domingo, 27 de junho de 2021

O Patriarcado

 


Quando Deus criou o Homem, fez dele o elemento principal de uma família, que não poderia subsistir sem ele. Fez depois a mulher para que, com ela, obtivesse os filhos necessários à formação de seu núcleo familiar. O conjunto formado pelo casal, filhos e, eventualmente, os serviçais, sob a direção do homem, deu origem à palavra “família” (do latim “famulus”). Foi desta forma que surgiu o Patriarcado no mundo, uma instituição divina que, entretanto, cresceu naturalmente no correr do tempo. Deus não só instituiu o Patriarcado, mas criou uma “sociedade” dos santos patriarcas, conforme consta no livro de Tobias: “...Nesta mesma noite, queimando o fígado do peixe, será posto em fuga o demônio. Na segunda noite serás admitido na sociedade dos santos patriarcas. Na terceira noite conseguirás a bênção, para que de vós nasçam filhos robustos. Passada a terceira noite tomarás a donzela no temor do Senhor, levado mais pelo desejo de ter filhos do que por sensualidade, a fim de conseguires nos filhos a bênção reservada à descendência de Abraão”. (Tob 6, 19-22). Esta “Sociedade Patriarcal” era constituída de uma contínua sucessão de homens fiéis a Deus, tendo recebido d’Ele a bênção especial da progenitura e da propagação de sua estirpe. E em respeito ao princípio do Patriarcado, até mesmo aqueles que pecaram e se enveredaram pelo caminho do mal obtiveram de Deus que seus nomes fossem mencionados com respeito e veneração pelas gerações futuras. É o caso, por exemplo, dos patriarcas Ismael, Esaú, Moab, etc, A Sagrada Escritura faz suas revelações colocando em destaque sempre os Patriarcas. Eva só é importante enquanto companheira do Patriarca Adão. Depois de Eva, por muito tempo não se fala senão nos homens ou patriarcas. Adão e Eva tiveram muitas filhas, mas na Bíblia só se fala em Caim e Abel. Quando Caim se casou se registra o fato assim: “E Caim conheceu sua mulher, a qual concebeu e deu à luz Henoc”. Quem era esta mulher de Caim? Evidentemente que era uma filha de Adão, merecendo portanto ser pelo menos nominada, mas não se sabe quem foi. Importante é Caim, é Set, é Henoc, porque eram patriarcas. A Sagrada Escritura começa a falar de mulheres para registrar o surgimento da poligamia: “E este tomou duas mulheres, uma chamada Ada, e outra Sela” (Gn 4, 17-19). Mas logo em seguida os filhos masculinos de Ada são citados, Jabel e Jubal, assim como o de Sela, Tubalcain, ao lado de sua irmã Noema. Jabel era designado como um dos que “habitava sob tendas e dos pastores”, Jubal foi o mestre, o pai, dos que tocam cítara e órgão, Tubalcain era artífice em toda qualidade de obras de cobre e de ferro, mas de Noema nada se fala. Ela poderia ter sido, por exemplo, exímia na arte de tecer, mas nada se diz.

Em seguida a Sagrada Escritura fala de Set, filho de Adão. Depois, dentre os filhos de Set fala-se apenas de Enós, por que este “começou a invocar o nome do Senhor”. E toda a genealogia de Adão segue assim: gerou filhos e filhas, mas depois de Set aparece apenas citado o nome de Enós, que gerou Cainan, que gerou Malaleel, que gerou Jared, que gerou Henoc, que gerou Matusalém, etc. Henoc também gerou filhos e filhas, mas apenas os filhos são citados. Matusalém gerou Lamec, que gerou Noé. Todos estes patriarcas viveram trezentos, quatrocentos, quinhentos ou até novecentos anos, e geraram filhos e filhas. Mas apenas seus nomes são citados. Por que? Porque eles eram os patriarcas, eram os chefes das clãs, os principais - os demais, dentre os quais as mulheres, não tinham tanta importância para serem citados ou lembrados.

Inicialmente, a mulher foi citada como a grande vencedora da serpente: "Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela, e ela te pisará a cabeça com seu calcanhar" (Gên 3-15). Depois, as mulheres começaram a ser referidas de uma forma coletiva (sem citar nomes) nas ocasiões em que causavam a perdição dos homens. Foi assim que “tendo os homens começado a multiplicar-se sobre a terra, e tendo gerado filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram por suas mulheres...” Na Sagrada Escritura, alguns interpretam que “filhos de Deus” eram aqueles que viviam santamente, os descendentes de Set, mas o próprio Santo Agostinho interpreta o termo "filhos de Deus" como sendo os anjos. A interpretação de Santo Agostinho é corretíssima, pois não haveria motivos para a Bíblia se referir aos "filhos de Deus" como sendo os homens, porquanto era comum os homens tomarem as mulheres para si. Embora não possa se descartar a idéia de se chamar os homens bons também de “filhos de Deus”, que realmente eles o são. Pelo texto se entende, então, que alguns anjos tomaram algumas das filhas dos homens como mulheres. E como se trata de uma ação maléfica, se depreende que tais anjos eram os demônios. De outro lado, as chamadas “filhas dos homens” eram as que praticavam o pecado, as descendentes de Caim. A coisa chegou a tal ponto que geraram gigantes entre eles, “homens possantes e desde há muito afamados” (Gên 6, 4). A decadência era tamanha que Deus resolveu acabar com a humanidade e mandou o dilúvio. Em atenção a Noé, Patriarca puro e fiel a Deus, foi preservada a sua posteridade e dado continuidade ao povoamento da terra pelos homens. Quando tinha quinhentos anos, Noé teve seus filhos. Quais eram os filhos de Noé? Sem, Cam e Jafet. Na hora de entrar na arca, entraram também as mulheres de Noé e dos filhos, mas quem eram elas? Não se sabe, pois seus nomes não são citados. Após o dilúvio, saíram todos da Arca e está escrito: “Estes são os três filhos de Noé, e por eles se propagou todo o gênero humano sobre a terra”. (Gn 9, 10). Propagou-se como? A Sagrada Escritura não fala mais sobre as mulheres dos filhos de Noé nem de outras pessoas. A partir daí se começa a descrever toda a genealogia patriarcal da posteridade de Noé.

