Uma das manifestações mais tradicionais da Quaresma são as procissões em honra dos passos do Senhor. Neste Domingo de Ramos, que abre a Semana Santa, Jesus nos traça o seu itinerário pascal: frente ao homem que tem pretensão de ser como Deus, Cristo decide ser como homem, fazendo-se obediente até o extremo da morte na cruz, que se torna o seu “Sim” definitivo ao Pai e à humanidade.
Para segui-Lo, somos convidados a trazer palmas nas mãos, como os Macabeus, que da vitória sobre os invasores, entram triunfantes em Jerusalém (1 Mac 13, 49-52); e, semelhantes aos elitos, que empunharão palmas de vitória diante do Trono e do Cordeiro Imolado, depois de terem lavado suas vestes, tornando-as brancas no sangue do Cordeiro (Ap 7,9)
Por tudo isso, este domingo é como que uma chave de leitura para se entender o Mistério da Pácoa: Cristo é o protagonista da sua paixão, não um objeto da maldade humana, ou uma mera vítima das ciladas de seus inimigos. É Ele mesmos que se lança para a cruz, como um homem apaixonado, que se encaminha para o altar nupcial: a maldade dos homens nunca poderá preceder a Misericórdia de Deus.
EXPLICAÇÃO
Ao receber os ramos na celebração do Domingo de Ramos, coloque-os junto ao seu crucifixo de parede, ou junto ao seu oratório, pois estão bentos.
Não os jogue fora, quando eles secarem, pois como falamos, estão bentos. Recolha-os e entregue-os na sua igreja, para que possam ser queimados e utilizados como cinzas na Quarta-Feira de Cinzas do ano seguinte. (…)
Jesus enviou dois discípulos, e lhes disse: “Ide ao povoado que está em frente, e logo encontrareis uma jumenta amarrada e, com ela, um jumentinho.
Desamarrai-a e trazei-os para mim. Se vos disserem alguma coisa, respondei: ‘O Senhor precisa deles e logo os devolverá’”.(…) Os discípulos trouxeram a jumenta e o jumentinho, puseram sobre eles suas vestes, e Jesus montou em cima. Numerosa multidão estendia suas vestes pelo caminho, enquanto outros cortavam ramos das árvores e os espalhavam pelo chão. A multidão que ia na frente e os que seguiam atrás gritavam: “Hosana ao Filho de Davi. Bendito quem vem em nome do Senhor, hosana nas alturas”. E, quando entrou em Jerusalém, toda a cidade se alvoroçou e perguntava: “Quem é este?” E a multidão respondia: “Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia” (Evangelho: (Mt 21, 1-11).
COMENTÁRIO
O Domingo de Ramos nos introduz na Semana da Paixão do Senhor. A Liturgia de hoje nos oferece dois evangelhos de Mateus; um para a bênção dos ramos (Mt 21,1-11) e outro para a Liturgia da Palavra (Mt 26,14-27,66). Para nossa meditação, vamos nos ater ao evangelho da bênção dos ramos que relata a entrada triunfal de Jesus em Belém. Uma grande multidão se apresenta empunhando ramos de palmeira e de oliveira. Gritam hosanas e aclamam: “Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o Filho de Davi!”
Quando Jesus entrou em Jerusalém, a cidade ficou agitada e todos perguntavam: “Quem é este homem?” Jesus, ao contrário dos reis que andavam em carros de guerra, em imponentes cavalos, entra em Jerusalém montado num jumentinho. Jesus é um Rei manso, humilde e pacífico. Mas, ao mesmo tempo, esse Rei é também forte e firme. Jesus faz justiça devolvendo vida aos excluídos, humildes e necessitados. E o povo o reconhece como seu Rei, seu Salvador. Por isso, estende seus ramos e seus mantos à sua passagem. Enquanto o povo gritava “Hosana!” - “Salva-nos!” os poderosos ficaram preocupados e agitados.
A presença de Jesus é uma ameaça para aqueles que vivem às custas do suor do povo. A simples presença de Jesus já é motivo para sonharmos com a liberdade. Onde Jesus está presente, a opressão está ausente. As atividades libertadoras realizadas por aquele chamado de: o profeta Jesus de Nazaré da Galiléia desafiam o poder opressor. A vinda do Rei-pobre exige opção, exige uma definição, ou o recusamos ou o aceitamos, não existe meio termo. Esse é o grande desafio. Ficar com o verdadeiro ou com o falso. Ficar com o antigo ou aceitar a Nova Aliança. Jesus molda-se ao nosso modo de ser. É como um sapato confortável e, ao mesmo tempo, é também como aquela pedrinha incômoda que aparece não sabemos de onde. Para estar com ele é preciso abrir mão do poder e assumir o serviço. É dificílima essa decisão, por isso ainda hoje essa dúvida nos incomoda.
Não é fácil aceitar a proposta do Salvador. Todos aguardavam um rei vingador e rodeado de soldados para exterminar os inimigos do povo. A decepção é geral, o Rei se apresenta exigente, sem armas e com propostas de mudanças. Mudanças radicais que se trouxermos para os dias de hoje significam abrir mão dos grandes lucros e pensar mais seriamente nos desempregados, nos aposentados, nos idosos e menores abandonados.
O Rei exige preocupação com os índios, com os enfermos, e com os preços abusivos dos remédios e impostos. Todas essas mudanças exigem muito de cada um de nós. Exigem desprendimento e renúncia. Exigem humildade, solidariedade e amor ao próximo. Exigem adesão e muito cuidado para não repetirmos a mesma cena daquela época. Aderir ao Cristo significa mudar e cuidar para não assumirmos a mesma postura daqueles a quem criticamos, e chamamos de assassinos.
