quinta-feira, 10 de abril de 2008

Um comerciante am apuros (final)

Os dois filhos
No longo período de minha vida de comerciante tive duas pessoas da família morando conosco, que nos deixaram marcas de suas personalidades excepcionais, de respeito, compreensão e obediência. Verdadeiros filhos: a Socorro e o Nilton[1].
Ambos vieram por motivos idênticos: estudar.
A Socorro chegou com 16 anos, saiu com 20. Durante esses quatro anos não nos trouxe problemas, ajudando-nos até bastante. Foi embora em virtude de sua mãe precisar de sua companhia, mas até hoje vemos mais nela uma filha que uma sobrinha.
O Nilton veio para casa de seu tio Luís, que morava na Aldeota e negociava no Mercado Central. Doze anos era o que tinha para oferecer. Mas, menino inteligente e esperto, nas horas vagas dos estudos, ajudava o tio no necessário. Após um ano assim, de ingentes esforços para ganhar a vida, aparece uma pedra em seu caminho: o tio, alegando que o comércio estava ruim, e que não podia mais tê-lo em sua companhia, pediu que regressasse para a casa de seus pais.
Mas, ambicioso e sonhador, o garoto queria ir em frente, por isso ficou triste com a proposta do Luís.
Estando comigo, contou-me sua estória: ia embora, o tio não o queria mais em sua casa.
Percebi pelo seu semblante, pelo seu estado de espírito, que desejava continuar a vida na capital. Disse-lhe: você querendo fica com a gente. Mas respondeu que eu tinha uma família muito grande... Insisti para ficar, tentaria arranjar-lhe um emprego. De repente, mudou de semblante, ficou alegre: assim sendo, tio, eu fico.
Na mesma semana consegui que fosse trabalhar numa mercearia, do Sr. Alexandre Joca, ao lado da Igreja do Asilo[2], ganhando duzentos cruzeiros por mês, no horário de cinco da manhã às oito da noite, quando saía para a escola. A refeição era feita no próprio local de trabalho, assim como o pernoite, vindo para casa somente aos domingos.
Demorou-se ainda um ano nessa luta, muito trabalho e pouco reconhecimento por parte do patrão. Depois ele mesmo arranjou outro emprego, no centro da cidade, ganhando quatrocentos cruzeiros, o dobro do que ganhava no Joca. O trabalho, em contrapartida, era menos, e a alimentação deveria ser feita em casa, devendo arcar também com a despesa do transporte.
Depois deste, trabalhou no depósito de material do Luiz Mota[3].
Mas pedia-me, com insistência, para conseguir um lugar na Panair do Brasil. E, por sorte sua, fui despedido[4]. Pedi então para o colocarem no meu lugar, no serviço de mala-postal. Foi aceito.
Durante esses quatro anos fazia bastante economia, mas ajudava-me na despesa da casa, não esquecendo, nos fins de anos, o presentinho da tia. Tido como pessoa de poucos gastos, estava sempre aberto para ajudar-me. Desta forma, ficou-me a impressão de mais um filho que Deus me dava.[5]

[1]Maria do Socorro de Holanda Cavalcante e Manuel Nilton da Costa. Ela, sobrinha do senhor Batista, filha de sua irmã mais velha, Antonia; e ele, sobrinho de D. Raimunda, filho de D. Rita. A Socorro, inicialmente, veio só, mas depois trouxe seus familiares, que por algum tempo ficaram na mesma casa. O pai deles, que veio doente para Fortaleza, logo faleceu, assistido por todos nós. O Nilton veio morar sozinho, e quando os familiares vieram para Fortaleza ele já tinha casa própria onde acomodá-los.
[2] A “Igreja do Asilo” era como nós chamávamos uma capela que ficava anexa a um asilo de doentes mentais. Era a única igreja que assistia aos católicos de uma vasta região naqueles tempos, e distava a uns quatro quarteirões de nossa casa.
[3] Chamava-se “Depósito Assunção”, pois ficava situado na Rua Assunção, no centro comercial da cidade.
[4] Em seu lugar ficou trabalhando no “Depósito Assunção”, o Jurací, que agüentou os gritos e os histerismos do proprietário, Luiz Mota, por alguns meses, até ser despedido também.
[5] O Nilton foi embora para o Rio, ainda solteiro. Lá se realizou bem com o comércio e, poucos anos depois, casou-se com a Júlia, muito religiosa e cumpridora de seus deveres, com quem convive até hoje.


Ao lado, o Nilton com sua esposa Júlia, em foto recente.

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