Dois foram, portanto, os principais patriarcas da Humanidade, Adão e Noé, mas seus descendentes citados na Bíblia eram somente patriarcas das épocas em que viveram. Vieram depois os patriarcas do povo eleito, Abraão, Isaac e Jacó (depois mudado o nome para Israel pelo Anjo).

sábado, 26 de junho de 2021

MEM DE SÁ, O GRANDE HERÓI DO BRASIL

 


 

 

a)     a) A Contra-Reforma no Brasil ou a Contra-Revolução possível

 Após atribulada viagem de oito meses, finalmente Mem de Sá chegou ao Brasil em fins de 1557. Irmão do piedoso e conhecido poeta Francisco Sá de Miranda, era ele detentor de grande prestígio e conceito na corte, exercendo o cargo de desembargador, fidalgo da Casa e do Conselho do Rei. Católico fervoroso, a primeira coisa que fez ao desembarcar na Bahia foi ter com os jesuítas, indo “recolher-se em um cubículo dos religiosos da Companhia de Jesus, e tomar aí por oito dias os exercícios espirituais de nosso santo patriarca Inácio, à instrução do Padre Manuel da Nóbrega, consultando com Deus, e com seu instrutor (que conhecia por zeloso, e santo) os meios mais suaves, com que poderia conseguir o intento Del-rei seu senhor, e o seu, que era o maior bem do estado, e conversão dos índios; e para todas as ações que depois obrou, ficou animadíssimo, começando em primeiro lugar por sua pessoa, com vida exemplar, que uniformemente continuou até expirar”[1]

O espírito católico de Mem de Sá foi, assim, aperfeiçoado e requintado com os exercícios espirituais inacianos. Daí para frente os cronistas registram uma contínua procura de perfeição e prática da bondade. Como se comportava o novo Governador em sua vida de piedade?  O Padre Simão de Vasconcelos nos diz:

“Rezava o ofício divino todos os dias; infalivelmente vinha ouvir missa ante manhã ao nosso colégio; confessava, e comungava todos os sábados, por dias mais desocupados para ele que os domingos. Era contínuo em assistir às pregações, e dava aos pregadores pias advertências. Era brando, e benigno para com todos, e tão inclinado à virtude que a não ser a obrigação de seu cargo, escolhera de boa vontade (como ele dizia) ser um dos particulares obreiros e missionários da companhia; mas se não na profissão o não foi, parecia-o no trato familiar, e respeito que tinha aos nossos, especialmente ao Padre Manuel da Nóbrega, a quem consultava em tudo, e sem cujo conselho nada obrava”.[2]

 

Situação encontrada por Mem de Sá

Vinha o nobre português já sabendo que aqui não encontraria comodidades, mas um trabalho árduo e martirizante. Num esboço biográfico de Mem de Sá, São José de Anchieta assim se refere ao estado das coisas no Brasil quando da chegada do grande governador:

“Envolta, há séculos, no horror da escuridão idolátrica, houve nas terras do Sul uma nação, que dobrava a cabeça ao jugo do tirano infernal, e levava uma vida vazia de luz divina. Imersa na mais triste miséria, soberba, desenfreada, cruel, atroz, sanguinária, mestre em trespassar a vítima com a seta ligeira, mais feroz que o tigre, mais voraz que o lobo, mais assanhada que o lebréu, mais audaz que o leão, saciava o ávido ventre com carnes humanas. Por muito tempo tramou emboscadas: seguia, no seu viver de feras, o exemplo do rei dos infernos, que por primeiro trouxe a morte ao mundo, enganando nossos primeiros pais. Dilacerava o corpo de muitos com atrozes tormentos, e, embriagado de furor e soberba ia enlutando os povos cristãos com mortes freqüentes”[3]  

Mais adiante, na mesma obra, São José de Anchieta completa a descrição do  estado bárbaro e desumano dos nossos índios:

“(...) O bárbaro expandindo sua ira quebrantava as leis da natureza e os divinos preceitos do Pai onipotente cevando as queixadas bestiais em corpos humanos! Essa raça selvagem, sem a menor lei, perpetrava crimes horrendos contra os mandados divinos, proferindo impunemente ameaças contínuas e altivos discursos. Então com arrogância o índio sanhudo olhava para os cristãos, e estes, entrincheirados detrás de seus muros, tremiam de pavor vergonhoso: como quando lobos vorazes, que a fome impiedosa açula e avassala, rangendo os dentes, cobiçam, à ronda do aprisco, espostejar os tenros cordeiros e extinguir a sede ardente no sangue que sugam; lá dentro as ovelhas estremecem e fremem com medo das feras que rondam fora, mal confiadas no aprisco”[4]

Para piorar, havia ainda a triste situação de alguns clérigos corrompidos,  que estimulavam este estado de coisas em vez de combatê-lo. Tornava-se necessário fazer algo para pôr fim a tudo isso. Os padres da Companhia de Jesus, sozinhos, ainda pouquíssimos e divididos ao longo de terras tão extensas, necessitavam de um apoio maior par seu trabalho. Era necessário que surgisse um herói, um santo de grande quilate para dar início a este trabalho de suporte das missões jesuíticas. Quem seria este herói?

Mem de Sá:

“Mas um dia o Pai onipotente volveu os olhares do reino da luz à noite das regiões brasileiras, às terras que suavam, aos borbotões, sangue humano. Então mandou-lhes um herói das plagas do Norte, um herói que vingasse os crimes nefandos, que banisse as discórdias, freasse o assassínio, bárbaro e contínuo, acabasse com as guerras horrendas, abrandasse os peitos ferozes e não sofresse impassível cevar-se em sangue de irmão queixadas humanas...”[5]

 

Apoio governamental aos jesuítas

Pode-se dizer que, de algum modo, houve uma ação típica da Contra-Reforma no Brasil. Os princípios renascentistas, com mistos de luteranismo e calvinismo, infestavam as ordens religiosas, a maioria em franca decadência com a frouxidão dos costumes e de suas regras.  Isto não se dava, porém, com a Companhia de Jesus, onde a ortodoxia, a fidelidade à Igreja, o fiel cumprimento de suas regras, mantinham seus membros em franca oposição aos avanços revolucionários.  Era necessário, porém, o apoio governamental para que a ação dos padres jesuítas obtivesse êxito. Deveria haver uma ação combinada para operar a conversão dos índios e a transformação do Brasil num país cristão.