É bom lembrar que os mesmos que exaltaram Jesus, também o condenaram. Mudar significa gritar a Boa Nova da presença de Deus entre nós. É recusar ou aceitá-lo. Quem não muda e não assume o compromisso batismal é como aquele que hoje estende o seu manto e grita “Hosana! Hosana!” e que alguns dias depois, lá está, no meio da multidão e gritando: “Crucifica-o! Crucifica-o!”
segunda-feira, 29 de março de 2010
Semana Santa em Astorga - Procissão de Domingo de Ramos
sábado, 27 de março de 2010
Agnes Cavalcante
Assistam aos vídeos, no youtube, das duas peças, cujos "atores" foram: o tenor Franklin Dantas e a soprano Liana Pino (principais cantores no casamento da Agnes), e Agnes ao piano. Esse evento aconteceu numa sala da Casa de Cultura Alemão, da Universidade Federal, no ano passado.
O sertanejo, antes de tudo um forte
limpa o pé de algodão
Pois pra vencer a batalha
precisa ser forte, robusto, valente e nascer no sertão;
Tem que suar muito pra ganhar o pão,
Que a coisa lá não é brinquedo não.
Mas quando chega o tempo rico da colheita,
trabalhador vendo a fortuna se deleita:
Chama a família e sai
Pelo roçado vai
Cantando alegre, ai, ai, ai, ai, ai.
(música de Zé Dantas e Luiz Gonzaga)
A frase que Euclides da Cunha tornou famosa em seu livro “Os Sertões” (O sertanejo é antes de tudo um forte) é o resultado de uma profunda análise psicológica do nordestino, principalmente do nordestino sertanejo, quer dizer, daquele que arriscou tudo se embrenhando pelas caatingas, em ermos longínquos e inóspitos, para lá construir o seu mundo, sua vida, sua família e fazer de si mesmo este modelo vivo de fortaleza e austeridade. Formado assim na luta, nas dificuldades ingentes das intempéries e do sofrimento humano, o sertanejo nordestino tem uma têmpera forte, um caráter firme e decidido, mas ao tempo com uma alma dócil, cheia de bondade, amorosa, cálida para com os amigos e aguerrida para com os adversários de si e dos seus. Um exemplo bem marcante disto foi tudo o que o Sr. Batista teve que sofrer em seu sertão, como ele mesmo conta em suas reminiscências aqui transcritas, alimentado, sustentado, por sua religiosidade franca, sincera e ainda que pouco instruída.
Sua primeira viagem em busca de melhorar de vida foi feita em 1927, conforme relata, tendo intenção de viajar 22 léguas (l32 km!) a pé, de Portalegre a Mossoró, levando consigo apenas uma rede de dormir, um lençol e uma muda de roupa. Contava cerca de 16 anos de idade e nunca havia saído de casa, não sabia nem pra que lado ficava Mossoró. Após percorrer os primeiros três quilômetros para a estrada principal encontra-se com uns desconhecidos, comboieiros que se dirigiam para seu mesmo destino. Pediu para acompanhá-los. Dormiu no meio do caminho, talvez ao relento, e no dia seguinte amanheceu com febre. Ele mesmo relata: “...mas assim mesmo saí acompanhando aqueles estranhos companheiros com os seus burros de cargas, numa estrada poeirenta e sob um sol escaldante. Às doze horas, quando paramos para o almoço, a febre tinha aumentado, sentia muito frio e não podia mais caminhar. Então, dentre aqueles desconhecidos, surgiu uma alma generosa que, compadecendo-se de mim, cedeu-me a sua montaria e seguiu o resto da viagem a pé. Lá chegando à casa do meu tio Vicente, notamos que a minha doença era catapora e em pouco tempo estava bom”.
Outra viagem longa foi feita em 1930, três anos depois, ele e mais três irmãos, esta em direção ao Ceará, à cidade de Jaguaribe. Novos problemas na viagem, pois como seguiam à pé e ele estava com um pé doente não conseguia andar. Viram alguns animais bebendo água, amarraram um deles e puseram o Sr. Batista em cima do animal. À noite encontraram uma casa para pousada e soltaram o animal, pois o seu pé já estava melhor para continuar sua jornada.
Detiveram-se numa cidade chamada Flores, onde encontraram trabalho na construção de uma rodovia. Os homens que em tempos de seca faziam tais trabalhos eram chamados no sertão de “cassacos”, termo que Aurélio Buarque de Holanda captou e inseriu em seu dicionário. Novos problemas. Surgiu uma epidemia de paratifo, e, segundo ele, morria gente diariamente vitimada pela doença. Calor escaldante, poeira, trabalho estafante e duro, junto a uma alimentação precária (comiam quase só um tipo de farinha de péssima qualidade), enfraqueciam os cassacos e os faziam vulneráveis às bactérias e vírus. Seus três irmãos foram acometidos da moléstia e logo voltaram para casa. Ele, teimoso, ficou. Mas logo adoeceu também e teve que voltar para casa. A febre, porém, não o deixou chegar à sua casa. Teve que se demorar na casa de um seu tio que morava a meio do caminho, até que seu pai o viesse buscar a cavalo.
A tônica dos relatos do Sr. Batista era a seca que rondava constantemente as vidas rurais dele e dos seus familiares. No ano de 31 nova estiagem, novas dificuldades. Foi aí que juntou-se com um amigo ou parente, Chico Barros (há Barros na família de sua mãe) e foram tratar do gado de um fazendeiro. Estava próximo dos 20 anos de idade e já levara uma vida duríssima pelos sertões. Tinham que se meter nos matos para cortar mandacaru e macambira para dar aos animais. Quando voltavam, cansados, famintos e cheios de espinhos na carne, tinham como comida apenas um pirão de farinha com carne de carneiro. Terminado o almoço, tomava-se um cafezinho e voltava-se ao trabalho, sem direito a uma sesta sequer. E a operação se repetia: embrenhar-se nos matos, cortar mandacaru e macambira, colocar em cima dos burros e trazer até os currais para dar ao gado. Antes de tudo, teriam que reunir os animais, soltos pela caatinga. À noite, após uma ceia também fraca, dormiam ao relento. E assim era todos os dias naqueles ermos.
Durou pouco mais de um mês a sua empreitada com o fazendeiro, pois se desentenderam com ele e foram embora, deixando-o só. Numa certa noite que o dono da fazenda os tratou mal, naquele mesmo momento resolveram pegar seus pertences e largar o “emprego”, fazendo aquela jornada de duas léguas a pé, numa estrada poeirenta e num areal que ia até o tornozelo.
Quando não fazia estas viagens e tais aventuras o Sr. Batista levava a sua vida com seu pai, ajudando-o no roçado, com a enxada, capinando, cavando, plantando, colhendo, etc. Debaixo de sol escaldante. Foi assim que lhe foi insculpida em seu espírito aquela paciência, que era paradigma de seu avô e de seu pai, capaz de “cozinhar pedra”, como diria o próprio sertanejo.
Após o casamento, a vida dura continua a ser a constante. Teve que trabalhar alhures para manter a família, mas seu sogro o chamou para morar com ele no ano seguinte, quando já tinha nascido o primeiro filho. Trabalhava na agricultura, talvez em terras da família do sogro, e nas horas de folga vendia legumes e carnes de porcos e carneiros na feira livre do lugarejo. No final da década de 30, em torno do ano de 39, até que a vida lhe corria sem maiores contratempos. Iniciada, porém, a década de 40, começa novo período de secas. De 41 até 43 as safras se perdiam sem remédio. Não havia o que fazer.
Foi exatamente em 43, quando já tinham 4 filhos, que ele e sua esposa amadureceram a idéia de ir embora dali e se mudar para Fortaleza. Mas antes de partir Deus lhes reservava um duro revés. Após nascer o quarto filho, no mês de agosto, morre o terceiro, de desidratação, com apenas 2 anos de idade. Isto não foi motivo para desânimo nem desesperos ou revoltas contra Deus: o casal havia decidido e assim, mesmo tendo morrido um filho, fazem a viagem com o mais velho e o mais novo (com 2 meses de nascido), deixando o segundo (Francisco Assis), que tinha 4 anos de idade, com os avós maternos.
Seu sogro era contra a viagem, pois não lhe parecia sensato partir daquela forma para tão longe e nas condições em que eles iam viajar. O primeiro trecho da viagem fizeram a lombo de animais, auxiliados pelo seu irmão mais velho, Pedro Batista, até à cidade de Quixadá, no Ceará. Lá se hospedaram em casa de um primo da família, por nome José Pinto, enquanto mandavam avisar aos cunhados que já moravam em Fortaleza (Francisco e Luz, irmãos de D. Raimunda). De Quixadá até Fortaleza a viagem foi feita de trem, mas mesmo assim como deve ter sido enfadonha e cansativa! Em Fortaleza tiveram mais um contratempo, mais uma dificuldade: os familiares não os estavam esperando na estação, pois o trem atrasara, só chegando a altas horas da noite.
Assim chega a Fortaleza um espírito denodado, uma alma fortalecida pelas tribulações, pelos sofrimentos, pelas contrariedades, mas ao mesmo tempo, possuída por uma tal doçura e bondade que encantava a todos, principalmente seus filhos.
Dona Raimunda conta que nos primeiros dias sofreram muito para se acomodar à vida dura da capital cearense. Diz ela que viajava constantemente de ônibus (imaginem como seriam eles naqueles tempos!), fazendo um primeiro percurso à pé de sua casa até o “asilo” (uns 4 ou 5 quarteirões), e do centro da cidade até à Aldeota novamente à pé a fim de costurar as roupas da família na casa de seu irmão Luís. Levava consigo as crianças (o Neto e o Franciné, este ainda menino de colo).
O Sr. Batista teve compaixão de sua esposa e providenciou logo a compra de uma máquina de costura, dando por ela “quinhentos mil réis”, segundo relata mais adiante em suas reminiscências. Todos os seus filhos viram a mãe costurar com esta antiga máquina alemã, marca Uskivarna, durante anos a fio.
Ocorre que aquele dinheiro ele poderia ter utilizado todo na compra de seu comércio, prometendo que depois compraria a sonhada máquina de sua esposa. Mas não era este seu pensamento, sabendo muito bem o quanto era útil para sua esposa e família a compra daquela máquina.
Era assim o Sr. Batista. Era este o seu espírito. Logo angariou muitas amizades e se fez notabilizar como um homem bondoso e amigo. Todos
quarta-feira, 24 de março de 2010
terça-feira, 23 de março de 2010
segunda-feira, 15 de março de 2010
Trabalhadores e heróis não são bandidos!
"Eu sou um bandido!"
