Nosso Senhor Jesus Cristo nos convida à
Confiança
Voz de Cristo, voz misteriosa da graça que ressoa no
silêncio dos corações, vós murmurais no fundo das nossas consciências palavras
de doçura e de paz. Às nossas misérias presentes repetis o conselho que o
Mestre dava, freqüentemente, durante a sua vida mortal: “Confiança, confiança!”
À alma culpada, oprimida sob o peso de suas faltas,
Jesus dizia: “Confiança, filha, teus
pecados te serão perdoados!”[1] “Confiança”, dizia ainda à doente
abandonada que só d’Ele esperava a cura, “tua
fé te salvou”[2].
Quando os Apóstolos tremiam de pavor
vendo-O caminhar, de noite, sobre o lago de Genesaré, Ele os tranqüilizava por
esta expressão pacificadora: “Tende confiança!
Sou Eu, nada temais!”[3] E
na noite da Ceia, conhecendo os frutos infinitos de seu Sacrifício, lançava
Ele, ao partir para a morte, o brado de triunfo: “Confiança! Confiança! Eu venci o mundo!...”[4]
Esta palavra divina, ao cair de seus lábios adoráveis,
vibrante de ternura e de piedade, operava nas almas uma transformação maravilhosa.
Um orvalho sobrenatural lhes fecundava a aridez, clarões de esperança lhes dissipavam
as trevas, uma calma serenidade delas afugentava a angústia. Pois as palavras do Senhor são “espírito e vida”[5].
“Bem-aventurados os que a ouvem e a põem em prática”[6]
Como outrora aos seus discípulos, é a nós, agora, que
Nosso Senhor convida à confiança. Porque recusaríamos atender à sua voz?...
Muitas almas têm medo de Deus
Poucos cristãos, mesmo entre os fervorosos, possuem
essa confiança que exclui toda ansiedade e toda hesitação. Várias são as causas
dessa deficiência. O Evangelho narra que a pesca miraculosa aterrou São Pedro.
Com a impetuosidade habitual, ele mediu de relance a distância infinita que separava
da sua própria pequenez a grandeza do Mestre. Tremeu de terror sagrado, e
prosternando-se, a face contra a terra : “Afastai-Vos
de mim, Senhor, exclamou, que sou um
pecador!”[7]
Certas almas têm, como o Apóstolo, esse terror. Elas
sentem tão vivamente a própria indigência e as próprias misérias, que mal ousam
aproximar-se da Divina Santidade. Parece-lhes que um Deus assim puro deveria
sentir repulsão ao inclinar-Se para elas. Triste impressão, que lhes dá à vida
interior uma atitude contrafeita, e, por vezes, a paralisa completamente.
Como se enganam essas almas!
Logo aproximou-se Jesus do Apóstolo assustado: “Não temas” [8] disse-lhe,
e o fez levantar-se...
Vós também, cristãos, que do seu amor tantas provas
recebestes, nada temais! Nosso Senhor receia acima de tudo que tenhais medo d’Ele.
Vossas imperfeições, vossas fraquezas, vossas faltas, mesmo graves, vossas
reincidências tão freqüentes, nada O desanimará, contanto que desejeis sinceramente
converter-vos. Quanto mais miseráveis sois, mais Ele tem compaixão de vossa
miséria, mais deseja cumprir, junto a vós, sua missão de Salvador...
Não foi sobretudo para os pecadores que Ele veio à
terra?...[9]
A outras falta a fé
A outras almas falta a fé. Elas têm certamente essa fé
comum, sem a qual trairiam a graça do Batismo. Crêem que Nosso Senhor é
todo-poderoso, bom e fiel a suas promessas; mas não sabem aplicar essa crença
às suas necessidades particulares. Não são dominadas pela convicção irresistível
de que Deus, atento às suas provações, para elas Se volte a fim de socorrê-las.
Jesus Cristo pede-nos, no entanto, essa fé especial e
concreta. Ele a exigia outrora como condição indispensável dos seus milagres;
espera-a ainda de nós, antes de nos conceder os seus benefícios...
