deu a seguinte explicação.
2. OS DOIS JUÍZOS. –
S. Metódio e a explicação do quadro. – “Majestade (iniciou S. Metódio), esse
quadro representa o Juízo Universal. Ficai sabendo que logo após a morte
haverá, para todos, o Juízo Particular; isto é, deveremos todos comparecer
perante Deus para dar contas do bem e do mal que tivermos feito
3. “QUANDO E COMO
SERÁ O JUÍZO UNIVERSAL?’ – Responde Metódio: “Esse dia ninguém o sabe, nem os
Anjos do Céu, exceto apenas o Pai (Deus):
De die autem illa et hora nemo
scit, neque Angeli coelorum, nisi solus Pater” (Mt 24, 36). – Como depois
se dará o Juízo, di-lo a Sagrada Escritura. Primeiro haverá sinais: guerras
espantosas dos povos e dos reinos, que se lançarão uns contra os outros: Consurget
enim gens in gentem, et regnum in regnum (Mt 24, 7); pestes, carestias,
terremotos; et erunt pestilentiae, et
fames, et terraemotus (ibid.). Depois
o sol escurecerá, e a luz não dará mais a sua luz, e cairão do céu as estrelas,
e haverá a destruição do Universo: Sol obscurabitur, et luna non dabit lumen
suum, et stellae cadent de coelo, et virtutes coelorum commovebuntur (Mt 24, 29); depois vira do céu um
dilúvio de fogo que destruirá tudo: terra
autem, et quae in ipsa sunt opera, exurentur (2 Pedr 3, 10). E então será
grande a tribulação, como não houve desde o início do mundo: Erit tunc tribulatio magna, qualis non fuit
ab initio mundi (Mt ibid. 21). E tudo isso é verdade de Evangelho.
Depois o divino Juiz
fará um exame público: manifestará as consciências todas, revelando as culpas,
diante de todo mundo. Depois pronunciará a sentença de bênção sobre os bons e a
de maldição sobre os maus; e estes irão para o eterno suplício com os demônios:
os justos ao contrário para a vida eterna: Et
ibuns hi in supplicium aeternum: justi autem in vitam aeternam (Mt 24, 46). Eis
o que ouvistes no quadro pintado: a tremenda verdade do Juízo, que é verdade de
Evangelho”.
Assim concluiu o
monge S. Metódio. – Ao ouvir isso, o rei Bógoris ficou aterrorizado: fez-se
logo instruir na religião, e, iluminado pela graça de Deus, converteu-se ao Cristianismo,
e com ele se converteram também os seus súditos.
II – O exame de
consciência
Um olhar investigador.
– O rei Frederico II da Prússia (1756), durante a guerra dos 7 anos, após uma
batalha vitoriosa, invernava na Saxônia. Ali um copeiro de nome Glasau
deliberou matá-lo, e lhe apresentou num copo uma bebida envenenada. O rei, que
havia notado qualquer coisa estranha na atitude de seu servo, fixou-o
profundamente no rosto. Ante este olhar o servo começou a tremer tão forte, que
lhe cai da mão o copo. Aí confessou ao rei o assassínio que havia meditado. –
Eis como só o olhar penetrante de um rei bastou para fazer tremer e aniquilar
um malvado.
Ora, como deverão
tremer os pecadores quando os fulminar o
olhar de Deus que tudo conhece e que de tudo pedirá pormenorizadíssimas contas.
Quantos tremor est futuros, Quando Judex
est venturus, Cuncta stricte discussurus!
2. O LIVRO ABERTO.
Será aberto então o grande livro onde tudo está anotado., o bem e o mal de cada
qual: Liber scriptus proferetur, In quo totum continetur. E tudo será revelado diante dos Anjos e
dos homens; tudo: não só as obras, mas também os segredos do coração; pois
todas as coisas são nuas e reveladas aos olhos de Deus: Omnia
nuda et aberta sunt oculis eius (Hebr 4,
13). Aí ele aclarará os esconderijos das trevas, e manifestará os conselhos
dos corações: Illuminabit abscondita
tenebrarum, et manifestabit consilia cordium (1 Cor 4, 5). E tudo o que está oculto surgirá, e ninguém
ficará impune: Quidquid latet apparebit:
nil inultum remanebit.
Para os justos: Oh! Que consolo e glória, ao ouvir manifestar
todas as suas boas obras, os esforços para vencer as tentações, as orações, as
mortificações.
Para os maus: Que confusão e opróbrio, ao ouvir revelados
todos os seus feios pecados, as imposturas, as mentiras, os furtos, as
desobediências, os escândalos dados, as vinganças..., os sacrilégios cometidos
desde o uso habitual da razão. Eram crianças de poucos anos, e já velhos na
malícia!
3. AS DESCULPAS? –
Que desculpas então, ante as censuras de Jesus Cristo Juiz que porá diante dos
pecadores todo o mal que hajam cometido?