Em fins do ano seguinte à chegada de Mem de Sá, a Rainha manda uma carta aos vereadores e procuradores da cidade de Salvador, onde expressa o seu empenho em que os padres da Companhia de Jesus sejam ajudados em seu apostolado, exigindo dos portugueses que tratem bem dos índios:

“(...) aos gentios que se fizerem cristãos tratem bem; e não os avexeis; nem lhes tomeis suas terras; porque, além disto assim ser razão e justiça, receberei muito contentamento em o assim fazerdes, pelo exemplo que os outros gentios receberão. Agradecer-vos-ei  muito terdes destas coisas muita lembrança e em efetuardes como confio; porque do contrário poderá deixar de me desaprazer muito”[6]

 

O jugo da lei predispôs os indígenas às graças divinas

Era opinião desposada pelos jesuítas, como consta no “Diálogo Sobre a Conversão dos Gentios” do Padre Manuel da Nóbrega, de que era urgente impor aos índios o jugo da Lei, pois somente assim ficariam dóceis à atividade missionária dos padres. E quem poderia fazê-lo senão o Governador?  Era uma exigência primordial de amparo ao trabalho apostólico dos missionários jesuítas. E foi assim que Mem de Sá, “de início, para poder jungir esses rudes selvagens ao jugo da lei e moldá-los pela doutrina de Cristo, ordena que deixados recôncavos, campos, florestas, acorram de todas as partes a um mesmo local e aí construam suas casas, ergam novas aldeias e comecem a deixar os antigos costumes de feras; não vagueiem daqui e dali, como tigres, pelos cerrados”[7]

Mem de Sá começa por acabar com o nomadismo dos índios, ordenando que viessem morar em aldeias fixas. Somente a partir daí se poderia aplicar as leis. Tal medida era necessária e urgente. Outros padres jesuítas afirmam a mesma coisa. O Padre Francisco Pires, por exemplo:

“(...) porque entrando a justiça com eles com a espada nua e campal guerra, por boa indústria do Sr. Mem de Sá, Governador, ficam de paz, e como a têm corporalmente nós trabalhamos de a dar espiritualmente e por este meio se há feito tanto fruto, quanto Vossa Reverendíssima poderá lá entender por carta, de maneira que as dificuldades que eu para sua virtude achava se diminuem e os meios se executam e homem recolhe o que há tantos tempos com trabalhos e lágrimas derramou...”[8]

Como conseqüência, os índios começaram a acorrer para serem doutrinados de forma mais ordenada, sem os perigos da dispersão e do nomadismo, afirmando o Padre Pires que “agora posso com razão escrever que são ligeiros para irem acorrer à igreja, e se suas gargantas eram “sepulchrum patens” para matarem e comerem vivos, agora estão abertas para louvarem a Cristo...”[9]

Da mesma forma, o padre Ruy Pereira escrevia: “(...) ajudou grandemente a esta conversão cair o senhor Governador na conta, e assentar que sem temor não se podia fazer tudo...  ...ordenou que houvesse em cada povoação destas um dos mesmos índios, que tivesse carrego de  prender em um tronco os que fizessem cousa que pudessem estorvar a conversão...  ...E hão tanto medo a estes troncos, que, depois de Deus, são eles causa de andarem no caminho e costumes que lhes pomos...”[10]

Outro jesuíta, o Padre Antonio Pires, afirma que os próprios índios pedem para a disseminação destes “troncos”, espécie de meirinhos, “para terem cuidado de prenderem os ruins”.   O Padre Braz Lourenço conta um caso em que uma índia cristã cometera adultério, tendo o adúltero sido condenado a perder suas roupas para o marido daquela com quem havia adulterado e ser metido num tronco, “de modo que ficaram tão atemorizados os outros, que não se achou dali por diante fazerem outro adultério; mas se algum peca logo é acusado ao Padre, o qual manda que o castiguem”.[11]

 

b) Inicia-se a verdadeira conversão dos índios

 

Antes da chegada de Mem de Sá e a aplicação de tais métodos, alguns índios se convertiam, é verdade, eram batizados e prometiam mudar de vida. Mas não perseveravam, mudavam de propósito rapidamente, influenciados, principalmente, pelos feiticeiros que viviam arredios. Num dia convertiam-se mil e já no outro dia os mesmos mil fugiam para outro local em seu nomadismo e recomeçavam sua antiga vida pagã. A intervenção do Governador Mem de Sá foi verdadeiramente milagrosa, segundo São José de Anchieta:

“Foi por vosso ministério que tão grandes milagres se realizaram. Vós, mais velozes que os ventos, a nossas plagas trazeis em revoadas contínuas as paternas disposições da Providência divina.  Dizei vós as leis e a ordem que o ilustre e piedoso governador implantou entre povos tão feros, para afinal ser honrado nestas paragens incultas o nome vitorioso, forte e imortal de Jesus!”[12]

Assim, foi o Governador Mem de Sá que solidificou a cristianização de nossos selvagens.  Os jesuítas são unânimes em afirmar que o Governador, com seu zelo por Cristo Nosso Senhor, castigava os delinqüentes com muita prudência e temperança, de forma que o castigo edificasse e não destruísse a obra da catequese. Isto também serviu para solidificar a amizade dos índios com os padres e os bons cristãos, levando-os a abandonar com gosto seus antigos costumes bárbaros por outros cristãos.

Os primeiros aldeamentos feitos na forma determinada por Mem de Sá, isto é, em lugares fixos, foram fundados na Bahia a partir de 1558, com as aldeias já com denominações cristãs: São Paulo, São João, Espírito Santo e Santiago. Em Piratininga havia apenas a de São Paulo, fundada 4 anos antes por São José de Anchieta.

