quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

UM COMERCIANTE EM APUROS (IV)

Autuado pela Comissão de Preços
Estava há poucos meses no comércio, não tinha experiência e tinha muito ainda que aprender. Aconteceu o seguinte. Havia comprado uns quilos de toicinho a 7 cruzeiros o quilo, e vendia ao preço de 10. Certo dia chegou um soldado da polícia, perguntou o preço do toicinho, comprou meio quilo e saiu.
Nessa época a Delegacia da Economia Popular era na Polícia, fato que ignorava. Por isso, daí a pouco apareceu o mesmo soldado acompanhado de um cabo. O recruta foi entrando e dizendo “foi aqui”. O cabo então dirigiu-se a mim e perguntou: “O senhor vendeu meio quilo de toicinho por 5 cruzeiros?” Ao afirmar que sim, ele me disse: “O senhor não conhece o preço da tabela?” Tentei explicar-lhe que era ainda novato no ramo e muitas coisas ignorava... Respondeu-me que não justificava, todos os dias era avisado pelo rádio, razão porque ia lavrar o flagrante, constituindo-se numa multa de 400 cruzeiros – valor que representava quase um terço do meu capital.
A fim de contornar a situação, apelei para os seus sentimentos, dizendo-lhe que devido ao meu comércio pequeno e a família grande pra sustentar, bem que poderia me dispensar desse prejuízo. Porém o soldado, que queria ver o circo pegar fogo, interrompeu-me, dizendo ironicamente: “Não podemos dispensar... se ele vende a mim desse preço, imagine aos outros”. Respondi-lhe a insinuação dizendo que tinha só um preço.
O cabo, que se apresentara como fiscal, disse, por fim, que eu dispunha de cinco dias para apresentar a minha defesa na Delegacia da Economia Popular. Aceita a minha explicativa, seria dispensado, caso contrário tinha mesmo de pagar os 400 cruzeiros. Não tive alternativa, assinei aquele papel, e mais parecia estar assinando a minha própria sentença.
Passei dois dias pensando numa maneira de sair daquela situação, daí, creio que iluminado mais uma vez pela luz que me guia, resolvi procurar um amigo e narrar-lhe o ocorrido. Era o compadre Altenor Câmara, padrinho da Gracinha, que me tranqüilizou dizendo que o Secretário de Segurança era seu amigo, me levaria à presença dele e tudo seria resolvido, como de fato foi mesmo.
No dia seguinte levou-me à presença do Dr. Clodoveu Maia, o então Secretário. Apresentou-me dizendo que era seu amigo e que eu lidava com um comércio pequeno e uma família grande, salientando que eu não tinha condições de pagar aquela multa.
O doutor pediu para ver o papel da intimação, leu-o e depois falou pra mim: “Quer dizer que o senhor foi multado porque vendeu meio quilo de toicinho por 5 cruzeiros?” Respondi-lhe afirmativamente. Disse-me: “Todos os dias compro desse preço”. Em seguida deu-me um cartão para apresentar ao delegado da Economia Popular: era um pedido de dispensa da multa, dirigido ao delegado, o Capitão Pôncio Leão, que tinha pouco de Pilatos, mas muito de Leão.
Ao recebe o cartão o homem descarregou toda a sua ira contra mim, mas acabou me dispensando.
Pude, enfim, respirar aliviado, agradecendo mais uma vez à minha boa Mãe por esta graça.

2 comentários:

  1. A mercearia, o facão e o toicinho
    Lembro-me da bodega que fica à esquina,há uns 30 metros da minha casa da Rua 15 de Novembro, nº 971. Era uma mercearia sortida, com bebidas sobre prateleiras expostas,O Conhaque "O arqueiro do Rei","Cinzano",cachaça "Bagageira";cordas empenduradas vendida por metro,óleo a retalho, querosene e uma espécie de armário de vidro sobre o balcão onde se destacava pelo o vidro, as famosas embalagens de brilhantina 'Glostora',pastas 'Kolynos'"sabonete Phebo" "Neo-cid" e próximo a essa armário, em cima do balcão havia uma manta de toicinho e um falcão tão afiado tal qual uma espada de samuray.
    Seu João Batista, ao despachar os fregueses, gabava-se pelos fios da lâmina ao cortar a cobertura suina.Era só encostar o grande instrumento cortante, e sem fazer esforço,o rabo-de-galo, talvez de 16''(polegas),descia tranquilo em meio daquela crosta branca, suavemente.
    E, eu menino, à época,curiosamente, pretendia fazer o mesmo que Seu Jõao, procurava imitá-lo:tentava por diversas vêzes,cortar a manta, mas o peso da arma branca afiada dificultava os movimentos de um menino raquítico, braços finos e que era preciso segurar o facão com as duas mãos.Aproveitava o momento em que Seu João virava as costas para passar um troco ao cliente e tentava cortar o toicinho.Quando ele percebia, ia logo me reprendendo:"Não faça isso, senão você vai se cortar e compadre( meu pai, Altenor Câmara)vai ficar chateado comingo".Mas curiosidade de menino é difícil de se matar, tão logo,na próxima oportunidade que eu encontrava, pegava novamente o aço com as duas mãos e baixa em cima da gordura de porco, sendo reprendido novamente com carão.
    De repente, D.Raimundinha,chamava-me à sala de estar próximo à cozinha,junto aos meus dois amigos, Jair e Toinho para fazer o dever-de-casa do colégio. Após tal tarefa,a ditosa senhora nos servia um bom café-com-leite regado a pão com manteiga, acompanhado de uma canção tagarelado pelo papagio que havia na sala dizendo o seguinte:" Mariê-tá-ta,mariê-tá-tá, entalada com cajá"...Não sei por quanto tempo durou aquela ave.Era uma alegria, falava bem alto.
    Terminando com as tarefas,voltava novamente à budega,desta vez, com mais os dois, Jair e Toinho para disputar o corte do toicinho com o referido facão amolado,e tome carão outra vez!Mas menino não se entrega.Aquela paciência de Seu João era difícil repreender um menino, pois sabe que todo piralho tem a temosia latente.Quando se aproximava a hora de fechar a mercearia, então as coisas se acalmavam, mesmo assim, ainda fazia uma leve despedida ao passar o gume afiado da ferramenta por cima da adiposidade suína inerte sobre o balcão e ia para casa.



    PS: Encontrei este blog através do Google. Parabéns pelas reminiscências dos Cavalcantes, João Batista e D. Raimundinha.

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  2. A mercearia, o facão e toicinho
    Lembro-me da mercearia que ficava à esquina, há uns 30 metros da minha casa da Rua 15 de Novembro, nº 971. Era sortida, com bebidas sobre prateleiras organizadas,conhaque "O arqueiro do Rei","Cinzano",cachaça "Bagageira";cordas penduradas, vendida por metro,óleo a retalho, querosene e uma espécie de armário de vidro sobre o balcão onde se destacava pelo o vidro, as famosas embalagens de brilhantina 'Glostora', pastas 'Kolynos',sabonete” Phebo," "Neo-cid" e próximo a esse armário, em cima do balcão, havia uma manta de toicinho e um falcão tão afiado tal qual uma espada de samuray.
    Seu João Batista, ao despachar os fregueses, gabava-se pelos fios da lâmina ao cortar a cobertura suína. Era só encostar o grande instrumento cortante, e sem fazer esforço, o rabo-de-galo, talvez de 20''(polegadas), descia tranquilo em meio àquela crosta branca, suavemente.
    E, eu menino, à época, curiosamente, pretendia faz o mesmo que Seu João, procurava imitá-lo: tentava por diversas vezes, cortar a manta, mas o peso da arma branca afiada dificultava os movimentos de um menino raquítico, braços finos e que era preciso segurar o facão com as duas mãos. Aproveitava o momento em que Seu João virava as costas para passar um troco a um cliente e tentava cortar o toicinho. Quando ele percebia, ia logo me repreendendo: "Não faça isso, senão você vai se cortar e o compadre ( meu pai, Altenor Câmara) vai ficar chateado comigo".Mas curiosidade de menino é difícil de se matar, tão logo,na próxima oportunidade que eu encontrava, pegava novamente o aço com as duas mãos e o aprumava com o gume na vertical em cima da gordura de porco, sendo repreendido novamente com carão.
    De repente, D.Raimundinha, chamava-me à sala de estar próximo à cozinha, junto aos meus dois amigos, Jair e Toinho para fazer o dever-de-casa do colégio. Após tal tarefa, a ditosa senhora nos servia um bom café-com-leite regado a pão com manteiga, acompanhado de uma canção tagarelado pelo papagaio que havia na sala dizendo o seguinte:" Mariê-tá-ta,mariê-tá-tá, entalada com cajá"...Não sei por quanto tempo durou aquela ave.Era uma alegria, falava bem alto.
    Terminando com as tarefas, voltava novamente à mercearia, desta vez, com mais dois, Jair e Toinho para disputar o corte do toicinho com o referido facão amolado,e tome carão outra vez! Mas menino não se entrega. Aquela paciência de Seu João era difícil repreender um menino, pois sabe que todo pirralho tem a teimosia latente. Quando se aproximava a hora de fechar a mercearia, então as coisas se acalmavam, mesmo assim, ainda fazia uma leve despedida ao passar o gume afiado da ferramenta por cima da adiposidade suína inerte sobre o balcão e ia para casa.

    PS;
    Encontrei esse blog através da página do Google. Parabéns pelas reminiscências da família Cavalcante, foi muito oportuno os registros trazido à tona de um passado áureo onde se retrata episódios memorizados de uma grande amizade.

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