domingo, 16 de novembro de 2008

A Bondade sertaneja (IX)

Por: Juraci Josino Cavalcante
Uma alma que sempre ansiava crescer, progredir
"Um pai – ainda o mais pobre – tem sempre uma riqueza para deixar ao filho: o exemplo" (Coelho Neto).

Informado sobre a situação reinante nas capitais brasileiras, seja através de alguma leitura ou mesmo pelas pessoas que andavam pelo sertão, animou-se ele em deixar a caatinga e partir com a família para a capital cearense. Nenhuma mentalidade estagnada, acomodada e sem desejos de progressos, tomaria tal iniciativa. Quando o Sr. Batista resolveu arrumar seus pertences, vender alguma coisa, como seu cavalo, e partir com esposa e filhos para a aventura da viagem é porque desejava ir em busca de crescimento, de progresso, de uma realização superior que naqueles ermos não existia. Havia em seu espírito um desejo de perfeição maior.
Este estado de espírito foi uma constante em sua vida. Demorou pouco tempo em seu primeiro emprego quando chegou em Fortaleza. Logo, se estabeleceu com um pequeno comércio autônomo. De início, uma pequena venda. Depois uma mercearia. Aos trancos e barrancos foi crescendo, até que a crise financeira o pegou pelo caminho, com uma família já numerosa e muitos problemas a enfrentar.

A paz de alma que provém da bondade
"...e paz na terra aos homens de boa vontade" (Lc 2, 14)

Um exemplo da prática da bondade. Quando residia em Fortaleza, o Sr. Batista resolveu ampliar seu comércio (que era uma mercearia) instalando na frente um "posto de bicicletas”. Havia comprado algumas bicicletas, veículo muito utilizado em Fortaleza já então, e passou a alugá-las. Certo dia, um garoto alugou uma e atropelou com a mesma uma criança bem defronte à casa dela. O pai da garotinha, bastante irritado, tomou a bicicleta e jogou-a do outro lado de sua cerca, dizendo que não a devolveria. O guri foi chorando contar o que houve ao Sr. Batista, o qual ficou muitíssimo preocupado: teria acontecido algo de grave com a criança? O pai dela lhe devolveria a bicicleta? Deixou esfriar os ânimos e depois resolveu se dirigir à casa da pequena atropelada. Porém, lá não encontrando o pai nervoso, foi a mãe que o recebeu. Primeiro quis ver como estava a menina, mostrando pesar pelo que houve, depois, como a mãe não se opôs, pegou sua bicicleta e foi embora.
Nota-se que o Sr. Batista é um homem decidido, ele vai atrás do que lhe pertence; mas sua preocupação maior é o estado de saúde da criança. Se os pais não lhe devolvessem a bicicleta ele não ficaria tão sentido, contanto que a criança atropelada não estivesse em estado grave.. Estes dois estados de alma predominam nele, mostrando completo equilíbrio, uma verdadeira paz de alma. Aquele anseio de agredir, de fazer violência para readquirir o que era dele não existia, o que ele tinha em mente quando se dirigiu à casa dos pais da criança era argumentar, era oferecer razões que lhe fizessem devolver a bicicleta, ao mesmo tempo que se mostrava muito penalizado com a criança, pois ele tinha muita brandura de alma e pelo seu jeito de falar qualquer um se dobrava.
Com esta disposição ele ia à casa de qualquer um, lá conversava civilizadamente, calmamente, educadamente, dizia o que pensava e muitas das vezes voltava conseguindo o que queria. Certa vez ele fez uma sociedade com um sujeito que se dizia seu amigo. Abriram um açougue. Os “trabalhos” foram divididos: o sócio tomava conta do açougue, comprava e vendia a carne, e o Sr. Batista apenas lhe dava crédito com seu talonário de cheques. Quando o sujeito deixou de cobrir vários cheques, todos devolvidos sem fundos, foi que o Sr. Batista abriu os olhos para o logro em que caíra. A situação era vexatória, pois o “sócio” não tinha dinheiro, nem o Sr. Batista tinha condições imediatas de saldar os cheques que andavam nas mãos de diversas pessoas. Um destes credores era um sujeito conhecido como valentão e era sabido que já havia cometido assassinato. Como enfrentar um sujeito deste tipo? Que fazer? Devia esperar que ele viesse na sua casa ou deveria procurá-lo?
Como dissemos acima, o Sr. Batista era decidido, e por isso resolveu ir até à casa do valentão. Não foi com medo, nem armado, nem pensando em discutir com o sujeito. Procurou apenas se informar antes, pela vizinhança, sobre o homem com quem ia conversar. As informações não eram nada animadoras, todos davam péssimas notícias sobre o temperamento irascível e briguento do indivíduo. O Sr. Batista ainda pensou: se estiver bêbado eu deixo para outro dia. Mas o homem estava sóbrio, pois ele o procurou pela manhã. Chegando lá o homem inicialmente o recebeu muito mal. Mas com um pouco de conversa o valentão muda o tom e com a promessa feita de logo saldar a dívida se acalma e nada acontece. O Sr. Batista volta para casa com a consciência tranqüila. Havia feito um acordo, pedido um prazo, dera sua palavra que alguns dias depois foi cumprida.
Quanto ao caloteiro, o “sócio” que se aproveitou de sua ingenuidade para usar seus cheques e espalhá-los na praça, nunca honrou suas dívidas e sumiu... Nem por isto o Sr. Batista foi a procura da polícia e o denunciou a fim de tentar reaver seu dinheiro. Simplesmente deu-o por perdido e interiormente se conformou com esta lição que a vida lhe dava. É bom que se frise, entretanto, que nem sempre ele agia assim, pois o mais comum era ir a procura do que era seu e lutar para consegui-lo, como é o caso narrado em suas reminiscências em que se utilizou da amizade de um juiz de direito para cobrar um débito.

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