RESPOSTA ABERTA AO PRESIDENTE LULA
Não se assustem não. Os chimpanzés, os grandes primatas e o GAP, nada tem a ver com isso. Isto está relacionado com o meu passado cubano. Eu sou um ex–prisioneiro político, que, para o nosso Presidente, são comparáveis aos bandidos que lotam as prisões paulistas, e não teria direito a protestar, nem a fazer greve de fome, como o operário cubano Orlando Zapata, que morreu após 85 dias desse protesto. Em 1961, eu tinha 20 anos. Desde os 16 lutei contra a Ditadura de Batista e anos depois tive que lutar contra a dos irmãos Castro, amigos fraternos do nosso Presidente. Na prisão de Cabana, dirigida por Che Guevara, passei várias semanas. Presenciei a morte de vários de meus companheiros estudantes, garotos até mais jovens do que eu. Também presenciei a morte do Comandante Humberto Sori Marin, que redigiu a primeira lei de Reforma Agrária quando lutava na Serra Maestra, junto aos irmãos Castro, e depois lutou contra a ditadura implantada por eles. Todos aqueles fuzilados no Paredão da Cabana nunca tiveram um julgamento, um advogado de defesa, nem puderam falar sua verdade. Essa história se repetiu centenas, milhares de vezes. Algum dia essa história terrível e tenebrosa da Cuba Castrista será conhecida.Eu era Secretário Geral da Federação de Estudantes Católicos de Cuba, com três universidades e dezenas de colégios. Todas universidades e escolas todas foram fechadas e ocupadas pelo regime ditatorial e nunca mais o ensino privado existiu.Para a Justiça Castrista só opinar contrário ao regime te condena. Se fosse publicada em Cuba, esta carta me levaria à prisão por longos anos. Por isso Orlando Zapata morreu, por querer opinar, falar sua verdade. Isso em Cuba é um privilégio dos irmãos Castro e os que vivem sob sua sombra.Eu fiz o compromisso de nunca falar de política cubana neste espaço, já que as causas dos grandes primatas e ambientais não têm cor política e precisa do apoio de todos. Porém, estaria traindo a mim mesmo, aos meus companheiros que caíram em 50 anos de luta, e ao meu “país adotivo” - o Brasil - se não falasse o que sinto neste instante, ao ser humilhado duplamente pelo Presidente do meu país, que me condenou sem conhecer-me, sem julgar-me e sem poder defender-me, como os irmãos Castro – assassinos múltiplos – fazem com o seu povo.
Dr. Pedro A Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional
sexta-feira, 5 de março de 2010
História da família Barros no Brasil
O pai de Afonso da Franca chamava-se Lancerote da Franca, tornou-se um dos heróis que lutaram no cerco de 1625 em que os holandeses foram expulsos da Bahia. Comandava a nau Caridade, sob as ordens de D. Fradique de Toledo. Foi ele que levou até Recife a notícia da restauração da Bahia. Morreu em Olinda, velho e doente, ainda disposto a lutar contra os holandeses.
Um dos netos de Afonso da Franca destacou-se também como herói. Trata-se de Manuel Gonçalves de Barros, chamado “Capitão Manuel”, um dos chefes das guerrilhas feitas contra os holandeses sob o comando do bispo D. Marcos Teixeira. Era casado com D. Leonor da Franca, natural de Tânger.
Outro varão desta família chamava-se Gaspar de Barros de Magalhães, fidalgo que viveu no Recôncavo baiano. Veio de Portugal empobrecido, mas na Bahia amealhou riqueza, tornou-se homem de muitas posses. Casou-se com D. Catarina Lobo de Barbosa Almeida, com quem teve muitos filhos, ao todo cerca de 20, alguns bastardos.
No final do século XVII vieram para a Bahia Manoel Fernandes de Barros, procedente da Ilha da Madeira, casado com D. Cecília Soeira, e D. Maria de Barros, procedente de Braga, Portugal, que aqui casou-se com João Borges de Macedo. Destes dois casais se originaram os “Barros Soeiro” e os “Borges de Barros”.
Os Barros foram mais numerosos na Bahia, havendo apenas um pequeno núcleo em Pernambuco. Sabe-se que o donatário da malograda Capitania do Ceará era Antônio Cardoso de Barros e que nem chegou a colonizar as suas terras, tendo deixado como lembrança apenas restos de uma fortaleza inacabada em Camocim, encontrados posteriormente em 1614. Outro donatário fracassado foi João de Barros, que juntamente com Aires da Cunha recebeu as capitanias do Rio Grande do Norte e do Maranhão. João de Barros foi o famoso cronista português, que teve a malograda experiência de tentar explorar suas capitanias por duas vezes sem sucesso, em 1535 e 1555. Foi mais bem sucedido como cronista, tornando-se um dos historiadores mais sérios e consultados de Portugal.
Em Pernambuco, surgiu um Rodrigo de Barros Pimentel, casado com uma filha de Arnao de Holanda, D. Maria de Holanda. Teve um filho com o mesmo nome, casado com D. Jerônima de Almeida, de onde tiveram uma filha que veio para a Bahia aliar-se com a família Lins. Não se sabe porque, mas uma das filhas de Arnao de Holanda se chamava D. Brites de Barros, e não trazia o sobrenome do marido que se chamava Antônio Coelho de Carvalho. Tampouco trazia o sobrenome da mãe que se chamava Brites Mendes de Vasconcelos. Talvez fosse uma homenagem ao padrinho. Naquela época era comum as pessoas se batizarem depois de adultos e aí tomarem o nome do padrinho, ficando como legítimo o nome registrado no batismo.
Um outro Barros que se tornou famoso em Pernambuco foi o Conde da Boa Vista, Francisco do Rego Barros, aristocrata que se formou em Paris e manteve sempre um tônus de “grand seigneur”. Foi Presidente da Província de Pernambuco a partir de meados do século XIX, fazendo de Recife uma cidade comparável a algumas metrópoles importantes da Europa. Seu nome é lembrado em Pernambuco como um grande patriota.
