quarta-feira, 5 de março de 2008

UM COMERCIANTE EM APUROS (X)

Continuamos a divulgar as memórias do Sr. Batista sobre sua vida de comerciante:

De uma discussão que tive com um camelô
Era uma segunda-feira de manhã, recebera, entre outras mercadorias, uma caixa de inseticida “shell-tox”, contendo 36 latas de um litro cada uma. Não tendo nenhum freguês, aproveitei o tempo vago para arrumar o produto na prateleira. Estava bem entretido arrumando a mercadoria, com as costas para o balcão, quando fui abordado por um camelô, perguntando-me se queria comprar manteiga. Olhei, era um rapaz até de boa aparência, estatura meã, cabelos pretos bem penteados, com ele um garoto conduzindo uma lata de manteiga.
A manteiga era vendida a granel, transportada nessa lata que comportava uns dez quilos. Vendia a quantidade que o freguês desejasse. Eu conhecia bem o produto, era adulterado. Compravam uma lata de dois quilos de manteiga de primeira e uma grande quantidade de sebo de gado, que era derretido numa vasilha à parte para ser depois misturado. E assim saíam vendendo esse borralho como boa manteiga.
Pois bem, o moço oferecia o produto dizendo que era de primeira, mas, já conhecedor do caso, não dei-lhe importância: olhei por cima do ombro e disse-lhe que não interessava. Ficou insistindo, com o argumento de que todos os comerciantes vizinhos tinham comprado. Ainda sem lhe dar muita atenção, respondi: “Vou ficar no meio dos outros sem comprar!”. No entanto, talvez porque não lhe dei atenção, ficou ofendido e parou com a insistência em vender o produto, começando por desfazer da mercadoria que eu arrumava na prateleira. Foi dizendo que aquele inseticida não valia nada, que não matava insetos. Apesar do tom desaforado, não estava levando a mal suas palavras, e procurei explicar-lhe que dependia da pessoa saber aplicar bem o inseticida, e que eu mesmo já tinha feito experiência no meu quarto com as portas fechadas e tinha dado bom resultado. Mas continuou desfazendo do produto. Nesse meio tempo, disse-lhe alguma coisa de que não gostou, e, por esta causa, começou por lançar uma saraivada de insultos contra mim. Não vira, até o momento, motivos para briga, mas pedi que se retirasse da minha porta. Aí, ensandecido, disse o malcriado: “Se quer saber quem eu sou venha para o lado de fora!”. Respondi-lhe que não, e não ia porque dali mesmo estava vendo com quem falava, sujeito muito besta e ignorante. Não fosse, não estaria na minha porta insultando-me para briga, ainda mais porque sem motivos. Mais uma vez pedi-lhe que se retirasse da minha porta. Ele, furioso, ia numa porta e noutra, os olhos faiscantes de raiva, depois, sem pronunciar mais palavras, saiu, deixando-me pensativo, livre de sua loucura, mas com uma ponta de preocupação. “Aquele sujeito, desconhecido, com aquela raiva toda de mim, não será que ia pegar-me à traição?” Inimigo, seja de qualquer espécie, nunca é bom.
Decorridos uns quinze dias, indo fazer compras na Rua Conde D’Eu, descia as escadas da Praça dos Leões, e, bem no meio, encontro o “borralheiro” que, ao emparelhar comigo, parou. Olhei-o duramente perguntei: “O que é que você quer?” Ele, com aqueles olhos faiscantes, nada respondeu. Então mandei-o prosseguir, e só lhe dei as costas quando se distanciou. Graças à Maria Santíssima, esta foi a última vez que nos cruzamos.

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