sexta-feira, 7 de março de 2008

UM COMERCIANTE EM APUROS (XI)



Briga do “Catita” com o açougueiro

Se é mulher fica sem jeito
Se é homem perde o caráter
Se é artista perde a arte
Se é rico perde o respeito
Tudo o que faz é mal feito
Segue logo na má regra
Da família furta e nega
Por faltar-lhe a cerimônia
Fica mesmo sem vergonha
O homem que se embebeda [1]


Em minha bodega, quase diariamente, reunia-se a turma da cachaça.[2] Essa turma era composta de pessoas vizinhas, gente amiga que, geralmente, não dava trabalho. E, se acaso aparecia algum elemento estranho criando problema, não precisava me preocupar, a turma se encarregava de enxotá-lo. Eram sempre os mesmos: Pereirinha, Catita, Jorge, Zé Estelo, Acrísio, Galalau, Zequinha e Vicente Pinto. Havia muitos outros, mas não tão assíduos quanto estes.
Um dia, em que estavam presentes apenas o Pereirinha e o Catita, apareceu um magarefe, de nome Eduardo, novo no bairro, procurando entrosamento com o pessoal. Ficaram bebendo, contando piadas, disputando a “rodada” no palitinho: quem perdia, pagava a despesa.
Às tantas o tal açougueiro, já alto na bebida, não sei por qual motivo, iniciou uma discussão com o Catita. Aliás, era este um moço pacato, não gostava de encrenca com ninguém, nem mesmo quando embriagado. Mas o açougueiro, que era sujeito esquentado e que se prevalecia da peixeira à cintura, não conversou muito, puxou da lâmina, que não era pequena, e investiu contra o Catita. Por seu turno, não sendo de briga, como dissemos, o Catita começou a pular para se defender de seu furioso adversário. De repente, o Pereirinha, caindo em si do perigo que estava correndo seu amigo, lançou-se contra o agressor, com a rapidez de um felino, desarmando-o e jogando a arma em cima do balcão.
Atento a todos os lances, peguei a faca e guardei-a. Porém, não conformado com a derrota, o açougueiro brigão voltou-se contra o Pereirinha, numa luta desalmada e... desarmada. Este, apesar da pequena estatura – um metro e meio, para um adversário de um e setenta – não desanimou. Atracados, o mais fraco usou de uma tática, empurrou o outro contra o balcão ao mesmo tempo que olhava-me – suplicante – como a pedir ajuda. Não podendo ficar alheio, abarquei o valentão pela garganta, apertando-o sem muita força, pois logo veio a clemência. Aí falei: “Pode deixá-lo, agora ele vai ficar quieto”. O remédio sendo forte e eficiente terminou por amansá-lo, embora reclamasse de sentir dores na garganta. Mas disse-lhe, desculpando-me, que essas dores iam passar. Por fim, com o Catita se recuperando do susto, os brigões continuaram bebendo, sem qualquer problema, como se esta tivesse sido apenas a cerimônia de iniciação de mais um na turma.

[1] Extraído de poesias de cordel.

[2] Talvez por sua bondade meramente natural e humana, o senhor Batista não percebia o mal que fazia em vender aguardente. O que ele almejava era, antes de tudo, conseguir o sustento de sua família. Deixar de vender um produto que lhe rendesse algum lucro era um sacrifício que exigia a prática de uma bondade superior, que ele sequer imaginava. Apesar de vender o produto, no entanto nunca em nenhum momento ele tentou sequer prová-lo, nem a cachaça nem o cigarro eram vícios que lhe atraíssem.

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