 

Temor e sujeição: condição para civilizar o índio

O Padre Manuel da Nóbrega foi um dos propugnadores da tese de que somente através do temor e sujeição poder-se-ia civilizar duravelmente os nossos índios. Os princípios estão enunciados na seguinte carta, dirigida ao Rei de Portugal:

“Depois que o Brasil é descoberto e povoado, têm os gentios mortos e comidos grande número de cristãos e tomadas muitas naus e navios e muita fazenda. E trabalhando os cristãos por dissimular estas coisas, tratando com eles e dando-lhes os resgates, com que eles folgam, e têm necessidade, nem por isso puderam fazer deles bons amigos, não deixando de matar e comer, como e quando puderam. E se disserem que os cristãos os salteavam e tratavam mal, alguns o fizeram assim, e outros pagariam o dano que estes fizeram, porém a outros, a quem os cristãos nunca fizeram mal, os gentios os tomaram e comeram e fizeram despovoar muitos lugares e fazendas grossas; e são tão cruéis e bestiais, que assim matam aos que nunca lhes fizeram mal, clérigos, frades, mulheres de tal parecer, que os brutos animais se contentariam delas e lhes não fariam mal. Mas são estes tão carniceiros de corpos humanos que, sem exceção de pessoas, a todos matam e comem e nenhum benefício os inclina nem abstém de seus maus costumes, antes parece, e se vê por experiência, que se ensoberbecem e fazem piores com afagos e bom tratamento. A prova disto é que estes da Bahia, sendo bem tratados e doutrinados, com isso se fizeram piores, vendo que se não castigavam os maus e culpados nas mortes passadas; e com a severidade e castigo se humilham e sujeitam.

“Depois que Sua Alteza mandou Governadores e justiça a esta terra, não houve saltearem os gentios nem tomarem-lhes o seu, como antes, e nem por isso deixarem eles de tomar muitos navios e matarem e comerem muitos cristãos, de maneira que lhes convém viver em povoações fortes e com muito resguardo e armas, e não ousam de se estender e espalhar pela terra, para fazerem fazendas, criação e viver pela terra dentro, que é larga e boa, em que poderiam viver abastadamente, se o gentio fosse senhoreado ou despejado, como poderia ser com pouco trabalho e gasto, e teriam vida espiritual, conhecendo o seu Criador, e vassalagem a S. A., e obediência aos cristãos, e todos viverem melhor e abastados e S. A. teria grossas rendas nestas terras.

“Este gentio é de qualidade que não se quer por bem se não por temor e sujeição, como se tem experimentado, e por isso, se S. A. os quer ver todos convertidos, mande os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pela terra adentro e repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhorear como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como sofre a geração portuguesa, que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo” [13]

 

Apoio da nobreza da terra, então emergente

Mas, se os jesuítas e Mem de Sá procuravam criar condições para converter e civilizar os índios, era necessário que obtivessem o apoio da chamada “nobreza da terra”, a pequena elite emergente que se mudara de Portugal para o Brasil mas já se dizia da terra. Muitos deles vieram cheios de erros liberais e só pensavam em si mesmos, tomados pelo espírito da burguesa mercantilista. Alguns desejavam que os jesuítas cuidassem somente dos cristãos portugueses, mantendo os índios em suas aldeias, separados e pagãos, muitos até mantidos impunemente como escravos ou expulsos para o interior. Assim ficariam longe de encarar o problema que teriam por obrigação cristã de enfrentar: a catequese e cristianização daquele povo.  No entanto, a ação apostólica dos jesuítas visou também mudar tais homens, combatendo seus erros. A ação do Governador foi vital para este fim.  O Padre Leonardo do Vale refere que tanto o Governador quanto o Ouvidor Geral eram pessoas de boa consciência e diligenciaram para demonstrar o erro em que estavam incorrendo alguns portugueses que aqui moravam.

Dentro de algum tempo formou-se um pugilo de homens que rejeitavam aquelas concepções liberais e renascentistas, adotando a concepção católica esposada pelos jesuítas. Dentre eles destacam-se, além do próprio Mem de Sá, seu filho Fernão de Sá (que morreu em combate contra os índios), Estácio de Sá, Simão da Gama de Andrade, etc. Este último havia sido comandante do Galeão São João Batista, capitânia da pequena armada de 1550 em que viera a segunda missão jesuítica, preferindo então ficar morando no Brasil. Recebeu terras em 1552, prosperou e foram, tanto ele como sua melhor D. Leonor Sales, muito elogiados pelos jesuítas que referem-nos em suas cartas ora como padrinho dos índios, ora como benfeitor nas suas festas. Foi ele que ajuntou os índios numa Vila que deu o nome de Nossa Senhora da Vitória. Era uma invocação recente, a mesma da batalha de Lepanto havida 21 anos depois, mas escolhida pelos portugueses sempre que venciam batalhas memoráveis. E, no caso, o nome foi escolhido porque os portugueses venceram grande batalha contra os índios na Bahia. Hoje, o nome de Vitória continua na Bahia, tratando-se de um bairro de tradição em Salvador.

O padre Antonio Blásquez comenta como Simão da Gama promovia as festividades daquele tempo:

“(..) Tomou o assunto de fazer esta festa o Sr. Simão da Gama, como outras vezes o tem feito em alguns batismos solenes, porque posto que quanto ao mundo tenha muita possibilidade e aparelho, acrescenta-se a isto ser ele mui devoto e afeiçoado à Companhia; assim, pois, chegando o tempo, partiu de sua casa com a mulher e filhos e entrou por esta povoação de S. Iago com um tambor e bandeira e com grande alboroto e prazer, após ele iam tanto os romeiros que vinham, e tanto assim o estrondo dos que caminhavam por terra como os que chegavam por mar, que era espanto vê-los”[14]

O capitão-mor do Espírito Santo, Belchior de Azevedo, foi um exemplo de como tais homens estavam empenhados em jugular os índios ainda bárbaros: acompanhou Estácio de Sá em 1564, quando tiveram de travar vários combates contra os tamoios e franceses, realizando proezas heróicas juntamente com o chefe índio cristão Martim Afonso. Numa destas proezas o capitão-mor, com apenas 8 canoas, deu combate a vinte dos inimigos, aprisionando duas. Um jesuíta escreveu:

