quinta-feira, 12 de junho de 2025

MINHA MÃE

 

                                             (cujo aniversário se daria no dia 30 de junho)


O leite de minha mãe

Alimentou-me até secar

Nunca secou sua paciência

Tendo que me educar

 

Ouvi dela muitos “sins”

E também muitos “nãos”

Paciência tinha demais

Pra mim e meus irmãos

 

Tenho dela grande dívida

Adquirida desde o nascer

Não a vida – que vem de Deus

Mas educação do meu ser

 

Batizou-me, fez-me cristão

Ensinou-me a ler e escrever

Mas, tudo isso nada seria

Se não me ensinasse a obedecer

 

Ela, junto com meu pai,

Foram exemplos de fidelidade

Modelo de casal cristão

De vida comum, com lealdade

 

Dela nunca se ouviu um berro

A não ser pra chamar a atenção

- Venha pra casa! Pra dentro!

E assim nos dava educação

 

E ela, paciente, perguntava:

- O que é, Francisco? O que foi?

- Tô mandando que ele entre!

- Não vê  que anda solto um boi?

 

Às vezes, ela repetia o ditado:

-“Gente besta, tabaco do cão”

Queria nos prevenir de alguém

Que, sendo bobo, dava má lição!

 

Ou dizia outro ditado:

- “Aquele, fazer o mal é pecado;

Mas, fazer o bem é mal feito!”

E dava assim seu recado.

 


quinta-feira, 5 de junho de 2025

FAMÍLIA CATÓLICA AUTÊNTICA, UMA SOCIEDADE DE ADMIRAÇÃO MÚTUA

 



Era comum entre príncipes de certas coroas medievais as contendas, que levavam sempre a rebeliões entre si e a golpes contra irmãos e os próprios pais. Isso era ainda decorrente das origens pagãs, pois o Cristianismo vinha combatendo tais rivalidades durante séculos e com êxito em alguns países. Em alguns reinos, como o de Portugal, havia também muita concórdia e benquerença. Na casa de D. Filipa e D. João I (final do século XIV e início do século XV), a convivência era realmente original. Longe de formarem um grupo de rivais, os jovens príncipes constituíam uma sociedade de admiração mútua. Não só isso, adoravam-se uns aos outros, nunca tendo nascido entre eles qualquer vestígio de ciúmes ou invejas.

Muitos diziam que o rei era afortunado em possuir tais filhos. Pode ler-se, observa um cronista, "de um rei que tinha um bom filho obediente, mas ter cinco filhos - todos obedientes - parecia bom demais para ser verdade!".

A obediência era a virtude mais admirada por aquela geração. No entanto, os filhos eram tratados com tanta brandura pelo pai, que um deles afirmou nunca haverem recebido dele qualquer ferimento, açoite, ou palavra rude. A obediência dos filhos era, pois, oriunda do amor paterno muito mais do que pelo temor ou reverência filial. Os filhos de D. João foram criados juntos numa atmosfera glorificada pela piedade mística de sua mãe, fortalecida pelo pai soldado e amigos guerreiros, e tornada intelectual pela sua própria paixão pelos livros.

O mais velho dos filhos, D. Duarte, era ponderado e erudito, talvez mais talhado para a vida acadêmica do que para o trono. Foi o herdeiro e sucessor. Dom Henrique, conhecido como "O Navegador", era o mais prometedor dos filhos por sua grande capacidade e discernimento. Tal foi o seu gigantismo que se destacou de todos os seus irmãos que, no entanto, foram brilhantes. Dom Pedro parece ter sido o espírito orientador, mais prático do que Dom Duarte e mais prendado. Foi mais estadista do que o irmão mais velho. Os mais novos, Dom Fernando morreu mártir entre os mouros, e D. Isabel casou-se com o duque de Borgonha.

 

Dar e ouvir conselhos, uma prática de virtudes

É espantoso como as pessoas daquele tempo gostavam de exortações. Ser aconselhado e advertido não nos dá nenhum prazer, mas naqueles tempos uma pessoa séria não pensava assim. Um exemplo eram as exortações que faziam entre si Dom Pedro e Dom Duarte. A quantidade de sábios conselhos que estes dois irmãos prodigalizavam um ao outro seria de molde a causar desuniões se ocorressem no mundo moderno. Mas este hábito não existe somente entre estes dois irmãos, mas entre pais e filhos, e entre os outros irmãos uns com os outros.

