sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

UM COMERCIANTE EM APUROS (VIII)

Outra vez um bêbado

O Satanás aconselha
Ao bebedor e ao ladrão:
Você não tome conselho
Do Padre Cícero Romão,
Pode beber aguardente
Que tem minha proteção"
[1]

Próximo ao meu comércio, a dois quarteirões, havia o forró do “Subeltrão”[2] – como era conhecido por todos o suboficial reformado da Aeronáutica, que tinha como “viração” fazer festas aos sábados em sua própria residência. E que, além da quota que cobrava na entrada, vendia grande quantidade de bebida. No que eu também levava vantagem, porque muitos fregueses saíam de lá e vinham beber na minha bodega.
Mas a venda de bebida alcoólica, após as 19:00 horas, era proibida. Em vista disto, por medida de segurança, das três portas do meu comércio, eu fechava duas e ficava atendendo pela única porta aberta. Desta forma, era mais fácil notar a aproximação da Polícia, que me visitava quase todas as noites.
Eram mais ou menos nove horas da noite, quando entraram no meu estabelecimento três elementos: dois deles desconhecidos, o outro conhecido por Gadelha. Sendo que deste tínhamos notícias por demais desabonadoras de sua conduta. Encontrava-me a sós com os três, pois a família já se recolhera. E foi esse dito Gadelha o primeiro a mandar servir bebida pra todos, pedindo, em seguida, para repetir. Atendi-o de pronto. Depois, após bebido todo o conteúdo dos copos, ordenou que os outros se retirassem que a despesa era dele.
Esse Gadelha era um sujeito preto, mais ou menos um metro e setenta e cinco de altura, que carregava a agravante de ter sido expulso da Polícia por indisciplina. Nesse mesmo dia havia feito desordem no bar do Ozete, bebeu e não quis pagar a despesa. Em seguida sacara de uma peixeira e quebrara os copos que estavam no balcão. Saíra já bastante embriagado direto lá pra casa. Tencionava fazer o mesmo, só que desta vez surpreendeu-se com o tiro saindo pela culatra.
Disse-me, após ter despedido os colegas: “Depois venho pagar esta despesa” . Respondi-lhe: “Olha, rapaz, quero receber agora!” E ele: “Mas eu não tenho dinheiro”. Apertei-lhe dizendo que só saía depois de pagar o que bebera, mesmo que fosse preciso deixar a camisa. Passei para fora do balcão e tranquei a porta, ficando face a face com o bêbado. Então, o ex-polícia, o desordeiro, o valentão, acuado dentro de casa, vociferou: “Você não sabe com quem está falando!”. Retruquei-lhe; “Sim, eu sei, você é um sujeito que foi expulso da Polícia por ruim, mas, mesmo assim, só sai daqui quando pagar a despesa, para que você aprenda a não fazer mais papel de moleque”. Nesse instante, o meu filho Netinho, que dormia na sala contígua, e acordara com a discussão, veio perguntar-me o que estava acontecendo. Disse-lhe: “Esse moleque fez uma despesa e não quer pagar”. Netinho reconheceu no valentão um empregado da mesma firma na qual trabalhava[3]. E o ex-milico, reconhecendo-o também, valeu-se dele pedindo que o deixasse ir, que depois pagaria lá no trabalho. O Neto, com muita calma, pediu-me para deixá-lo, falaria com ele na fábrica. Abri-lhe a porta, deixando ir-se, para que finalizasse mais rápido este caso de bebida.


[1] Extraído de poeta de cordel.
[2] O “forró”, naquela época, era também uma festa organizada nos subúrbios chamada de “gafieira”, com música ao vivo tocada por sanfoneiros, etc. O forró do Sub-oficial Beltrão, chamado “Sub-Beltrão”, era feito no quintal de sua residência, uma verdadeira mansão, tanto grande quanto luxuosa. A mesma residência foi ocupada depois por um distinto casal, tendo como proprietária D. Afonsina, muito católica, que mantinha no quintal um piedoso oratório em honra de Nossa Senhora.
[3] Era a Fábrica Santa Cecília, uma indústria de tecelagem que havia na mesma Rua, a uns três quarteirões. O Netinho trabalhou nela quando retornou do seminário (em Jundiaí, São Paulo) e veio morar em Fortaleza com seus pais.

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