quinta-feira, 11 de junho de 2020

TENDE CONFIANÇA, NADA TEMAIS!






Nosso Senhor Jesus Cristo nos convida à Confiança
Voz de Cristo, voz misteriosa da graça que ressoa no silêncio dos corações, vós murmurais no fundo das nossas consciências pa­lavras de doçura e de paz. Às nossas misérias presentes repetis o conselho que o Mestre dava, freqüentemente, durante a sua vida mortal: “Confiança, confiança!”
À alma culpada, oprimida sob o peso de suas faltas, Jesus dizia: “Confiança, filha, teus pecados te serão perdoados!”[1]  “Confiança”, dizia ainda à doente abandonada que só d’Ele esperava a cura, “tua fé te salvou”[2]. Quando os  Apóstolos tremiam de pavor vendo-O cami­nhar, de noite, sobre o lago de Genesaré, Ele os tranqüilizava por esta expressão pacificadora: “Tende confiança! Sou Eu, nada te­mais!”[3] E na noite da Ceia, conhecendo os frutos infinitos de seu Sacri­fício, lançava Ele, ao partir para a morte, o brado de triunfo: “Confiança! Confiança! Eu venci o mundo!...”[4]
Esta palavra divina, ao cair de seus lábios adoráveis, vibrante de ternura e de piedade, operava nas almas uma transformação ma­ravilhosa. Um orvalho sobrenatural lhes fecundava a aridez, clarões de esperança lhes dissipavam as trevas, uma calma serenidade delas afugentava a angústia.  Pois as palavras do Senhor são “espírito e vida”[5]. “Bem-aventurados os que a ouvem e a põem em prática”[6]
Como outrora aos seus discípulos, é a nós, agora, que Nosso Senhor convida à confiança. Porque recusaríamos atender à sua voz?...

Muitas almas têm medo de Deus
Poucos cristãos, mesmo entre os fervorosos, possuem essa confiança que exclui toda ansiedade e toda hesitação. Várias são as causas dessa deficiência. O Evangelho narra que a pesca miraculosa aterrou São Pedro. Com a impetuosidade habitual, ele mediu de re­lance a distância infinita que separava da sua própria pequenez a grandeza do Mestre. Tremeu de terror sagrado, e prosternando-se, a face contra a terra : “Afastai-Vos de mim, Senhor, exclamou, que sou um pecador!”[7]
Certas almas têm, como o Apóstolo, esse terror. Elas sentem tão vivamente a própria indigência e as próprias misérias, que mal ousam aproximar-se da Divina Santidade. Parece-lhes que um Deus assim puro deveria sentir repulsão ao inclinar-Se para elas. Triste impressão, que lhes dá à vida interior uma atitude contrafeita, e, por vezes, a paralisa completamente.
Como se enganam essas almas!
Logo aproximou-se Jesus do Apóstolo assustado: “Não temas” [8] disse-lhe, e o fez levantar-se...
Vós também, cristãos, que do seu amor tantas provas recebestes, nada temais! Nosso Senhor receia acima de tudo que tenhais medo d’Ele. Vossas imperfeições, vossas fraquezas, vossas faltas, mesmo graves, vossas reincidências tão freqüentes, nada O desanimará, contanto que desejeis sinceramente converter-vos. Quanto mais miseráveis sois, mais Ele tem compaixão de vossa miséria, mais deseja cumprir, junto a vós, sua missão de Salvador...
Não foi sobretudo para os pecadores que Ele veio à terra?...[9]