 

Necessidade do conselho e seu papel nas instituições ocidentais

Pedir conselhos: tudo indica que era um bom costume na idade Média, conforme narra Dr. Plínio Corrêa de Oliveira ao comentar sobre a necessidade da devoção a Nossa Senhora do Bom Conselho:

“Nós podemos dizer que um dos frutos da Idade Média, da Civilização Cristã, é o ter tornado bem clara essa necessidade do conselho como uma norma de vida vigente até mesmo nas instituições civis ocidentais.

Se analisarmos a primitiva história das monarquias pagãs do Oriente, mesmo das grandes como a do Egito, da Pérsia, da China, do Japão, notamos que, em geral, o monarca era absoluto, tinha o poder de dispor dos seus súditos como entendesse e quase não ouvia conselhos. De vez em quando aparecia alguém que dava um parecer a respeito de determinada situação, mas o conselho como uma instituição que o soberano  consultava com rotina, aquilo que nós chamamos de Conselho de Estado, não existia. O monarca ficava no seu isolamento, resolvendo as coisas por si e tomando as decisões.

Na Idade Média vemos aparecer a instituição do Conselho. Reconhecendo a precariedade, a falibilidade do espírito humano, os monarcas nomeavam Conselhos, órgãos coletivos diante dos quais o rei costumava levar seus problemas mais importantes. Estes eram debatidos em reunião e o rei aceitava ou não a solução proposta, mas habitualmente ele resolvia tudo com o seu Conselho.

Essa ideia passou da monarquia para as outras formas de governo que havia na Idade Média. As repúblicas aristocráticas governam-se por Conselhos. Por exemplo, o famoso Conselho dos Dez de Veneza, que assessorava o Doge e tinha um poder enorme; as repúblicas burguesas, as cidades livres da Alemanha, eram governadas por Conselhos, sendo o burgomestre a expressão de um Conselho eleito pela cidade. Assim foi se afirmando o princípio de que ter um Conselho é o complemento natural de todo governo.

 

Pedir conselho, uma postura católica por excelência

Mas, se os homens devem pedir conselhos uns aos outros, se devem reconhecer que por si mesmos têm dificuldade de encontrar a sua própria via em circunstâncias espinhosas, então é sobretudo verdade que convém a eles, podendo se comunicar com Deus por meio da oração, que a Ele peçam o conselho. Deve ser um dos hábitos de nossa vida espiritual, de nossa piedade, pedirmos que Nosso Senhor nos ilumine e nos faça compreender aquilo que devemos fazer.[1]

Se era praticado pela elite, pelos governantes, o hábito de ouvir conselhos também se arraigava em toda a sociedade daquele tempo.

 

Como único temor o pecado

O filho mais novo de D. Filipa, Fernando, quase lhe custou a vida, deu trabalho para nascer, e por algum tempo mostrou poucas possibilidades de viver. No entanto, sobreviveu e veio a se tornar num jovem sossegado e meigo, cuja "conversação angélica" todos apreciavam. Não tendo a vitalidade dos irmãos, não tinha gosto pelos exercícios violentos com as armas, vivia para a Religião e para os estudos. Tinha uma "mui grande e nobre livraria" e a sua capela estava belamente ordenada, "segundo os costumes de Salisbury". Sua divisa era "Le bien me plait". Estes infantes meio ingleses tinham suas divisas escritas em francês, língua da sociedade culta e aristocrática da época.

Dom Duarte e Dom Pedro foram os companheiros de infância de Dom Henrique, pois tinham quase a mesma idade. Formavam um trio harmonioso, e a intimidade que ligava os dois mais velhos parece que não melindrava o mais novo. Dom Henrique era mais reservado e não confiava sua alma a ninguém. Dom Duarte chegou até a publicar um livro, "Leal Conselheiro", onde falava de suas confidências e de sua família. Dom Henrique não se prestou a escrever nada sobre si mesmo, todos seus segredos foram levados para o túmulo.