“O Capitão a que chamam Belchior de Azevedo, pessoa mui nobre e para este ofício mui suficiente, assim por sua virtude e saber como por ter ele ânimo para sujeitar estes índios e resistir aos grandes combates dos Franceses, é muito nosso devoto e ajuda e favorece em todas as coisas tocante à conversão dos Gentios e em tudo o de mais que cumpre a serviço de Nosso Senhor...  ...e é muito nosso familiar, e nos manda comumente ajudar com suas esmolas”.[15]

 

c) Espírito católico do Governador Mem de Sá

 

Esta plêiade insigne de homens tinha o Governador como exemplo maior de virtudes, de espírito cristão, de catolicidade. Mem de Sá era não só o administrador político da terra, mas o amansador dos índios, o guerreiro, o católico praticante e amigo dos padres, o padrinho dos neófitos e dos noivos, distribuindo justiça e bondade a todos. Consumiu sua vida toda no Brasil, onde veio a falecer. Numa só cerimônia de batismo, Mem de Sá foi padrinho de 84 crianças, o que fazia sempre com alegria e acolhimento dos pequeninos.

Certa ocasião instaram e escreveram à Rainha pedindo que fossem enviadas mulheres virtuosas para ajudar a doutrinar as meninas. Prontamente secundou o pedido o Governador, escrevendo também à Rainha neste sentido; assim fez, segundo informa o padre Antonio Blásquez, “por zelo do Governador, que no negócio da conversão nos ajuda com todas as suas forças, e se nestes dois anos se tem muito frutificado “in vinea Domini”, depois do Favor Divino, tem sido pelo cuidado e indústria que ele pôs neste negócio.” [16]

O Padre Francisco Pires também o elogia merecidamente ao afirmar:

“É o mais solícito Capitão que eu vi; parece que toda a sua vida o usou; sua humildade e constância e paciência me têm atônito, porque a dois ou três homens a quem repreendeu com aspereza lhe vi pedir-lhe perdão com o barrete na mão. Sofre muitas coisas, “et  cum spiritu lenitatis” leva tudo e mostrando muita perfeição, em suas palavras e obras com muita paciência. Mandou-me que de sua mesa desse o que me parecesse aos índios principais que ao derredor estão, e de sua despensa tomasse tudo o que quisesse aos pobres, e assim o faço com muita edificação de todos. Toda a sua boca é cheia de contentar a todos, e tudo o que faz parece proceder de mui reta intenção e assim o diz estes senhores Capitães, que lhes quer descanso”.

Esta religiosidade, este amor à Causa Católica, vinha de uma profunda humildade e amor a Deus. Assim o refere o padre Ruy Pereira:

“E isto depois de Deus deve-se ao Senhor Governador e à sua prudência e zelo, porque ainda que ele professara a vida da Companhia, não sei que mais pudera fazer na conversão, e tanto fazia que, por nos acreditar com os índios, de um certo modo se desacreditava a si, dizendo aos que deles lhe vinha falar sobre cousas que tocavam a conversão, que os Padres eram os que faziam essas cousas, que com eles fossem tratar, e o que eles determinassem isso seguissem; e fazendo um índio principal uma cousa que merecia castigo, e pedindo-lhe disso perdão, ele o mandou por dois seus escravos trazer à nossa casa, dizendo-lhe que ele lá se aviesse com os Padres, que se deles alcançasse o perdão ele também lhe perdoaria; e assim veio o índio com muita humildade a pedir perdão de joelhos, e o alcançou.”[17]

 

Herói abnegado, desprendido de tudo, com aspecto patriarcal

A História registra o Governo de Mem de Sá como um dos mais profícuos para o Brasil em formação.  Qualidades de guerreiro e de bom administrador são reconhecidas pelos historiadores, mas faltou reconhecer-lhe as qualidades de herói abnegado, desprendido de tudo. Em carta dirigida ao reino em 1560 pede que lhe mandem de volta para Portugal, dizendo que não era o homem ideal para o Brasil. Eis suas razões:

“Eu nela gasto muito mais do que tenho de ordenado: o que me pagam é em mercadorias, que me não servem. Eu fui sempre ter guerra e trabalhos onde hei de dar de comer aos homens, que vão pelejar e morrer, sem soldo, sem mantimentos, porque o não há para lho dar. Sou velho, tenho filhos que andam desagasalhados...”[18]

Seu pedido não obteve aprovação do Rei, terminando seus dias no Brasil, onde faleceram também seus filhos e esposa. Um de seus filhos morreu lutando contra os selvagens. Como recompensa resta-lhe apenas a homenagem dos seus pôsteres através de um relicário colocado na Catedral da Sé em Salvador, onde repousam seus restos mortais.

São José de Anchieta descreve que tipo de herói era ele:

“Eis que, liberta dos perigos do mar e de há muito esperada, uma esquadra fundeia na baía a que todos os Santos legaram nome. Trazia, salvo das fauces do oceano, um singular herói, de extraordinária coragem, Mem, que do sangue de nobres antepassados e de seiva ilustre de longa ascendência herdara o sobrenome de Sá. Superiores aos anos, ornam-lhe o rosto barbas brancas e majestosas: alegres as feições, sombreadas de senil gravidade, vivos os olhos, másculo o arcabouço do corpo, frescas ainda, como de moço, as forças de adulto. Muito mais excelente é a alma:  pois lha poliram vasta ciência, com a experiência longa do mundo, e a arte da palavra bela. Arraigado no seio traz um amor de Deus, santo, filial, verdadeiro e a fé de Cristo jamais desmentida. No peito, incendiado pelo sopro divino, ferve-lhe o zelo de arrancar as almas brasílicas às cadeias do inferno”. [19]

 

Fernão de Sá

O filho de Mem de Sá, Fernão de Sá, foi para a guerra ainda jovem, com dezesseis anos. São José de Anchieta conta como o jovem morreu mártir na guerra contra os índios:

