“Continuando os depoimentos de mamãe sobre o seu passado, vejamos o que ela diz sobre sua religiosidade, ainda hoje uma nota forte e predominante de sua personalidade:
"Toda a nossa religiosidade foi herdada, creio eu, de meu pai. Ele tinha uma boa formação católica, lia bons livros de religião, costumava levar os filhos (até à mais longa distância), sempre a pé, para assistir missas, especialmente quando morávamos no sertão. Certo dia apareceu por lá um santarrão, um homem tido por “santo” por algumas pessoas. Meu pai foi lá conferir se o sujeito era santo mesmo. Por inspiração ou discernimento dos espíritos disse que aquele homem não tinha nada de santo. Chegou até a discutir com o santarrão, o qual terminou por lhe rogar uma praga. Muito católico e confiante na proteção divina, meu pai não teve nenhum medo da praga. Poucos dias depois o referido santarrão se mostrou quem era ao bulir com uma jovem do lugar e ter que sair dali ás pressas. Meu pai também era anticomunista convicto. Quando soube que a badalada “coluna Prestes”, um grupo de comunistas que andava pelas matas, andava pelo sertão e diziam que passaria por onde morávamos, mandou fazer uma grande faixa e colocou-a na entrada do nosso lugarejo; estava escrito nela “abaixo o bolchevismo!” Ele não tinha armas e nem com que enfrentar os comunistas, mas queria deixar patente que não eram bem-vindos.
Quando chegamos em Fortaleza, tinha que ir assistir à Missa numa igreja que ficava longe, ao lado de um hospital psiquiátrico, a qual nós chamávamos “Igreja do Asilo” . Havia também, dentro do hospital, uma capela chamada de “Santa Porciúncula”. Tendo aprendido com meu pai a nunca perder uma missa, e preocupada em não chegar atrasada, sempre saía de casa cedo, de madrugada, e estava na igreja muito tempo antes da missa. Certo dia chegamos lá tão cedo que a igreja ainda estava fechada. Estava com as crianças, que levava comigo para aprenderem o bom caminho. Bati na porta e me atendeu um padre dizendo que ainda era muito cedo e que a missa só começaria dali a tantas horas. Mesmo assim, insisti com ele para que deixasse entrar com as crianças e esperasse lá dentro a hora da missa. Disse ele então que fosse para a capela de Santa Porciúncula, pois lá teria a companhia das freiras. E assim fiz e lá fiquei com as crianças até á hora da missa, isto é, quatro ou cinco horas da manhã (não me lembro bem).
Meu pai também nunca perdeu uma missa de domingo, e até assistia a tantas missas quanto podia no decorrer da semana. Certa feita, quando já morava em Fortaleza, trabalhava como guarda noturno e resolveu deixar o posto de trabalho para assistir uma missa, já amanhecendo o dia. Chegou o patrão e, não o encontrando no seu posto, despediu-o do emprego. Ele nem tentou se justificar ou inventar alguma desculpa esfarrapada, foi sincero e disse simplesmente para o patrão que estava na igreja assistindo a missa. Mesmo tendo perdido o emprego não se arrependeu do que fez, pois, segundo ele, tinha comungado e cumprido uma propósito de fidelidade a Deus”.
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