A outras falta a fé
A outras almas falta a fé. Elas têm certamente essa fé comum, sem a qual trairiam a graça do Batismo. Crêem que Nosso Senhor é todo-poderoso, bom e fiel a suas promessas; mas não sabem aplicar essa crença às suas necessidades particulares. Não são dominadas pela convicção irresistível de que Deus, atento às suas provações, para elas Se volte a fim de socorrê-las.
Jesus Cristo pede-nos, no entanto, essa fé especial e concreta. Ele a exigia outrora como condição indispensável dos seus milagres; espera-a ainda de nós, antes de nos conceder os seus benefícios...
“Se podes crer, tudo é possível àquele que crê”...[10] dizia ao pai do pequenino possesso. E, no convento de Paray-le-Monial, empregando quase os mesmos termos, repetia a Santa Margarida Maria: “Se puderes crer, verás o poder do meu Coração na magnificência do meu amor...”
Podeis crer? Podereis chegar a essa certeza tão forte que nada a abala, tão clara que equivale à evidência?...
Isso é tudo. Quando chegardes a esse grau de confiança vereis maravilhas realizarem-se em vós...
Pedi ao Mestre Divino que aumente a vossa fé.  Repeti-lhe com freqüência a prece do Evangelho: “Eu creio, Senhor, mas ajudai a minha incredulidade!...”[11]

Esta desconfiança de Deus lhes é muito prejudicial
A desconfiança, sejam quais forem suas causas, nos traz prejuízo, privando-nos de grandes bens.
Quando São Pedro, saltando da barca, se lançou ao encontro do Salvador, caminhou, a princípio, com firmeza sobre as ondas. Soprava o vento com violência. As vagas ora levantavam-se em turbilhões furiosos ora cavavam no mar abismos profundos... A voragem abria-se diante do Apóstolo. Pedro tremeu... hesitou um segundo, e, logo, começou a afundar...  “Homem de pouca fé, disse-lhe Jesus, por que duvidaste?...”[12]
Eis a nossa história. Nos momentos de fervor, ficamos tranqüilos e recolhidos ao pé do Mestre. Vindo a tempestade, o perigo absorve a nossa atenção. Desviamos então os olhares de Nosso Senhor para fitá-los ansiosamente sobre os nossos sofrimentos e perigos. Hesitamos... e afundamos logo! Assalta-nos a tentação. O dever se nos torna enfadonho, a sua austeridade nos preocupa, o seu peso nos oprime. Imaginações perturbadoras nos perseguem. A tormenta ruge na inteligência, na sensibilidade, na carne...
E perdemos pé; caímos no pecado, caímos no desânimo, mais pernicioso do que a própria falta. Almas sem confiança, por que duvidamos?
A provação nos assalta de mil maneiras. Ora os negócios temporais periclitam, o futuro material nos inquieta. Ora a maldade ataca-nos a reputação. A morte quebra os laços de afeições das mais legítimas e carinhosas. Esquecemos, então, o cuidado maternal que tem por nós a Providência...  Murmuramos, revoltamo-nos, aumentamos assim as dificuldades e o travo doloroso do nosso infortúnio.
Almas sem confiança, por que duvidamos?
Se nos tivéssemos apegados ao Divino Mestre com uma confiança tanto maior quanto mais desesperada parecesse a situação, nenhum mal desta nos adviria... Teríamos caminhado calmamente sobre as ondas; teríamos chegado, sem tropeços, ao golfo tranqüilo e seguro, e, breve, teríamos achado a plaga hospitaleira que a luz do Céu ilumina...
Os Santos lutaram com as mesmas dificuldades... muitos dentre eles cometeram as mesmas faltas. Mas estes, ao menos, não duvidaram... Ergueram-se sem tardança, mais humildes após a queda, não contando, desde então, senão com os socorros do Alto... Conservaram no coração a certeza absoluta de que, apoiados em Deus, tudo poderiam. Não foram iludidos nessa confiança. [13]
Tornai-vos, pois, almas confiantes. Nosso Senhor a isso vos convida; e o vosso interesse assim o exige. Tornar-vos-ei, ao mesmo tempo, almas iluminadas, almas de paz.