“O herói, em vão magnânimo, ao ver que os companheiros levaram para longe os barcos e que a turba inimiga, em linha de batalha e entre gritos de guerra, começa a apertá-los e, brada: “Para onde corremos, colegas? Já não nos resta esperança alguma! O inimigo nos cerca de toda a parte, de toda a parte o oceano! A terra nos falta! Buscaremos a armada, cortando com o peito as ondas? Para onde dirigir-nos no aperto presente? Pois, rompamos à ponta da espada estas hordas! Paira sobre nós a morte? – que paire! Oh! Que belo deixar por Deus as vidas caras na arena sangrenta e comprar com esse sangue a vida de muitos!” Disse, e logo (pois já o ataque dos índios não dava lugar a demora), à invocação do nome de Cristo, com os colegas se arroja contra os selvagens, postado a arrastar na própria morte os corpos de mil inimigos e a rasgar com o punhal reluzente mil feridas sangrentas. Os inimigos se apinham ao redor e o carregam com gritos de terror e com flechas:  não lhe dá a hora descanso, como caçadores à volta do leão que freme asseteado:  ele a raivar ruge horrendamente e feroz ameaça com o olhar torvo, ora este, ora aquele, impertérrito rasga com a boca em sangue os corpos que alcança: Eles o apartam, fincam-lhe lanças nas costas, nos flancos á porfia, até que todo roto de feridas sucumbe e a terra treme ao baque dos membros robustos.  Assim o enxame dos inimigos em cerco cerrado estreitou o jovem: esse o fere com a clava, aquele com setas e vão se multiplicando os esforços. Em algazarra se arrojam sobre ele. Sem tréguas, apertam-no daqui e dali, insaciáveis. Redobram os golpes: as flechas lançadas de todos os lados já o cobrem todo, as armas tinem, rompe-se a malha de couraça, já não resiste a tantos golpes o escudo. Copioso suor lhe inunda o corpo e por completo o abandonam as forças:  a sede lhe queima a garganta e o pobre exala pelos pulmões a alma ofegante. Já tem o herói o rijo peito crivado de inúmeras setas, o sangue o cobre todo e lhe empana a beleza dos membros. A praia treme á sua queda. Tombando os olhos moribundos se cravaram na altura e a alma invencível se evolou às plagas celestes”[20]

 

A própria autoridade inspira a prática de virtudes cristãs

Uma virtude é uma força, mas não uma força qualquer, pois é proveniente do caráter fortalecido ao longo de muitos anos ou de uma ação milagrosa momentânea. Trata-se de uma forma moral adquirida da prática contínua de atos em busca de uma perfeição.  Mas tal só se obtém somando-se e apoiando-se uma virtude à outra;  dificilmente uma virtude cresce sozinha. Por exemplo, é necessário perseverança, quer dizer, procurar enraizar o hábito da prática daquela virtude através de sua prática constante e sem desfalecimento, diariamente, momento a momento, de maneira que os embates contra ela sirvam mais para fortalecê-la do que diminuí-la. Como, pois, um indígena que antes era bárbaro, impuro, orgulhoso, repentinamente poderia ficar manso, casto e humilde? Coadjuvados uns pelos outros e pelos Padres, aos poucos eles foram crescendo em virtudes cristãs, a bondade autêntica aspirada pela alma humana. Mas, pouco se obteria de sucesso sem que houvesse uma autoridade que coadjuvasse a todos nestas práticas.

O Padre Antonio Pires narra um episódio que demonstra esta mudança inclusive entre aqueles que ainda não eram cristãos, ou que não o eram inteiramente por ainda praticar alguns costumes bárbaros:

“Logo nesta conjunção sucedeu que outro Negro[21], o mais soberbo desta terra, em cuja aldeia entendemos, em tempo do governador D. Duarte da Costa, fazer casas para os doutrinar, e como ele vivia em tanta liberdade que parecia não temer a ninguém, não desprezou e não quis que fizessem lá casa;  antes, medindo os tempos todos por uma medida, também agora desprezou as leis que já disse, e comeu carne humana com todos os seus em grandes festas.   Ao qual o Governador [Mem de Sá] mandou chamar, ficando assentado que se não viesse, o mandaria logo prender, o qual, conhecendo a sujeição veio logo, tendo para si que em chegando o haviam de matar, como o língua o foi chamar e contou; e antes que se partisse dos seus, lhes fez uma fala aconselhando-lhes que trabalhassem de ser bons e não curassem de ir dali, porque ele pagaria por todos. Sucedeu a cousa que, vindo o Negro à casa do Governador, foi mal recebido dele, e o Negro se lhe lançou aos pés e lh’os beijou e pediu perdão, oferecendo-se logo a que fossem lá os Padres porque estavam aparelhados para fazer tudo o que lhe mandassem;  tudo isso com tais sinais de contrição que mereceu perdoar-lhes isto. Veio logo outro Principal a fazer o mesmo. Estes são os frutos que o Senhor vai colhendo...”[22] O selvagem, neste caso, agiu mais por temor, mas mesmo assim abriu um precedente para a prática da humildade que foi logo seguido por outros. Em anos anteriores ele não teria atendido ao Governador e o teria enfrentado numa guerra. Mas Mem de Sá já tinha superado tal situação: todo chefe índio que desafiasse sua lei e comesse carne humana em seus rituais de antropofagia era chamado e metido na prisão. Os índios temiam mais uma prisão do que a própria morte.

 

Biografia resumida de Mem de Sá

“Mem de Sá (1498-1572) foi o terceiro governador geral do Brasil. Em sua administração, os franceses foram expulsos da Guanabara, foi fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e foram formadas as primeiras missões com objetivo de catequizar os índios. Foi também, assinada pela Regente D. Catarina, viúva de D. João III, a Carta Régia de 29 de março de 1559, autorizando os senhores de engenho a mandarem vir da África até 120 escravos para cada propriedade.

Mem de Sá (1498-1572) nasceu em Coimbra, Portugal, provavelmente em 1498. Formado em Direito, foi desembargador, corregedor e nas horas vagas fazia versos. Era irmão do poeta Sá de Miranda. Em 1556, D. João III o nomeia governador geral do Brasil. Até então o que o ligava a colônia portuguesa, era uma sesmaria na Capitania de Ilhéus, que lhe fora doada em 1537, mas que ele jamais visitara.