“Se podes crer,
tudo é possível àquele que crê”...[10] dizia ao pai do pequenino possesso. E, no convento de
Paray-le-Monial, empregando quase os mesmos termos, repetia a Santa Margarida
Maria: “Se puderes crer, verás o poder do
meu Coração na magnificência do meu amor...”
Podeis crer? Podereis chegar a essa certeza tão forte
que nada a abala, tão clara que equivale à evidência?...
Isso é tudo. Quando chegardes a esse grau de confiança
vereis maravilhas realizarem-se em vós...
Pedi ao Mestre Divino que aumente a vossa fé. Repeti-lhe com freqüência a prece do
Evangelho: “Eu creio, Senhor, mas ajudai
a minha incredulidade!...”[11]
Esta desconfiança de Deus lhes é muito
prejudicial
A desconfiança, sejam quais forem suas causas, nos
traz prejuízo, privando-nos de grandes bens.
Quando São Pedro, saltando da barca, se lançou ao
encontro do Salvador, caminhou, a princípio, com firmeza sobre as ondas.
Soprava o vento com violência. As vagas ora levantavam-se em turbilhões
furiosos ora cavavam no mar abismos profundos... A voragem abria-se diante do
Apóstolo. Pedro tremeu... hesitou um segundo, e, logo, começou a
afundar... “Homem de pouca fé, disse-lhe Jesus, por que duvidaste?...”[12]
Eis a nossa história. Nos momentos de fervor, ficamos
tranqüilos e recolhidos ao pé do Mestre. Vindo a tempestade, o perigo absorve a
nossa atenção. Desviamos então os olhares de Nosso Senhor para fitá-los ansiosamente
sobre os nossos sofrimentos e perigos. Hesitamos... e afundamos logo!
Assalta-nos a tentação. O dever se nos torna enfadonho, a sua austeridade nos
preocupa, o seu peso nos oprime. Imaginações perturbadoras nos perseguem. A
tormenta ruge na inteligência, na sensibilidade, na carne...
E perdemos pé; caímos no pecado, caímos no desânimo,
mais pernicioso do que a própria falta. Almas sem confiança, por que duvidamos?
A provação nos assalta de mil maneiras. Ora os
negócios temporais periclitam, o futuro material nos inquieta. Ora a maldade
ataca-nos a reputação. A morte quebra os laços de afeições das mais legítimas e
carinhosas. Esquecemos, então, o cuidado maternal que tem por nós a
Providência... Murmuramos,
revoltamo-nos, aumentamos assim as dificuldades e o travo doloroso do nosso
infortúnio.
Almas sem confiança, por que duvidamos?
Se nos tivéssemos apegados ao Divino Mestre com uma
confiança tanto maior quanto mais desesperada parecesse a situação, nenhum mal
desta nos adviria... Teríamos caminhado calmamente sobre as ondas; teríamos
chegado, sem tropeços, ao golfo tranqüilo e seguro, e, breve, teríamos achado a
plaga hospitaleira que a luz do Céu ilumina...
Os Santos lutaram com as mesmas dificuldades... muitos
dentre eles cometeram as mesmas faltas. Mas estes, ao menos, não duvidaram...
Ergueram-se sem tardança, mais humildes após a queda, não contando, desde então,
senão com os socorros do Alto... Conservaram no coração a certeza absoluta de
que, apoiados em Deus, tudo poderiam. Não foram iludidos nessa confiança. [13]
Tornai-vos, pois, almas confiantes. Nosso Senhor a
isso vos convida; e o vosso interesse assim o exige. Tornar-vos-ei, ao mesmo
tempo, almas iluminadas, almas de paz.
(cap.
I, 1, 2 e 3 do LIVRO DA CONFIANÇA, do Padre Thomas de Saint-Laurent)
AS NOSSAS INFIDELIDADES REITERADAS NÃO DEVE FAZER-NOS PERDER
A COFIANÇA EM DEUS. SÓ A PERDEMOS POR TERMOS FALTA DE FÉ
Deus,
pai terno de todas as suas criaturas, empregou todos os meios para tranquilizá-las
contra estes temores excessivos que as afastam d’Ele. Receando que,
compenetrado da sua ingratidão, espantado com as suas infidelidades reiteradas,
depois de tantas vezes lhes haver obtido o perdão, o homem perdesse toda a
esperança e não mais ousasse dirigir-se a Ele para sair do abismo em que seria
precipitado, não somente Ele lhe assegura que os que esperam n’Ele não serão
confundidos (Sl 21), mas lhe declara de maneira bem precisa a sua vontade
misericordiosa sobre este ponto importante: impõe-lhe como preceito esperar n’Ele.