Dentre as mulheres, destacamos a figura de Antonieta de Barros, nascida em 1901 em Florianópolis, que na década de 20 tornou-se a primeira deputada negra do Brasil. Intelectual e educadora, na primeira eleição em que as mulheres puderam votar e serem votadas filiou-se ao Partido Liberal Catarinense e elegeu-se deputada estadual. Usando o pseudônimo de Maria da Ilha escreveu o livro Farrapos de Idéia.
É importante se observar que não temos condições de afirmar de qual família se originaram os Barros atuais, a não ser que se faça um rigoroso levantamento genealógico das famílias atuais e seus entroncamentos com os ancestrais do tempo da colônia. Isto não ocorre só com os Barros, mas com muitas outras famílias, como por exemplo, os Souza, os Lopes, os Pereira, etc. Diferentemente do que ocorre com os Cavalcanti que tiveram só um patriarca da estirpe. No entanto, fizemos o demonstrativo acima para aquilatar o valor desta família que trouxe também para o Brasil ricos predicados morais, intelectuais e materiais. Vejam abaixo que há divergências também do brasão antigo para os atuais, talvez por causa da diversificação da estirpe.
O papel de uma estirpe na Nação
Os Cavalcanti se mesclaram imediatamente com as mais nobres estirpes do País. Quando os holandeses invadiram Pernambuco, alguns descendentes de Filipe Cavalcanti, que já eram numerosos, fugiram para a Bahia e lá se casaram com filhos da terra surgindo os Cavalcanti e Sá ou Cavalcanti de Sá, ou então de Sá Cavalcanti, ou os Ravasco Cavalcanti. Lá mesmo em Pernambuco, além dos citados Cavalcanti de Albuquerque ou Cavalcanti e Albuquerque, surgiram outras estirpes como os Holanda Cavalcanti ou Cavalcanti e Arcoverde.
Na guerra de expulsão dos holandeses ficou famoso um dos filhos de Filipe Cavalcanti, por nome Lourenço, que lutou bravamente contra os invasores após ter seus engenhos saqueados e tomados.
Por todo o Brasil de hoje se conhecem praças, ruas, colégios ou outros logradouros públicos com o nome da família. Em Goiás deram nome a uma cidade, Cavalcante, (com cerca de 8 mil habitantes), provavelmente por causa de Diogo Teles Cavalcante, descobridor das minas de ouro da região. A corruptela da grafia para “Cavalcante” originou uma variante do nome da estirpe, mas isto provavelmente ocorreu em conseqüência de brasileirismo: assim como os Giovani, os Filipi, mudaram aqui para Giovane e Felipe, talvez porque ao registrar os filhos os pais não atentassem para a grafia correta do nome original da família. Em Pernambuco a família sempre foi muito criticada por pessoas que os invejavam por terem sempre assumido posições importantes em cargos públicos e de riqueza. Chegam a dizer, conforme Gilberto Freire, que são conhecidos pelo horror a pagar dívidas.
Principais vultos desta numerosa família:
Lourenço Cavalcanti de Albuquerque – São dois com o mesmo nome, o avô de Gonçalo Ravasco (sobrinho do Padre Vieira), alcaide-mor da Bahia, e o filho de Arnaldo Vasconcelos de Albuquerque (ou Arnao de Holanda Vasconcelos). O primeiro deles veio de Pernambuco para a Bahia lutar contra os holandeses que a haviam invadido em 1624. O Comandante das tropas nacionais era o Bispo Dom Marcos Teixeira, que nomeou Lourenço Cavalcanti como coronel e chefe de guarnições de tropas. Participou do conselho que se reuniu no Rio Vermelho, na Bahia, após a evacuação da cidade pelos moradores. Combateu valorosamente os invasores, merecendo honras e sendo nomeado pelo Governador alcaide-mor. Foi armado Cavaleiro pelo Governador Diogo Luís de Oliveira.
Voltou para Pernambuco, mas em 1643 veio novamente com sua família para a Bahia, permanecendo nela até a morte. Gonçalo Ravasco assim depôs sobre Lourenço: “Superintendente da infantaria do norte com os poderes de governador, capitão e defensor da capitania de Itamaracá, capitão-mor da Paraíba e governador da cavalaria do mesmo Estado, e havendo procedido com valor nas ocasiões de peleja o fazer mais em particular em impedir as entradas e fazer as aguadas ao inimigo no presídio de Guiana, no socorro das embarcações com despesa de sua fazenda, no reencontro que teve com os holandeses no recôncavo da Bahia e noutros que lhe sucederam no Recife tomando o inimigo a vila de Olinda e assistindo depois no arraial se achar nos muitos sucessos que houve de guerra socorrendo ao capitão do campo em uma investida que o inimigo lhe fez no Recife deixar feito um forte à custa de sua fazenda, na peleja das Salinas, na junto à casa sua em muitas emboscadas da ponte da vila, e na dos Afogados obrar com resolução, e com a mesma pôr fogo ao campo em que esteve quase abrasado o inimigo, e vir a todo o risco descobrir o sítio para uma trincheira que lhe havia de dar cargas, e do trabalho do caminho adoecer gravemente, nos mais reencontros de guerra enquanto serviu, houve com os holandeses batalhas que se lhe deram se haver com tão particular valor que foi grande parte das vitórias que se alcançaram para o efeito das quais despendeu muito de sua fazenda com os cavalos e escravos e cria os com os que nelas se achava, na peleja das praias de Abray fazer retirar o inimigo ao mar com grande perda de gente, e em tudo proceder sempre com particular resolução sustentando muitas vezes a gente de guerra por sua fazenda”, etc. (Pedro Calmon, vol. I, pp. 56/57).