No dia 10 de novembro de 1556, no Brasil, o comandante francês, Villegaignon desembarcava onde seria o Rio de Janeiro, com seiscentos homens. Conquistaram os índios e construíram o forte Coligny. Projetaram a fundação da França Antártica. Duarte da Costa, o segundo governador geral, não conseguira evitar essa invasão.

Mem de Sá chegou a Salvador no dia 28 de dezembro de 1557. Assumiu o governo em 3 de janeiro de 1558. Era preciso expulsar os franceses e conseguir que os índios deixassem de lutar entre si ou contra os portugueses. Combater a antropofagia era também um problema difícil. Nesse mesmo ano, a pedido do Donatário Vasco Fernandes Coutinho, Mem de Sá organiza uma expedição contra os índios do Espírito Santo. Nas lutas morre seu filho Fernão de Sá.

O apaziguamento dos índios foi resolvido em boa parte com o auxilio dos Jesuítas e com a formação das missões, que chegaram a abrigar 5 mil pessoas. Ao mesmo tempo, que os índios aprendiam os costumes cristãos, os padres conheciam a língua e os hábitos indígenas. A Companhia de Jesus passa a receber subvenção oficial.

Em 29 de março de 1559, é assinada pela Regente D. Catarina, viúva de D. João III, a Carta Régia, permitindo a importação de 120 escravos africanos, para cada senhor de engenho, permitindo criar uma agricultura de exportação. No fim do século o Brasil dominava o mercado mundial do açúcar.

Em 1560 as forças de Mem de Sá atacam e destroem a fortificação dos franceses que ainda permanecem na Guanabara. Em 1563, Estácio de Sá, sobrinho do governador geral, chega à Bahia, trazendo reforços de Portugal, para um novo ataque aos franceses. No dia 1 de março de 1565, Estácio de Sá inicia a construção da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Em 1567, ferido na batalha decisiva que expulsou os franceses, Estácio de Sá morre, no dia 20 de janeiro.

Em 1568, Mem de Sá pede a nomeação de outro governador geral para substituí-lo. Em 1570, Luís de Vasconcelos é nomeado, mas não chega a tomar posse, morre no naufrágio do navio que o conduzia à Bahia.

Mem de Sá faleceu em Salvador, Bahia, no dia 12 de março de 1572”

Fonte:

https://www.ebiografia.com/mem_de_sa/

 



[1] “Crônica da Companhia de Jesus” – Pe. Simão de Vasconcelos - Editora Vozes, vol 1, págs. 33/34

[2] op. cit. pág. 34

[3] “De Gesti Mendi de Saa” – Pe. Joseph de Anchieta, SJ – Edições Loyola, 1986, pág. 93

[4] op. cit. pág. 127

[5] op. cit. pág. 93

[6] “História Geral do Brasil”, Edições Melhoramentos –Francisco Adolfo de  Varnhagen, vol.1, 9ª. Edição, 1978, pág. 303

[7] “De Gssti Mendi de Saa” – Pe. Joseph de Anchieta, SJ – Edições Loyola, 1986, pág. 137

[8]Cartas Jesuíticas 2 – Cartas Avulsas” – Azpilcueta Navarro e outros – Ed. Itatiaia, págs. 273/274

[9] op. cit. pág. 274

[10] op.; cit. pág. 286

[11] op. cit. págs. 304 e 367

[12] “De Gesti Mendi de Saa” – Pe. Joseph de Anchieta, SJ – Edições Loyola, 1986, págs. 136/137

 [13] “A Terra de Vera Cruz na Era de Quinhentos” – Eduardo Dias – BIBLIEX, págs. 123/125

 [14] “Cartas Jesuíticas 2 – Cartas Avulsas” – Azpilcueta Navarro e outros – Ed. Itatiaia, pág. 449

[15] op. cit. pág. 365

[16] op. cit. pág. 255

[17] op. cit. pág. 285

[18] “História Geral do Brasil”, Edições Melhoramentos –Francisco Adolfo de  Varnhagen, vol.1, 9ª. Edição, 1978, pág. 343

[19] “De Gssti Mendi de Saa” – Pe. Joseph de Anchieta, SJ – Edições Loyola, 1986, pág. 93

[20] op. cit. págs; 115/117

[21] Negros, como eram chamados os índios por alguns dos padres jesuítas.

[22]  “Cartas Jesuíticas 2 – Cartas Avulsas” – Azpilcueta Navarro e outros – Ed. Itatiaia, pág. 226

sexta-feira, 25 de junho de 2021

GRAVIDADE DOS PECADOS DO PADRE

 



É extremamente grave o pecado do padre, porque peca com pleno conhecimento: sabem bem o mal que faz. Ensina Santo Tomás que o pecado dos fiéis é mais grave que o dos infiéis, precisamente porque os fiéis conhecem melhor a verdade; ora, as luzes dum simples fiel são bem inferiores às de um sacerdote. O padre é tão instruído na lei de Deus, que a ensina aos outros: Porque os lábios do sacerdote hão de guardar a ciência, e é da sua boca que os outros aprenderão a lei. É muito grave o pecado de quem conhece a lei, porque de nenhum modo pode desculpar-se com a ignorância.

Pecam os pobres seculares, mas no meio das trevas do mundo, afastados dos sacramentos, pouco instruídos nas coisas espirituais, envolvidos nos negócios do século. Como apenas têm um fraco conhecimento de Deus, não vêem bem o mal que fazem, pecando: sagittant in obscuro, — arremessam as suas flechas na obscuridade como diz Davi. Os padres ao contrário estão cheios de luz, pois eles mesmos são os luzeiros destinados a alumiar os outros: Vós sois o luz do mundo.

Sem dúvida, devem os padres estar muito instruídos, depois de terem lido tantos livros, ouvido tantos sermões, feito tantas meditações e recebido dos seus superiores tantos avisos! Numa palavra, foi-lhes dado conhecer a fundo os divinos mistérios.