Este
preceito, só podemos cumpri-lo ultimamente pela sua graça. Poderia Deus ter
estabelecido esse preceito se não tivesse querido ajudar-nos? E, se o
estabeleceu, pode não ficar sensibilizado com a nossa obediência, quando o
invocamos na sinceridade do nosso coração? Pode abandonar-nos, quando cumprimos
aquilo que Ele nos prescreveu para obtermos o seu socorro? Não; Deus não falta
à sua palavra. Se sucumbirmos, é que a nossa confiança se enfraquece, é que
temos falta de Fé.
Quereis
uma prova e um exemplo disto? Fornecer-vo-los-á o Evangelho. Fiado na palavra
de Jesus Cristo, Pedro, cheio de confiança, anda sobre as águas. O vento vem a
soprar, a confiança do Apóstolo diminui: ele teme, começa a afundar. Excitando
o temor, o perigo reanima a confiança: Pedro recorre ao seu divino Mestre, que
lhe estende a mão para impedi-lo de perecer. Para nos instruir, Jesus não quis
deixar seu Apóstolo ignorar a causa do perigo que este havia corrido. Exprobrou-lhe
a sua falta de confiança: “Homem de
pouca fé, diz-lhe Ele, por que duvidaste?”
Imagem
natural, esta, do que sobejas vezes acontece a uma alma cristã. Enquanto tudo
está em paz no seu coração, ela anda com confiança para ir a Jesus Cristo,
conforme Ele a chama. Mas acaso o vento da tentação vem a elevar-se? Acaso as
dificuldades da virtude fazem-se sentir? Então ela se perturba, esquece-se de
que anda fundada na palavra de Jesus Cristo, começa a temer; hesita na sua
confiança, que se enfraquece sempre mais por essa infidelidade: e ela começa a
afundar; e, se a volta da confiança não lhe atrai um pronto socorro, ela
sucumbe,
São
Pedro estava perdido, se não houvesse chamado Jesus para salvá-lo; e esse bom
Mestre não lhe faltou. Se uma alma cristã, depois de imitar a fraqueza desse
Apóstolo, em vez de perder um tempo precioso em se assustar, em se lamentar, invocasse
como ele o seu Salvador, logo experimentaria a proteção d’Ele; evitaria tantas
quedas, tantas inquietações que a sua pouca confiança lhe ocasiona. Mas, neste
caso, só deve ela queixar-se de si mesma, se não aproveita o socorro que está
sempre pronto, que lhe é sempre oferecido. Ela conhece o perigo, sabe o meio de
se subtrair a ele: é realmente culpa sua se não segue essa luz.
(“Tratado
do Desânimo nas Vias da Piedade” – Padre J. Michel, SJ – Ed. Vozes, págs.
27/29)
[1] Confide,
filii, remittuntur tibi pecata tua (MT 9, 2)
[2] Confide,
filii, tua te salvam fecit (Mt 9, 22)
[3]
Confidite, ego sum, nolite timere (Mc 4, 50)
[4]
Confidite, ego vici mundum (Jo 6, 33)
[6] Beati
qui audiunt verbum Dei et custodiunt ilud (Lc 9, 28)
[7] Exi a
me, quia homo peccator sum, Domine (Lc 5, 8)
[8] Noli
timere (Lc 5, 10)
[9] Non enim
veni vocare justos sed peccatores (Mc 2, 17)
[10] Si
credere potes, omnia possibilita sunt credenti (Mc 9, 22)
[11] Credo,
Domine, adjuva incredulitatem meam (Mc 9, 23)
[12] Modicae
fidei, quare dubitasti? (MT 14, 31)
[13] Spes autem non confundit (ROM 5, 5)
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