O outro Lourenço Cavalcanti era sobrinho do primeiro, filho de D. Filipa de Albuquerque, irmã deste, e que se casara na Bahia e deixara numerosa prole. Seu pai era Antônio de Holanda, filho de Arnao de Holanda. Preservou, porém, no nome apenas a família da mãe: Cavalcanti de Albuquerque.
Jerônimo Cavalcanti de Albuquerque – Fidalgo cavaleiro da Casa Real e professo da Ordem de Cristo. Lutou valorosamente nas guerras de expulsão dos holandeses. Na invasão de Pernambuco teve que deixar três engenhos que possuía para fugir com a população e preparar as guerrilhas. Antes da fuga, como o fizeram os outros senhores de engenho, ateou fogo em tudo. Posteriormente foi nomeado Governador de Cabo Verde.
Filipe Cavalcanti de Albuquerque – Filho de Antônio Cavalcanti de Albuquerque e D. Isabel de Góes, foi fidalgo cavaleiro da Casa Real e também professo da Ordem de Cristo. Lutou nas guerras contra os holandeses, e depois da restauração viveu muitos anos em Ipojuca, onde faleceu. É bom lembrar que os Góes, família de D. Isabel, também eram originários da Holanda
AS INCRÍVEIS PERIPÉCIAS DO CASAMENTO DA FILHA DO GENERAL COM O LENTE DA FACULDADE
Parece estranho, mas é verdade. O primeiro Diretor da Faculdade de Direito de São Paulo foi um militar, o Tenente-General José Arouche de Toledo Rendon. O velho General Arouche, cujo nome ficou perpetuado num largo, nesta capital, foi no São Paulo antigo uma figura assaz pitoresca, marcada de heroísmos incomuns, e sobre quem, até hoje, ainda não se escreveu uma biografia de corpo inteiro, já comentou uma cronista.
Ainda rapazinho, o filho do Mestre de Campo Agostinho Delgado Arouche de Toledo e de Dona Maria Teresa de Araújo Lara morou na antiga Travessa do Colégio, atual Rua Anchieta, exatamente no número 11. O número 11 era uma casa que ''oferecia aspectos solarengos, ostentando sacadas de ferro forjado beirais salientes, com telhas vidradas de calha, como ornamento; as janelas eram guarnecidas de rótulas pintadas de verde; teriam tido a mesma cor as demais peças de madeira da fachada''. O velho prédio foi substituído pelo atual, onde a Santos-Jundiaí mantém uma agência ferroviária.
Ali residiu com os irmãos e irmãs. As célebres ''Meninas da Casa Verde", todas solteiras e graciosas. Eram sete as tão famosas " Meninas da Casa Verde": Caetana, Gertrudes, Joaquina Pulquéria, Leocádia, Ana Teresa, Maria Rosa e Rudezinha, um bando gárrulo de jovens casadouras, que nunca se soube porque jamais se matrimoniaram. Paulo Cursino de Moura procura explicar: "Mocinhas da Casa Verde", porque ali, na Travessa do Colégio, pegado a Maria Punga, quituteira (Maria Emília Vieira), "no sobrado de sacadas e persianas, de rótulas-oratórios, quadradas e salientes", eternamente pintadinho desse verde garrafa, leve, brejeiro, alegre, das antigas construções coloniais, moraram as irmãs Arouche. E por serem muitas e todas, num prédio só, as meninas Arouche tomaram a feição do ambiente — "Mocinhas da Casa Verde" . Em revoada — aves sem donos, sem peias — imigravam, de quando em vez, para as bandas da Freguesia do Ò. Daí, o nome — Casa Verde — que a roça legou à cidade, dominando o bairro todo, pelo batismo dos mesmos eternos, boquejados da vida alheia".
Enquanto isso, enquanto as graciosas jovens impressionavam a rapaziada acadêmica, sem nenhum decidir por nenhuma, o mano José demandava a velha Coimbra para tentar o canudo de barechal em Direito. Aos 21 anos, 1777, ainda estudava. Dois anos depois, terminava o curso, colocando grau de doutor em leis a 3 de julho de 1779.
Regressando a São Paulo, primeiramente fez advocacia. Depois, exerceu cargos de magistratura. Mais tarde, trazendo incubada velha vocação recalcada, dedicou-se à carreira militar. E, sempre com êxito satisfatório, foi subindo nas funções que abraçara, embora tardiamente atingiu ao posto de tenente-general e, por fim, ao de marechal de campo. Brilhou mais como militar do que como bacharel.
Nuto Sant' Ana, que andou pesquisando a esse respeito, descobriu-lhe o nome entre os recenseados no ano de 1841, aqui em São Paulo, com os seguintes dados bem curiosos. Era então Arouche Rendon brigadeiro inspetor geral de Melícias dessa capitania com 57 anos, casado com Dona Maria Teresa Rodrigues de Morais, vivendo de seu soldo. Ela com 54 anos. Tinham duas filhas solteiras, um criado, dois agregados e 14 escravos; as "filhas", Dona Maria Benedita, de 26 anos, solteira, brasileira e Dona Margarida, de 15 anos, solteira, exposta, brasileira. Figura como "criado", Mariano, de 16 anos, solteiro e, como "agregados", João Dias, oriundo do Paraná, de 14 anos, solteiro, pardo, e Madalena, de 68 anos, solteira, parda. Quanto aos escravos eram Pascoal, de 58 anos, Delfina, de 32, Quitéria, de 17, Joaquim, de 16 Cipriano, de 20. Antônio, de 15, Bernadinho, de 12 e Eliseu, de 9 anos, todos criolos. Solteiros e pardos; e Tomé de 51, João, de 41, Alexandre, de 56, Tomóteo, de 21, Vitória, de 51 e Rosa, de 41, negros.
