terça-feira, 11 de março de 2008

Homenagem póstuma de um filho (I)

I – No fim da vida, tranqüilidade, alegria, vigor físico

Por: Jurandir Josino Cavalcante

Lendo um livro sobre a vida de São Pio X, no qual o autor descreve o seu carinho à memória do pai João Batista, fiquei tentado a imitá-lo, quando escreveu um oferecimento, singelo, ao seu falecido genitor, no primeiro livro de registro de missas, que assim dizia, em língua latina: “pro patre defuncto”, por meu falecido pai. Esta, pois, será também a minha epígrafe, que anteponho às missas que agora começo a mandar rezar, igualmente como um reconhecimento de um filho da grandeza do pai, cuja lacuna deixada só será preenchida no encontro que espera ter com ele no céu.
Como parecem longe os dias de convivência que privamos com ele, parece se perderem nas brumas de um passado longínquo, guardado em nossa alma, em todos os seus pormenores. Mas esse passado avançou com o próprio viver e atingiu o ponto de chegada. Mas que caminhada! Quanta coisa a lembrar, a encher a imaginação. Enfim, é o momento de parar para dar aquele grande suspiro, cheio de dor porque passou o tempo, mas cheio de alegria porque a obra obedeceu àquelas sábias palavras de São Paulo: “Combati o bom combate, acabei a minha carreira, guardei a fé” (II Tim. 4,7). Era o fim de sua vida e nem percebíamos; eram os seus derradeiros momentos, as suas últimas palavras, os seus últimos olhares. Nada nos fazia pensar, evidentemente apenas os seus acumulados anos, corrijo-me, pouca coisa nos fazia pensar nesse fim próximo. No fim daquele que tinha sido para nós o farol a nos indicar a boa rota a seguir, enfim, o pai, o amigo, o conselheiro... Era ele, apesar de sua fraqueza aparente, de seu pouco preparo intelectual, o nosso super-herói, que chegava na hora certa, que nos acudia no instante oportuno. Como podia ter fim um ser com tão grandes predicados? Porquanto é difícil, senão impossível, pensar que aquele que se ama vai morrer algum dia. Afinal, o amor tem essa virtude, prolonga a vida para além da morte. Pois nós o sentimos em cada momento de nossa vida, vivo, presente, com o seu ar alegre, jovial, a sua disposição para aceitar as dores com resignação e as tristezas com abundantes esperanças numa alegria próxima.
Era esse o nosso velho pai no ocaso de sua vida. Nele inexistia a pressa, a correria, o nervosismo, o levantar a voz. Era a paz de forma excelente, e era a excelência da boa amizade, do riso fácil, da pilhéria, da facécia e salamaleques nos encontros ocasionais com os amigos. Para uns, fazia que puxava uma arma, com outros tratava pelo nome de alguém de má fama, e com o meu sogro dizia: “Compadre, aonde é que dói?” A pergunta tinha uma explicação: “Velho não pergunta ‘como é que vai’, mas ‘onde é que dói’. Para sua esposa, a dona Raimunda, tudo isso ‘era caduquice’, pois não achava nada engraçadas as momices e pilhérias do marido. Apesar de muitas vezes ter sido surpreendida pelos filhos dissimulando o riso após ter tentado demonstrar um desagrado.
Magro, escaveirado, queixando-se apenas de uma dor na perna, gozava de muita saúde, com disposição de sobra para o trabalho. Circunscrevia-se o seu campo de ação ao exíguo quintal de sua modesta casa. Trabalhava com afinco no trato de suas árvores frutíferas. Amava-as, conversava com cada uma, chegava a manter com elas um relacionamento quase de amigos. Subia, colhia os seus frutos, descia. Podava-as, estrumava-as, aguava-as. Sentia-se realizado com fazer diversas qualidades de doces, em calda, em creme, em pedaços, para dá-los aos filhos quando das visitas que recebia deles nos domingos. Quando a semana “demorava a passar”, ia decretado levar o pequeno pote de goiabada para o filho, ocasião em que matava as saudades e atualizava os assuntos. Para cada um tinha um tratamento apropriado, uma palavra ou um dito engraçado no instante de entregar o produto de suas “expedições” naquele seu reino encantado, naquele seu mundo vegetal.

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