Apesar da disparidade de temperamento, todos os irmãos tinham cada um ânimo de soldado e nada temiam. Sim, temiam uma única coisa, segundo nos revela o cronista Zurara, era o pecado. Todos haviam aprendido com a mãe a cumprir todos os mandamentos da Santa Madre Igreja e abraçavam um misticismo religioso profundo e sincero. Além das mesmas práticas já aprendidas no convívio com a mãe, das rezas diárias e da frequência aos sacramentos e às Missas, jejuavam costumeiramente e carregavam consigo dolorosos cilícios, com o que venciam galhardamente as tentações.

 

Afastai os nossos filhos dos jogos e os metais em trabalhos e perigos!

D.João I preparava o exército para a primeira investida militar fora do país: iam invadir Ceuta. Nem o rei nem a rainha se manifestavam sobre a presença dos filhos no exército. Mas eles o desejavam. Primeiramente procuraram a mãe, para junto dela conseguir anuência. Os astutos jovens não disseram a ela que o pai já sabia de seus planos, mas pediram-lhe graciosamente que se servisse de sua influência junto do rei para que lhes fosse garantido a autorização para embarcar na empresa guerreira. Queriam ser armados cavaleiros com honras militares, como era comum entre os medievais.

D. Filipa recebeu-os muito bem, pois compreendia que seus filhos precisavam conquistar as esporas de ouro com valor e heroísmo. Quando eles acabaram de falar, ela lhes respondeu: "Bem, é verdade que vos tenho assim aquele amor que qualquer mãe deve ter a seus filhos. Porém, tratando-se de semelhantes feitos eu nunca vos poderia privar vossas boas vontades, antes vos ajudarei a elas com todas minhas forças e poder". E mandou perguntar logo a Dom João se estava desocupado e a podia receber naquele momento.

Na presença do rei, disse: "Senhor, eu vos quero pedir uma coisa que é muito contrária para requerer mães para filhos, porque comumente as mães pedem aos pais que afastem seus filhos dos trabalhos e perigos, tendo sempre grande receio de quaisquer danos que lhe possam acontecer. Eu tenho intenção de vos pedir que os afaste dos jogos e das folganças e os metais em trabalhos e perigos. Vossos filhos e meus vieram hoje a mim e me contaram todo o feito que tinhas passado acerca da cidade de Ceuta, pediam que me aprouvesse a vos falar disso, e vo-lo requerer da sua parte e da minha. Eu, Senhor, não queria por nenhuma forma, pois Deus por sua graça quis lhes dar disposição do corpo e do entendimento, que eles por seu trabalho falecessem de conseguir os feitos daqueles..."

O rei atendeu benignamente ao pedido. Mas disse para a rainha que ele também tinha um pedido a fazer: era que ela era quem deveria dar a autorização para que eles fossem para a guerra, nisto incluindo o próprio rei. D. Filipa ficou aterrada. Não esperava que o rei, seu esposo, lhe fizesse tal pedido. Mas como se tratava de "serviço que seria para Deus fazer o seu santo nome ser adorado entre infiéis" aprovou o pedido, mesmo sabendo que pai e filhos se exporiam a perigo de vida.,

 

Façais vossos filhos cavaleiros com espadas que lhes darei com minha bênção

Quando os preparativos para a partida se iniciaram, a rainha orava cotidianamente na igreja de Sacavém. Ajoelhava-se todos os dias, de manhã cedo até o meio-dia, e depois voltava à tarde e rezava até altas horas da noite. Sentia uma grande dor em ver partir para a guerra seu esposo junto com os filhos, embora estivesse plenamente de acordo.

Há muitos anos que D. Filipa não gozava de boa saúde. Sabendo disto, Dom João evitava lhe falar da viagem, de tal forma que ela imaginava já que haviam desistido da ideia. Um dia, porém, o rei chega em sua presença e confirma a data da partida. A rainha sente profundamente. De tal forma sentiu o choque que ficou abalada, provocando o choro de suas aias. Dirigindo-se para elas, disse: "Amigas, não tendes porque chorar, porque o choro em tais casos não é coisa que aproveite, antes vos rogo que usemos do que nos é propício, isto é, encomendarmo-nos a Deus este feito muito afincadamente fazendo tais obras e bens, porque merecemos ser ouvidas, e isto é melhor que derramamento de lágrimas..."