A 13 de outubro de 1827, é nomeado Diretor da Faculdade de Direito de São Paulo, juntamente com o primeiro lente, Conselheiro José Maria de Avelar Brotero.
Quando recebeu a honrosa incumbência, apressou-se o velho Arouche em manifestar a sua gratidão ao imperador, num ofício que Almeida Nogueira descobriu no arquivo da Faculdade, onde se conservava inédito. Adverte-nos, porém, que não se imagine pelo estilo do documento, que fosse o benemérito paulista um bajulador doa homens do poder. Ele não fazia senão repetir o estilo oficial da época.
Eis o inteiro teor do ofício em questão: "Senhor. Ajoelho perante V. majestade imperial e beijo a soberana mão benéfica, que acha de honrar-me com o emprego de Diretor do Curso Jurídico desta cidade. Sendo muito lisonjeiro a um súdito fiel ser lembrado de seu soberano para honrosos e importantes empregos, fica-me contudo o pesar de me faltarem muitas das qualidades necessárias para o desempenho de tão importante missão; mas, se o gosto e a boa vontade do empregado podem suprir, senão todas, ao menos uma parte delas, eu protesto perante v. majestade imperial empenhar-me em cumprir o meu dever na fiel e pronta execução das ordens de v. majestade imperial para complemento das grandes obras principais que irão elevar o Império do Brasil a par dos grandes Impérios. São Paulo, 1 de novembro de 1827. De v. majestade imperial, o mais humilde, fiel e agradecido súdito, José Arouche de Toledo Rendon.
O velho General Arouche foi grande proprietário em São Paulo, Possuía enorme chácara onde está hoje situado o bairro de Vila Buarque, segundo nos conta Spencer Vampré. Além disso, foi dono de uma porção de casas, sendo sete na Rua do Príncipe (atual Quintino Bocaíuva ); três na Rua de São José (Líbero Badaró); uma na Rua Alegre (Brigadeiro Tobias) e uma na Rua do Jogo da Bola (mais tarde Rua da Princesa e hoje Bernjamim Constant).
Da escrituração que ele meticulosamente assentava, dos aluguéis e da entrada e saída dos inquilinos, ficamos sabendo que a da Rua Príncipe n. 10 esteve alugada pôr 1$000 mensalmente, passando depois, em 1825, a 2$000 por mês; a da Rua do quartel vencia 5$000 mensais, a da Rua do Jogo da Bola, com quintal murado e portão, 1$000. A da Rua Freira n. 22 foi alugada, 1824, a Ana Policena, por cinco patacas mensais, e assim todas as outras, "podendo-se avaliar, por esses rendimentos, quanto era atrasada ainda, em seu desenvolvimento, e que a pobreza sofria a cidade, escolhida para sede do primeiro curso jurídico".
Vem de molde uma indiscrição histórica, acrescenta Spencer Vampré. Alugara Rendon uma de suas casas, à Rua do Quartel, ao Dr. Carneiro de Campos, que mais tarde o substituiu na Diretoria da Faculdade, tendo sido nomeado lente. Não parece que o futuro Visconde de Caravelas gozasse de grandes folgas de dinheiro. Eis, pelo menos, o assentamento de Rendon:— " Rua do Quartel, n..., alugada, em 15 de julho de 1829, ao Sr. Carneiro de Campos, a 12$800 por mês. Recebi três meses, até 15 de outubro. No dia 15 de dezembro, entregou as chaves, estando a me dever 21$330; mandou-me um bilhete de 50$000 para pagar-me, e dar-lhe 28$670 de troco, que mandei pagar pelo Barreto. Tomou as chaves Joaquim José Freire da Silva, etc" .
Como se vê, a casa em que morava um lente da Academia, custava 12$800 mensais, sublinhado este quebrado de 800 réis, o valor do dinheiro naquela época.
Ao velho Arouche ficou devendo a introdução cultura do chá, entre nós,. Plantou-o na sua chácara. Daí veio, mais tarde, o nome de Morro do Chá para a colina que, fronteira à que em que se achava o triângulo central, foi ligada pelo viaduto que lhe tomou o nome: Viaduto do Chá. Chegou mesmo a escrever uma " Monagrafia sobre a Colheita e Cultura do Chá".
A Chácara do marechal ficava "onde tem assento do hospital central da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no quarteirão entre as Ruas Dona Verediana, Marquês de Itu, Cesário Mota e Jaguaribe".
A sede da chácara, esclarece o historiador de outrora, era o velho casarão de 12 janelas de frente, ainda existente na Rua Santa Isabel, n. 3. Primitivamente a chácara Arouche estendia-se da Rua da Alegria (hoje Sebastião Pereira) até ao Beco da Mata- Fome (atual Rua Araújo).
Tempo houve em que o general andou metido em outros negócios e fundou uma fábrica de tecidos de algodão. Pensou também em extrair da semente do chá um óleo que servisse para a iluminação.
Naqueles tempos, morava em São Paulo um lente da Faculdade de Direito chamado Prudêncio Geraldes Taveres da Veiga Cabral. Natural da Província de Mato Grosso, aqui chegara, vindo do Rio de Janeiro, em abril de 1829, nomeado professor catedrático de Direito Civil, um ano, portanto, depois da fundação do Curso Jurídico.
Nesta cidade, residiu na Rua de São Bento, em prédio, que hoje não existe mais, "contíguo ao de propriedade de Sr. Major Domingos Sertório, quase em frente ao da redação do "Comércio de São Paulo". Segundo Almeida Nogueira, "era alto, magro, meio curvo, corpo mal delineado, cara completamente raspada, nariz grande, olhos negros, boca regular e face pálida". Neurastênico e boêmio. Deixou uma crônica da mais pitorescas na velha Paulicéia do seu tempo.
