segunda-feira, 3 de março de 2008

UM COMERCIANTE EM APUROS (IX)

De como me livrei de ser preso por vender bebida alcoólica
"Ele chega no mercado
De manhã logo cedinho
Seu Cazuza, seu Chiquinho
Bote aí um quarteirão
Este aqui é meu quinhão
Logo aí passa da regra
Às vezes sua alma entrega
Por dois vinténs de cachaça
Fica no pau da desgraça
O homem que se embebeda"
[1]

Estava sendo transmitido pelo rádio um jogo de futebol internacional, e uns conhecidos, inclusive uns soldados da Base Aérea, enquanto assistiam, tomavam umas caninhas. E eu sempre vigilante para não ser flagrado pela ronda policial. O jogo começara mais ou menos às vinte e uma horas. Mas, já pelo final, quase vinte e três horas, com a turma ainda em forma, sem que houvesse sequer um embriagado, em animada discussão sobre o futebol, surgiu um carro da ronda policial. Chegavam da Serrinha onde aconteceram umas mortes. Ao todo contava-se cinco agentes-investigadores. Um deles, a bem não entrou, identificou-se como o chefe e foi dizendo: “O senhor, com o estabelecimento aberto a esta hora?”. Expliquei-lhe que o motivo da reunião era para assistirem ao jogo, que tratava-se de gente amiga, e que esperava o final para poder fechar. “Não justifica – contestou-me o policial – pois é proibido ficar com o estabelecimento aberto até a esta hora, e mais ainda onde se vende bebida. O senhor fecha tudo e vem à Delegacia”. Ainda tentei convencê-lo a deixar para o dia seguinte, ele marcasse a hora que eu me apresentava. Mas, decidido a levar-me, disse: “Não, tem que ir agora”.
Fiquei indeciso, não sabia o que fazer. Fui ao quarto falar com a Raimunda, dizer-lhe da intenção do policial de fazer-me acompanhá-lo à Delegacia. Ela ficou nervosa, mas tranqüilizei-a, dizendo-lhe que tudo ia dar certo. De volta, tomei uma resolução, decidi-me a não ir. Dentro de meu balcão, a fim de ganhar tempo, pus-me a arrumar uma coisa e outra. O policial, percebendo minha intenção, apressou-me dizendo que estava demorando muito. Aí disse-lhe: “Calma, rapaz, estou arrumando para poder sair”. Construíra, por estas alturas, o meu plano.
Conforme narrei em outra oportunidade, o meu comércio dispunha de três portas. Foi daí que pude concretizar meu audacioso plano. Pedi ao Santino, meu sobrinho, para fechar as portas. Fechou a primeira, a segunda, e, quando fechava a última, o policial berrou: “E por onde o senhor sai?” . Respondi-lhe: “Ah, eu saio pela porta da sala!”. Enquanto pedia a todos, inclusive aos policiais, para se retirarem, dirigi-me para a sala pela porta interna, abri uma meia-porta e pedi para falar com o chefe. Aí ele todo aborrecido perguntou: “O que é que o senhor ainda quer?” Expliquei-lhe que minha esposa estava muito nervosa, deixasse para o outro dia, quando iria me apresentar. Ao que o agente respondeu, com palavras duras: “Você tem que ir é logo!”. Então, decidido, respondi-lhe: “Mas hoje eu não vou!” E bati-lhe a porta na cara. Fora, ferido em seu orgulho, um deles ainda berrou: “Deixa que amanhã a gente vem buscá-lo para metê-lo no xadrez”. Devolvi-lhe a insolência: “É, depois a gente vê isto!” e caí na cama até de manhã. Preocupei-me ainda no outro dia, com receios de que voltassem, mas como o meu santo era forte, eles não voltaram.

[1] Versos de literatura de cordel.

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