(cap. I, 1, 2 e 3 do LIVRO DA CONFIANÇA, do Padre Thomas de Saint-Laurent)

AS NOSSAS INFIDELIDADES REITERADAS NÃO DEVE FAZER-NOS PERDER A COFIANÇA EM DEUS. SÓ A PERDEMOS POR TERMOS FALTA DE FÉ

Deus, pai terno de todas as suas criaturas, empregou todos os meios para tranquilizá-las contra estes temores excessivos que as afastam d’Ele. Receando que, compenetrado da sua ingratidão, espantado com as suas infidelidades reiteradas, depois de tantas vezes lhes haver obtido o perdão, o homem perdesse toda a esperança e não mais ousasse dirigir-se a Ele para sair do abismo em que seria precipitado, não somente Ele lhe assegura que os que esperam n’Ele não serão confundidos (Sl 21), mas lhe declara de maneira bem precisa a sua vontade misericordiosa sobre este ponto importante: impõe-lhe como preceito esperar n’Ele.
Este preceito, só podemos cumpri-lo ultimamente pela sua graça. Poderia Deus ter estabelecido esse preceito se não tivesse querido ajudar-nos? E, se o estabeleceu, pode não ficar sensibilizado com a nossa obediência, quando o invocamos na sinceridade do nosso coração? Pode abandonar-nos, quando cumprimos aquilo que Ele nos prescreveu para obtermos o seu socorro? Não; Deus não falta à sua palavra. Se sucumbirmos, é que a nossa confiança se enfraquece, é que temos falta de Fé.
Quereis uma prova e um exemplo disto? Fornecer-vo-los-á o Evangelho. Fiado na palavra de Jesus Cristo, Pedro, cheio de confiança, anda sobre as águas. O vento vem a soprar, a confiança do Apóstolo diminui: ele teme, começa a afundar. Excitando o temor, o perigo reanima a confiança: Pedro recorre ao seu divino Mestre, que lhe estende a mão para impedi-lo de perecer. Para nos instruir, Jesus não quis deixar seu Apóstolo ignorar a causa do perigo que este havia corrido. Exprobrou-lhe a     sua falta de confiança: “Homem de pouca fé, diz-lhe Ele, por que duvidaste?”
Imagem natural, esta, do que sobejas vezes acontece a uma alma cristã. Enquanto tudo está em paz no seu coração, ela anda com confiança para ir a Jesus Cristo, conforme Ele a chama. Mas acaso o vento da tentação vem a elevar-se? Acaso as dificuldades da virtude fazem-se sentir? Então ela se perturba, esquece-se de que anda fundada na palavra de Jesus Cristo, começa a temer; hesita na sua confiança, que se enfraquece sempre mais por essa infidelidade: e ela começa a afundar; e, se a volta da confiança não lhe atrai um pronto socorro, ela sucumbe,
São Pedro estava perdido, se não houvesse chamado Jesus para salvá-lo; e esse bom Mestre não lhe faltou. Se uma alma cristã, depois de imitar a fraqueza desse Apóstolo, em vez de perder um tempo precioso em se assustar, em se lamentar, invocasse como ele o seu Salvador, logo experimentaria a proteção d’Ele; evitaria tantas quedas, tantas inquietações que a sua pouca confiança lhe ocasiona. Mas, neste caso, só deve ela queixar-se de si mesma, se não aproveita o socorro que está sempre pronto, que lhe é sempre oferecido. Ela conhece o perigo, sabe o meio de se subtrair a ele: é realmente culpa sua se não segue essa luz.

(“Tratado do Desânimo nas Vias da Piedade” – Padre J. Michel, SJ – Ed. Vozes, págs. 27/29)



[1] Confide, filii, remittuntur tibi pecata tua (MT 9, 2)
[2] Confide, filii, tua te salvam fecit (Mt 9, 22)
[3] Confidite, ego sum, nolite timere (Mc 4, 50)
[4] Confidite, ego vici mundum (Jo 6, 33)
[5] Verba quae ego locutus sum vobis, spiritus et vita sunt  (Jo 6, 64)
[6] Beati qui audiunt verbum Dei et custodiunt ilud (Lc 9, 28)
[7] Exi a me, quia homo peccator sum, Domine (Lc 5, 8)
[8] Noli timere (Lc 5, 10)
[9] Non enim veni vocare justos sed peccatores (Mc 2, 17)
[10] Si credere potes, omnia possibilita sunt credenti (Mc 9, 22)
[11] Credo, Domine, adjuva incredulitatem meam (Mc 9, 23)
[12] Modicae fidei, quare dubitasti? (MT 14, 31)
[13] Spes autem non confundit (ROM 5, 5)

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