Nabucodonosor e o rebelde
Sedecias. – Lê-se na História Sagrada que Nabucodonosor fez um terrível juízo
de Sedecias que se rebelara contra ele. Primeiro lhe mostrou os benefícios que
lhe fizera, depois lhe disse: “Eu podia
mandar cortar-te a cabeça; e no entanto te dei a coroa de rei. Eu podia
enterrar-te numa cova, e no entanto te pus no trono. E tu?... Ingrato! Viraste contra mim todas as tuas
forças para trair-me! Pois bem, fica
sabendo que és indigno de ainda ver o meu rosto”. E imediatamente mandou arrancar-lhe os olhos,
e o fez meter numa prisão, todo acorrentado
(4 Rs 24-25). – Que desculpas podia dar Sedecias?
Também não poderão
desculpar-se os pecadores no Juízo de Deus que, na presença do Universo, porá
ante eles todos os seus benefícios, as suas graças, o seu sangue derramado, e
todas as infidelidades e ingratidões deles. E então que desespero para os
pecadores desgraçados que se encontrarem à esquerda! Trêmulos e berrando
quererão esconder-se; mas onde?...
Gritarão às montanhas: “Cai sobre nós!”, e às colinas: “Sepultai-nos!”: Tunc
incipient dicere montibus: cadite super nos; et collibus: operite nos! (Lc 23, 30) – Oh! Que dia haverá mais
pavoroso do que esse! Quantos pecadores
converter-se-ão e tornar-se-ão santos ao pensar em se ver envergonhados no
terrível exame que se fará nesse dia!
III – A sentença
1. AO JUSTOS. Feito o
exame das consciências e revelados os pecados e as boas obras de todos, Jesus
Cristo Juiz pronunciará a grande sentença que ficará para sempre. Qual
será? Ei-la. Aos justos que estão à direita ele
voltar-se-á com o olhar doce e benigno, e dirá: “Eis chegado o momento em que
enxugarei vossas lágrimas, recompensarei vossas fadigas, premiarei vossas
virtudes. Porque me servistes fielmente, vinde, ó abençoados de meu Pai; tomai posse do Reino preparado para vós desde
a fundação do mundo: Tunc dicet his qui a dextris eius erunt:
Venite benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum a constitutione
mundi (Mt 25, 34). Oh! Que alegria
para os jovens que no Juízo tiverem a sorte de ouvir dirigidas a eles tais
palavras! Abençoados de Deus!... Ter dele a glória imortal! Eris corona gloriae in manu Domini (Is 62,
30). Que felicidade!
2. AOS RÉPROBOS. –
Voltado em seguida para os réprobos com olhar fulmíneo dir-lhes-á: “A vós que em vida não me quisestes conhecer
nem servir, que me maltratastes com as iniqüidades, que desprezastes o meu
sangue... a vós a minha maldição: Fora
daqui, malditos, para o fogo eterno! Tunc dicet et his quia a
sinistris erunt: Discedite a me maledicti in ignum aeternum! (Mt 25,
41).
E aí eles aos montes,
berrando, desesperadamente e blasfemando, cairão na voragem do inferno, e
ouvirão fechar atrás de si a tremenda porta de fogo com eterno segredo. E Deus
jogará as chaves da hórrida prisão no mar da eternidade. – O justos, ao
contrário, voarão alegres e bendizendo a Deus, para a eterna felicidade do Céu.
– Assim terá fim o dia do Juízo Universal, que a Igreja com razão chama “dia
bem grande e amargo”: Dies magna et amaris valde. E aí quem
está salvo, está salvo, e quem está condenado, está condenado.
Conclusão
Dizei agora, ó
queridos filhos,
São Jerônimo e a
trombeta do Juízo. – S. Jerônimo († 420), grande doutor da Igreja e dos maiores
penitentes, deixou todas as belezas e magnificências de Roma, para ir
ocultar-se num deserto da Palestina. Ali não fazia mais do que pregar, estudar
e mortificar-se com aspérrimas penitências. Amiúde tomava de uma pedra e com
ela batia no peito já chagado e sangrento, pedindo a Deus piedade. Por que
isto? Ele pensava sempre no Juízo Universal; e por isso aterrorizado
exclamava: “ Ai de mim! A todo momento
me parece ter nos ouvidos o som da trombeta que se fará ouvir no Vale de Josafá
com esta fala: Surgi, ó mortos, vinde ao Juízo! Semper videtur illa tuba insonare in auribus meis: Surgite mortui,
venite ad judicium! E nesse Vale
qual será a minha sorte? Estarei com os eleitos ou com os réprobos? Terei a
sentença da bênção ou da maldição?”. – Também S. Alberto Magno exclamava: “Toda
vez que penso no dia do Juízo, tremo todo: Quoties
diem Judicii cogito, toto corpore contremisco”.
Pensemos nele também
nós. E se nesse grande dia vos quiserdes achar à direita entre os eleitos,
ponde logo mãos à obra, remediando o passado e iniciando uma vida santa. - Ó bom Jesus, Deus de misericórdia, recordai
que pela nossa salvação sofrestes tantos padecimentos e derramastes o vosso
sangue: a vós rogamos ter piedade de nós. Oh! Salvai-nos no dia do Juízo: Recordare,
Jesu pie, Quod sum causa tuae viae, Ne me perdas illa die![1]
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