Dirigindo-se ao rei, seu esposo, diz: "Eu vos peço por mercê... que vos façais vossos filhos cavaleiros na minha presença, ao tempo de vosso embarque com largas espadas que eu lhes darei com minha bênção". Dom João prometeu alegremente, e D. Filipa encontrou algum alívio em mandar vir de Lisboa as três mais belas espadas que lá se pudessem fazer.

Depois, entregou-se inteiramente às orações e ao jejum. No mesmo dia em que Dom João a deixou na igreja, onde rezava, caiu ela doente. Todos julgavam que estava enfraquecida por causa dos jejuns e abstinências. Quando voltaram para a armada, receberam a notícia que fossem até à rainha com urgência. Não haviam dúvidas, era a peste. Os dois irmãos menores foram afastados, enquanto os outros se reuniram à volta da mãe juntamente com o pai. O pobre do rei estava aflito, cheio de dor, não comia nem bebia, e os filhos velavam cuidando da mãe prestes a morrer, porque a peste não tinha cura.

D. Fililpa estava tranquila e resignada, como manda o verdadeiro espírito cristão. Não tinha esperanças de melhora, sabia que estava chegando o seu fim. Virando-se para os filhos, diz: "Deus sabe o tamanho desejo que tive de ver a hora em que vós fostes armados cavaleiros, e para isso mandei fazer e guarnecer três espadas, e pois a Deus apraz que eu neste mundo não veja tamanho prazer, ele seja louvado por tudo". Indaga logo depois: "As espadas já estão prontas?". Como a resposta foi negativa, disse que dessem ordens em Lisboa para que as acabassem logo e as trouxessem.

Em seguida, a moribunda pegou uma cruz de madeira e a partiu em quatro partes, entregando cada uma a seu marido e aos três filhos ali presentes. No dia seguinte chegaram as três espadas. Deu a maior a Dom Duarte, dizendo: "Meu filho, porque Deus vos quis escolher entre vossos irmãos para serdes o herdeiro destes reinos... eu vos dou esta espada... que vos seja espada de justiça para regerdes os grandes e os pequenos destes reinos depois de a Deus aprouver que sejam em vosso poder, por falecimento do rei vosso pai, e vos encomendo seus povos, e vos rogo toda fortaleza sejais sempre sua defesa não consentindo que lhes seja feito nenhum agravo, mas a todos cumprimento de justiça. E vedes, filho, quando digo justiça, justiça com piedade, pois a justiça que em alguma parte não é piedosa é chamada crueldade".

Dom Duarte ajoelhou-se e beijou a mão da mãe, prometendo lembrar-se de suas palavras durante toda a vida. Em seguida, a mãe chama os outros dois filhos, D. Pedro e D. Henrique, entregando a cada um sua espada, juntamente com sua bênção: Eu vos dou esta espada com a minha bênção com a qual vos recomendo e rogo que queirais ser cavaleiro.

D. Filipa nunca perdeu a lucidez enquanto a doença seguia o seu curso, e teve muito mais o que dizer aos filhos antes de os deixar. Com a aproximação de sua morte, Dom João começou a se inquietar e os filhos pediram que ele não assistisse o desenlace fatal. Os filhos lamentavam que ela morresse naquele momento, quando se preparavam para uma importante batalha, aquilo que ela mesmo tanto desejara. Ao que D. Filipa respondeu: "Eu subirei ao alto, e do alto vos verei, e a minha doença não turvará a vossa viagem. Partireis pela festa de Santiago".

Dom João ainda insistiu em querer assistir os últimos momentos de sua esposa, mas foi instado pelos seus conselheiros e por Dom Duarte que saísse. Despediu-se assim ele com o coração partido e afastou-se a cavalo. D. Filipa ficou com seus filhos e na presença deles morreu tranquilamente com um sorriso no rosto. A alma de uma santa mãe subia aos céus e deixava aqui na terra os frutos de sua vida: a gloriosa epopeia de seus filhos que abismaram o mundo.

 

 



[1] Revista “Dr. Plínio”, n. 326, maio de 2025, pág. 21/22 – artigo “Mater Boni Consilii – Celeste Conselheira”