Sabem, pois, perfeitamente quanto Deus merece ser servido e amado, conhecem a malícia do pecado mortal, que é um inimigo tão contrário a Deus que, se Deus pudesse ser aniquilado, o seria por um só pecado mortal, como ensina S. Bernardo: “O pecado tende a destruir a divina bondade”; e noutro lugar: “O pecado, quanto lhe é possível, aniquila a Deus”. Diz o autor da Obra imperfeita que o pecador, tanto quanto depende da sua vontade, faz morrer Deus”. De fato, ajunta o Pe. Medina, o pecado mortal tanto desonra e desagrada a Deus que, se Deus fosse susceptível de tristeza, o pecado o faria morrer de pura dor. Tudo isso sabe o padre muito bem, e conhece por igual a obrigação em que está, como padre, cumulado de benefícios de Deus, de o servir e amar. Assim, diz S. Gregório, quanto melhor vê a enormidade da injúria que faz a Deus, pecando, mais grave é o seu pecado.

Todo o pecado da parte do padre é um pecado de malícia, semelhante ao dos anjos, que pecaram na presença da luz. É ele o anjo do Senhor, diz S. Bernardo, falando do padre, e de certo modo peca no Céu, pecando no estado eclesiástico. Peca no meio da luz, o que faz que o seu pecado, como fica dito, seja um pecado de malícia: não pode, pois, alegar ignorância, porque sabe que mal é o pecado mortal; também não pode alegar fraqueza, porque conhece os recursos para se tornar forte, se quiser valer-se deles. Se o não quer, a culpa é sua: Não quis entender para praticar o bem. Pecado de malícia, diz Santa. Teresa, é aquele a que o pecador se decide cientemente; e afirma noutro lugar que todo o pecado de malícia é pecado contra o Espírito Santo. Ora, da boca do Senhor sabemos que o pecado contra o Espírito Santo não será perdoado, nem na vida presente, nem na futura; quer dizer, um tal pecado será de mui difícil perdão, por causa da cegueira que o pecado de malícia traz consigo.

Pregado na cruz, rogou o nosso Salvador pelos seus perseguidores: Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem. Mas esta oração não aproveitou para os maus padres; foi antes a sua sentença de condenação, porque os padres sabem o que fazem. Nas suas lamentações, exclamava Jeremias: Como se embaciou o ouro, como perdeu o seu brilho?. Esse ouro embaciado é precisamente, diz o cardeal Hugues, o sacerdote pecador, que devia luzir com todo o brilho do amor divino, mas pelo pecado se tornou escuro, horrível, objeto de horror para o próprio inferno, e mais odioso aos olhos de Deus que todos os outros pecadores. Diz S. João Crisóstomo que nunca Deus é tão ofendido como quando os que o ultrajam estão revestidos da dignidade sacerdotal.

O que agrava a malícia do pecado no padre é a ingratidão de que se torna culpado para com Deus, que o elevou a funções tão sublimes. Santo Tomás ensina que a enormidade do pecado aumenta à medida da ingratidão de quem o comete. Nenhumas ofensas, diz S. Basílio, nos ferem tanto, como as que nos são feitas por nossos amigos e parentes.

Os padres são chamados por S. Cirilo — Dei intimi” familiares. A que dignidade mais alta poderia Deus erguer a um homem, do que fazê-lo sacerdote?

Passai revista a todas as honras e dignidades, diz Santo Efrém, e vereis que não há nenhuma que não seja eclipsada pelo sacerdócio. Que honra maior, que nobreza mais assinalada, que ser constituído vigário de Jesus Cristo, seu coadjutor, santificador das almas e ministro dos sacramentos?

Dispensadores “regiae domus”: é assim que S. Próspero chama aos padres.

Escolheu o Senhor o padre do meio de tantos outros homens, para ser ministro seu, e para lhe oferecer em sacrifício o seu próprio Filho. Escolheu-o entre todos os homens viadores para oferecer o sacrifício a Deus. Deu-lhe poder sobre o corpo de Jesus Cristo; depôs nas suas mãos as chaves do Paraíso; elevou-o acima de todos os reis da terra e de todos os anjos do Céu; numa palavra, fê-lo um Deus na terra.

Que mais poderia eu fazer à minha vinha que não tenha feito? Não parece que estas palavras são dirigidas unicamente ao padre? Depois disso, que monstruosa ingratidão, quando esse padre, tão amado de Deus, o ofende na sua própria casa, como o mesmo Deus se lamenta pela boca de Jeremias. A este pensamento, exclama S. Bernardo com gemidos: Ai, Senhor, os que têm a vanguarda na vossa Igreja são os primeiros a perseguir-vos!

Ao que parece, é ainda dos maus padres que se queixa o Senhor, quando convida o Céu e a terra para testemunhas da ingratidão, que os seus filhos usam com ele: Ó céus, escutai, ó terra, presta ouvidos... criei filhos, cumulei-os de honras, e eles desprezaram-me!. De fato, que filhos poderiam ser esses senão os padres, que Deus elevou a tão alta dignidade, e com a sua carne alimentou à sua mesa, e que depois ousaram desprezar o seu amor e a sua graça? É ainda desta ingratidão que se lamenta quando diz pela boca de Davi: Se o meu inimigo tivesse falado mal de mim, eu o teria sofrido... mas tu que eras como que metade da minha alma, tu, um dos chefes do meu povo, meu amigo íntimo, que partilhavas das delícias da minha mesa! Sim, o Salvador parece dizer: se um inimigo, quer dizer um idólatra, um herege, um mundano, me ofendesse, eu o suportaria, mas como poder sofrer que me ultrajes tu, sacerdote, meu amigo, meu comensal?

É o que Jeremias deplora igualmente, exclamando: Os que se alimentavam delicadamente... que se tinham nutrido na púrpura, abraçaram a podridão.

Que miséria, que horror, diz o Profeta! O que se alimentava duma iguaria celeste e se revestia de púrpura, ei-lo coberto com os andrajos do pecado, a nutrir-se de lodo e estrume!

 

(Extraído de “A Selva”, de Santo Afonso Maria de Ligório, tradução do padre Marinho, Tipografia Fonseca, págs. 17/18)