De como me livrei de ser preso por vender bebida alcoólica
"Ele chega no mercado
De manhã logo cedinho
Seu Cazuza, seu Chiquinho
Bote aí um quarteirão
Este aqui é meu quinhão
Logo aí passa da regra
Às vezes sua alma entrega
Por dois vinténs de cachaça
Fica no pau da desgraça
O homem que se embebeda" [1]
Estava sendo transmitido pelo rádio um jogo de futebol internacional, e uns conhecidos, inclusive uns soldados da Base Aérea, enquanto assistiam, tomavam umas caninhas. E eu sempre vigilante para não ser flagrado pela ronda policial. O jogo começara mais ou menos às vinte e uma horas. Mas, já pelo final, quase vinte e três horas, com a turma ainda em forma, sem que houvesse sequer um embriagado, em animada discussão sobre o futebol, surgiu um carro da ronda policial. Chegavam da Serrinha onde aconteceram umas mortes. Ao todo contava-se cinco agentes-investigadores. Um deles, a bem não entrou, identificou-se como o chefe e foi dizendo: “O senhor, com o estabelecimento aberto a esta hora?”. Expliquei-lhe que o motivo da reunião era para assistirem ao jogo, que tratava-se de gente amiga, e que esperava o final para poder fechar. “Não justifica – contestou-me o policial – pois é proibido ficar com o estabelecimento aberto até a esta hora, e mais ainda onde se vende bebida. O senhor fecha tudo e vem à Delegacia”. Ainda tentei convencê-lo a deixar para o dia seguinte, ele marcasse a hora que eu me apresentava. Mas, decidido a levar-me, disse: “Não, tem que ir agora”.
Fiquei indeciso, não sabia o que fazer. Fui ao quarto falar com a Raimunda, dizer-lhe da intenção do policial de fazer-me acompanhá-lo à Delegacia. Ela ficou nervosa, mas tranqüilizei-a, dizendo-lhe que tudo ia dar certo. De volta, tomei uma resolução, decidi-me a não ir. Dentro de meu balcão, a fim de ganhar tempo, pus-me a arrumar uma coisa e outra. O policial, percebendo minha intenção, apressou-me dizendo que estava demorando muito. Aí disse-lhe: “Calma, rapaz, estou arrumando para poder sair”. Construíra, por estas alturas, o meu plano.
Conforme narrei em outra oportunidade, o meu comércio dispunha de três portas. Foi daí que pude concretizar meu audacioso plano. Pedi ao Santino, meu sobrinho, para fechar as portas. Fechou a primeira, a segunda, e, quando fechava a última, o policial berrou: “E por onde o senhor sai?” . Respondi-lhe: “Ah, eu saio pela porta da sala!”. Enquanto pedia a todos, inclusive aos policiais, para se retirarem, dirigi-me para a sala pela porta interna, abri uma meia-porta e pedi para falar com o chefe. Aí ele todo aborrecido perguntou: “O que é que o senhor ainda quer?” Expliquei-lhe que minha esposa estava muito nervosa, deixasse para o outro dia, quando iria me apresentar. Ao que o agente respondeu, com palavras duras: “Você tem que ir é logo!”. Então, decidido, respondi-lhe: “Mas hoje eu não vou!” E bati-lhe a porta na cara. Fora, ferido em seu orgulho, um deles ainda berrou: “Deixa que amanhã a gente vem buscá-lo para metê-lo no xadrez”. Devolvi-lhe a insolência: “É, depois a gente vê isto!” e caí na cama até de manhã. Preocupei-me ainda no outro dia, com receios de que voltassem, mas como o meu santo era forte, eles não voltaram.
[1] Versos de literatura de cordel.
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