segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Quem pode ler o nosso futuro?


Mais um fato pitoresco da vida de "seu" Batista

Por: João Batista Neto

Extremamente religioso, seu Batista foi sempre muito avesso a fetiches, bruxarias e que tais.
Manhã de sábado, bodega cheia. Balcão lotado de fregueses. Alguns iniciando a maratona de final de semana com um copo na mão.
- Seu Batista, meio quilo de açúcar.
- Seu Batista!
- Netinho, meu filho, me atenda. Deixei o café no fogo...
E por aí afora. Pequena multidão de fregueses (mais de três é multidão). Uns sossegados, outros apressados. Crianças, homens, mulheres. Entre elas, uma se destacava. Espremida no meio do povo, autêntico armarinho de tecidos multicores, rosto oval e branco, cabelos avermelhados, bijuterias, berloques, e um sorriso cheio de dentes dourados. Contorcia-se a cigana e se esmerava na faina de decifrar as tortas linhas das mãos da freguesia.
Após ganhar alguns trocados, a cigana dirigiu-se a seu Batista. Pediu-lhe a mão para ler. Deu-lhe este pouca atenção, ocupado que estava no atendimento à clientela. Mas, para não desagradá-la, estendeu-lhe uma das mãos; com a outra administrava o troco para um freguês.
- O senhor é homem forte. Tem filhos sadios e bonitos. Tem muitos filhos. E tem uma filha. Suas linhas me dizem que o senhor vai ficar rico. Esta curva mostra um grande desgosto por que o senhor passou na vida...
A cigana passou a desfiar uma ladainha rica de generalidades e alguns detalhes de fatos da vida de seu Batista.
Por alguns minutos só se ouviam as palavras da mulher. Todos ficaram atentos. Afinal, muita coisa que ela dizia fazia sentido. Idade dos filhos, sexo, doenças, casas, ruas, endereços, etc
Seu Batista, agora quieto, ouvia. Seu rosto enigmático não lhe revelava dúvida, deboche ou crença.
- O senhor vai ter vida longa. Um de seus filhos vai ser doutor e vai lhe dar muitos netos...
Terminado o discurso da mulher, voltou-se seu Batista naturalmente para o atendimento dos fregueses. A bodega mais vazia, alguns não haviam esperado. Um pouco aborrecido com a cigana, mas sem demonstrar, entregou-se às suas atividades. Esqueceu-a.
- Tá pensando que sou trouxa? Vai me deixar esperando aqui?
- ?
- Tá achando que sou burra ou quenga? Sou cigana e de família nobre. Meu pai...
E seu Batista resolvera não lhe dar mais atenção. Tinha o que fazer. As conversas reiniciaram-se. Estava mais quente. O sol se adiantara. O asfalto, amolecido pelo calor, ardia em brasa.
A cigana perdeu a paciência. Encheu o peito (os dois), avançou com seus penduricalhos sobre o balcão, e desafiou:
- O senhor não vai me pagar?
Silêncio.
- Pagar o quê? - retruca seu Batista, entre zombeteiro e curioso.
A mulher empertigou-se, torceu a boca e, rangendo os dentes irregulares e dourados, retrucou:
- E eu não li a sua mão? E eu não acertei tudo? E por acaso eu errei alguma coisa sobre o senhor? Pois fique sabendo que sempre acerto!
Conhecido por seu ceticismo no que toca a astros, espíritos, profetas, bruxos, seu Batista não perdeu a fleuma.
- Errou nada.
- E então?
- Então o passado eu já sabia. O presente não é segredo pra ninguém, pois minha vida é um livro aberto...
A cigana não se deu por vencida.
- E o futuro? Eu lhe dei toda a sua vida sem mistérios pela frente. Suas mãos me disseram o futuro, seu e de sua família.
- É. Mas no futuro eu não acredito. Portanto, nada lhe devo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário