sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A Bíblia segundo Donoso Cortés

Juan Francisco María de la Salud Donoso Cortés y Fernández Canedo, I marquês de Valdegamas, (Valle de la Serena, Badajoz, 6 de maio de 1809- † París, França, 3 de maio de 1853) foi um grande filósofo de cunho conservador e católico, além de parlamentar, político e diplomata, funcionário da monarquia espanhola. Teve grande influência no pensamento político contrário ao socialismo e ao comunismo em seu tempo. Vejam o que escreveu sobre a Bíblia:

“Há um livro, tesouro de um povo que é hoje fábula e ludibrio da terra, e que foi em tempos passados estrela do Oriente, no qual têm ido beber sua divina inspiração todos os grandes poetas das regiões ocidentais do mundo, e no qual têm aprendido o segredo de levantar os corações. Este livro é a Bíblia.
“Suprimi a Bíblia com a imaginação… e ficarão todos os povos imersos em trevas. A Bíblia que contém todos os modelos de todas as tragédias, de todas as poesias, e de todas as lamentações, contêm também o modelo inimitável de todos os cantos de vitória.
“Se buscais modelos da poesia bucólica, onde encontrareis tão frescos e puros como na época bíblica do patriarcado; quando a mulher, a fonte e a flor eram amigas, porque todas juntas e cada uma por si eram o símbolo da simplicidade primeira da cândida inocência? Donde encontrareis, senão ali, os sentimentos límpidos e castos, o incendido pudor dos esposos, e a misteriosa fragrância das famílias patriarcais?
“Livro prodigioso Aquele, em que o gênero humano há trinta e três séculos começou a ler, e lendo todos os dias, todas as noites e todas as horas, ainda não terminou sua leitura!
“Livro prodigioso aquele, em que se calcula tudo, antes de haver-se inventado a ciência dos cálculos: em que sem estudos lingüísticos, se dá notícia da origem das línguas; em que sem estudos astronômicos, se computam as revoluções dos astros; em que sem documentos históricos, se conta a História; em que sem estudos físicos, se revelam as leis do mundo!
“Livro prodigioso aquele, que vê tudo e tudo sabe. Que sabe os pensamentos que se erguem no coração do homem, e os que estão presentes na mente de Deus; que vê o que se passa nos abismos do mar, e o que sucede nos abismos da terra; que conta ou prediz todas as catástrofes das gentes, e onde se encerram e entesouram todos os tesouros da misericórdia, da justiça e da vingança.
“Livro em fim, que quando os céus se enrolarem sobre si mesmos como um pergaminho gigantesco, a terra desfaleça, o sol recolha sua luz e se apaguem as estrelas, permanecerá, só ele, com Deus, porque é sua eterna palavra ressoando eternamente nas alturas.
“De todos os povos… o hebreu é o único que teve uma notícia certa de Deus…
“Vejamos a nação hebréia, e antes de tudo falemos de seu Deus, porque seu nome está escrito com caracteres imperecíveis em todas as páginas de sua história. Seu nome é Jehová; sua natureza, espiritual; sua inteligência, infinita; sua liberdade, completa: sua independência, absoluta: sua vontade, onipotente.
“A criação foi um ato desta vontade independente e soberana. Quanto criou com seu poder, mantém com sua providência. Mantém os astros em suas órbitas, a terra em seu eixo, o mar em seus limites.
“As gentes se esqueceram de seu nome, e Ele retirou sua mão das gentes, e a inteligência humana se viu envolta , de súbito, em uma eterna noite. Então, Ele elegeu um povo entre todos e lhe chamou a si, e lhe abriu o entendimento para que entendesse, e entendeu, e O adorou posto de joelhos, e caminhou por suas vias, e obedeceu seus mandamentos, e se pôs sob sua mão plena de vinganças e de misericórdias, e executou o encargo de ser o instrumento de seus imperscrutáveis desígnios; e foi a luz da terra.
“Único entre todos os povos, escolhido e governado por Deus, o povo hebreu é também o único, cuja história é um hino sem fim de louvor do Deus que os conduz e governa.
“Separado de todas as sociedades humanas, está só, com Deus, que lhe fala pela voz de seus profetas e sacerdotes, e a quem responde com seus cânticos de adoração.
“Os cânticos hebreus receberam da unidade majestosa de seu Deus sua limpa simplicidade, sua nobre majestade e sua incomparável beleza…
“Povo predestinado, que viu no céu um só Deus, na humanidade um só homem e na terra um só templo. O que caracteriza o povo hebreu, o que o distingue de todos os povos da terra, é a negação de si mesmo, seu aniquilamento diante de seu Deus.
Os Patriarcas. “A primeira palavra de seu Deus é uma promessa; seu primeiro período histórico o Patriarcado… O Patriarca é o tipo da simplicidade e da inocência. Mais que o varão incorruptível e justo, é o menino sem mancha de pecado. Por isso ouve, com freqüência, aquela voz suavíssima e deleitosa com que Deus lhe chama a si; por isso recebe visitas dos Anjos.
“Mais que o homem reto, que anda gozoso pelas vias do Senhor, é o habitante do céu que anda triste pelo mundo, porque perdeu seu caminho e se recorda de sua pátria.
“Seu único pai é Deus; os anjos são seus irmãos. Os Patriarcas eram, então, como os Apóstolos foram depois, o sal da terra. Em vão procurareis pelo mundo, naqueles remotíssimos tempos, o homem, pobre de espírito, rico de fé, manso e simples de coração, modesto nas prosperidades, resignado nas tribulações, de vida inocente, de honestos e pacíficos costumes. O tesouro dessas virtudes aprazíveis resplandeceu somente nas solitárias tendas dos Patriarcas bíblicos.
* Moisés, a águia do Sinai
“Hóspede na terra de Faraó, o povo hebreu … trocou a um tempo seu Deus pelos ídolos, e sua liberdade pela escravidão. Arrancou dela, violentamente, a mão de um homem governado por uma força sobre-humana, o maior dos Profetas de Israel, e o maior entre os filhos dos homens.
Todos os filósofos, legisladores e fundadores de Impérios tiveram antecessores. Só Moisés está sem antecessores.
“Em Moisés tem princípio a época da ameaça. Deus se converteu, de Pai que era, em Senhor; o povo, de filho que era, em escravo: Deus lhe tira a liberdade, em castigo de suas prevaricações e em prêmio de seu resgate. “Eu sou vosso Deus, e vós sois meu povo, havia dito Deus aos santos Patriarcas”; “Eu sou teu Senhor e teu proprietário: o que te livrou da escravidão dos Faraós, isto disse Deus pela boca de Moisés a seu povo prevaricador e rebelde. Deus deixa de falar doce e secretamente aos homens; os anjos já não visitam suas tendas…
“Moisés que é o maior de todos os filósofos, o maior de todos os fundadores de Impérios, é também o maior de todos os poetas.
“A águia do Sinai subiu até o trono resplandecente de Deus, e teve debaixo de suas asas todo o orbe da terra … Na epopéia bíblica, tudo é local e geral, ao mesmo tempo. O Deus de Israel é o Deus de todas as gentes: o povo de Israel é sombra e figura de todos os homens.
* Maria, mais bela do que toda a criação!
“Para conhecer a mulher por excelência; para ter notícia do encargo que recebeu de Deus: para considerar em toda sua beleza imaculada e altíssima; para formar-se alguma idéia de sua influência santificadora, não basta por a vista naqueles belíssimos tipos da poesia hebraica…
“O verdadeiro tipo, o exemplar verdadeiro da mulher não é Rebeca, nem Débora, nem a esposa dos Cânticos dos Cânticos. É necessário ir mais além, e subir mais alto; é necessário chegar à Plenitude dos Tempos, ao cumprimento da primitiva promessa, para surpreender a Deus formando o tipo perfeito da mulher, é necessário subir até o Trono resplandecente de Maria.
“Maria é uma criatura à parte, mais bela por si só que toda a criação; a terra não é digna de servi-la de peanha, nem de almofada os tecidos de brocado; sua alvura excede à neve, “su rosicler al rosicler de los ocielos”, seu resplendor ao esplendor das estrelas.
“Maria é amada de Deus, venerada dos homens, servida dos Anjos. O homem é uma criatura nobilíssima, porque é senhor da terra, cidadão do céu, filho de Deus, porém a mulher se lhe adianta, lhe deslustra e vence, porque Maria tem títulos mais doces e atributos mais altos.
O Pai a chama Filha, e lhe envia embaixadores; o Espírito Santo a chama Esposa, e faz-lhe sombra com suas asas; o Filho a chama Mãe, e faz sua morada em seu sacratíssimo claustro; os Serafins compõem sua corte; os céus a chamam Rainha; os homens a chamam Senhora; nasceu sem mancha, viveu sem pecado, salvou o mundo e morreu sem dor.*
“Vede aí a mulher. Porque Deus, em Maria, as santificou a todas: às virgens, porque ela foi Virgem; às esposas, porque Ela foi Esposa; às viúvas, porque Ela foi Viúva; às filhas, porque ela foi Filha; às mães, porque Ela foi Mãe.
“Grandes e portentosas maravilhas tem obrado o cristianismo no mundo; ele tem feito paz entre o Céu e a terra; tem destruído a escravidão; … porém a mais portentosa de todas as maravilhas, a que mais profundamente tem influído na constituição da sociedade doméstica e da civil, é a santificação da mulher… O Salvador pôs sob seu amparo Madalena, e ao pé da Cruz estavam juntas sua inocentíssima Mãe e a arrependida pecadora, para dar-nos assim, a entender, que seus amorosos braços estavam abertos … à inocência e ao arrependimento.

(Donoso Cortês, Obras Completas, Ed. S. Francisco de Sales, Madrid, 1904, V. II, pp. 67 a 97).
________________________________________

Nenhum comentário:

Postar um comentário