terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Minhas origens (VII)

A morte de meu pai
Em 1935 meu pai adoeceu, começou tendo vertigens. Estava trabalhando no roçado, de um momento para outro parava, ficava escorado na enxada tomando rapé. E como não reclamasse de nada, os filhos se chegavam e lhe perguntavam o que estava sentindo. Dizia que não era nada, apenas uma vertigem, mas já tinha passado. Mas quando essas crises se repetiram com mais freqüência, resolveu ir ao médico.
Viajou sozinho a cavalo cerca de oito léguas para encontrar o médico, era o Dr. Raul, na Serra do Martins. Voltou bastante desanimado, o médico dissera-lhe que sofria do coração, restando-lhe pouco tempo de vida. Foi o início do fim, as crises aumentaram e os remédios nenhum resultado davam. Procuramos, então, outro médico, o Dr. Maltez, em Caraúbas. Desta vez com mais dificuldades, porque ele não mais podia viajar. O tio Vicente era quem ia fazer as consultas por ele. Daí pra frente a situação começou a se agravar, não podia se alimentar, não dormia, passava a noite sentado na rede com falta de ar. Eu o acompanhava nessa jornada, inclusive passava a noite em claro no seu quarto pra ver do que precisava.
O inverno chegara, mas nesse ano não consegui quase trabalhar, ele não queria que saísse de perto dele um só instante. E como as consultas não deram resultado através de portador, resolvemos mandar buscar o médico, com muita dificuldade, viajando a cavalo cerca de dez léguas, e tendo de pagar a visita que importou em mil réis, quantia que na época não era pouco. Não possuía o dinheiro, mas arranjei-o emprestado de um compadre dele, justamente meu professor (Zeca Laurindo).
Quando o médico chegou, examinou-o e disse: “Você vai ficar bom, ainda vai viver uns vinte anos”. Depois me chamou em particular: “Cuide dele que pode morrer a qualquer hora”. No entanto, animado com as palavras do médico, obteve uma melhora assustadora. Na noite seguinte dormiu, o que não acontecia há muito tempo. No dia seguinte ainda tomou o primeiro alimento, mas já de tarde começou a piorar novamente. No outro dia começou a se queixar de uma dor muito aguda, era o tétano: durou três dias com essa dor.
Nesse período, muito conformado, apesar das dores, pedia a Deus lhe desse um alívio, fosse de que forma fosse. No último dia de sua vida ficou calmo, deitado na cama, que também não acontecia há muito tempo.

Os últimos momentos de meu pai
Mais ou menos à meia-noite, pediu para botar um travesseiro debaixo da sua cabeça. Sentei-me na cabeceira da cama, forrei a minha perna com um lençol, pus a sua cabeça sobre o lençol e perguntei: “Tá bom assim?” Ele respondeu-me: “Está bom, que é por pouco tempo”. E em seguida começou a agonizar. Aí foi quando fracassei um pouco, não tive coragem de assistir sua agonia. Deixei-o com os familiares e me recolhi a um outro quarto[1] .
Antes de morrer havia me feito os seus últimos pedidos: que tomasse conta da família e pagasse todas as suas dívidas, deu o nome dos credores e a importância dos débitos que totalizou em duzentos mil réis. Fui trabalhar e em dois anos já tinha pago tudo, graças a Deus.
Fiquei como chefe da família, eram três irmãs moças e um irmão caçula, e ainda minha madrasta.[2]




[1] Diferente foi sua atitude com a morte da mãe. Conta que acompanhou-a até o último suspiro. Talvez por ser mais jovem, era mais forte.

[2] Não fala onde andavam os outros irmãos, se estavam casados, morando longe ou se algum havia morrido. Como eram oito, no seu relato falta dizer onde estavam os outros três homens. Provavelmente o mais velho, Pedro Batista (que conhecemos já velho, morando em Fortaleza) havia se casado e morava longe. Os outros não se sabe.

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