Assevera-nos o autor de " Tradições e Reminiscências da Academia" que o Conselheiro Prudêncio Cabral, não obstante ser dotado de grande inteligência e vasta cultura jurídica, era um mau lente, já pelas suas singuridades algum tanto ridículas, como, sobretudo, pelo pouco caso que ligava aos seus deveres de mestre.
Quando apareceu nesta capital, contava 29 anos de idade e trazia um filho natural, nascido no Rio Grande. Era solteiro e nem pensava em casar-se.
Depois, aqui conheceu, na chácara do Tenente-General Arouche Rendon, a filha deste, D. Maria Benedita, bem mais velha do que ele. Logo forjaram um casamento para os dois. Um casamento muito desigual. A moça não queria: o futuro esposo tinha fama de estroina, senão de maluco, embora lente, e, como tivesse posição social de relevo pareceu à família Arouche bom partido.
O noivado foi mais rápido do que o próprio namoro. Celebraram-se as bodas com as solenidades do estilo: banquete, baile, enxovais... Ele, com 30 e ela com 42 anos, portanto bem madura!
Consorciaram-se naquele 22 de dezembro. Pois bem, no dia 23, logo cedinho, estavam separados! Mas não adiantemos os acontecimentos. Contemos o que de desconcertadamente aconteceu, então. Vão ver quanta complicação. Escutem.
Ao retirarem-se os últimos convivas, a noiva se recolheu à câmara nupcial e ali aguardou em vão a chegada do príncipe encantado. Este, porém, passeou horas inteiras, a noite toda, em frente ao quarto, sem animar-se a entrar. Falava sozinho, como que caindo em si, arrependido do passo que dera:
— "Que fizeste, Cabral*! Que fizeste Cabral*!"
Em seguida, saltando a janela, (o prédio era sobrado) deixou a casa para nunca mais voltar.
No dia seguinte, o escândalo estourou belicosamente como todos os escândalos dessa espécie, numa cidadezinha do tamanho de São Paulo, assanhando os seus vinte e dois mil habitantes. Foi só no que se falou, num comentário sem-par.
D. Maria Benedita retornou chorosa (nem era para menos) à casa do velho general Rendon. Logo tratou de propor contra o ex-frustado marido uma ação de nulidade de casamento, julgada pelos tribunais na parte civil. Submeteu-se a parte religiosa à consideração do Papa Gregório XIV. Os tempos rolaram e o escândalo continuou comentadíssimo, entre risadinhas à socapa.
Pôr fim, corridos todos os tramites, "foi julgado consumado, com separação. A 26 de novembro de 1831", pelo vigário geral do Bispado, Cônego Lourenço Justiniano Ferreira, a requerimento de D. Maria Benedita, conforme certidão passada em santa Ifigênia, pelo Padre Antônio Joaquim da Silva.
Referem, porém, as más línguas — conta-nos Almeida Nogueira — que, vindo a falecer o sogro, (o General Arouche desapareceu em 1834, três anos depois), o Conselheiro Cabral pretendeu entrar na meação de bens. Dizem que a isto se opôs madame ou mademoiselle Cabral, fundada no direito então vigente e na verdade dos fatos; o requerente contestou então as alegações sobre a inexistência da sociedade conjugal, porque, afirmava ele, que sim, que não havia dúvida, que ele tinha sido verdadeiro esposo. Replicava ela que não, muito ao contrário.
Para verificar o caso, ele requereu que se procedesse a exame... Não foi este senão um ardil empregado para obrigar ao acordo. E assim aconteceu. A fim de evitar o vexame, consentiu a esposa platônica do conselheiro em repartir com ele os bens que lhe cabiam.
Não sabemos se isto é verdade — concluiu Almeida Nogueira — ou uma simples anedota inventada. Alguém no-la contestou como incompatível com o caráter brioso, posto que excêntrico, do Conselheiro Cabral. Vai o caso como veio, sem endosso de nossa parte.
Desta forma se focou sem saber qual o seu estado civil. Do conselheiro se pode dizer que não era casado, nem solteiro, nem viúvo... E assim morreu.
Apesar de tudo deixou prole: dois filhos naturais. Um deles, o nascido no Rio Grande, bacharelou-se em 1850: o outro, mais moço, João da Veiga Cabral, muito conhecido e estimado nesta capital. Lutou pela vida, que não lhe foi das mais suaves. A princípio, labutou como tipógrafo nas oficinas do "Ipiranga".. Foi ator, depois oficial da polícia, em seguida, editor e proprietário dos jornais "Gazeta do Povo" e "Jornal da Tarde" e finalmente empregado público...
Quanto à D. Maria Benedita, a filha legítima do tenente-general José Arouche de Toledo Rendon, nascida antes do seu casamento com D. Maria Teresa Rodrigues de Morais, e sua única herdeira-maior, morreu solteirona. Nem era possível tentar novo matrimônio, depois do fracasso do primeiro, tão comentado, tão cheio de incríveis peripécias...
O velho Rendon, falecendo aos 78 anos, deve ter levado para o túmulo profundo desgosto. Já não bastaram as terríveis turras que manteve com o ranzicíssimo Conselheiro Brotero, na direção da Faculdade. Sobrecarregaram-lhe também as preocupações domésticas. As únicas que lhe não lhe deram trabalho foram as sete irmãs, as famosas "Meninas da Casa Verde". As "graciosas donzelas foram perdendo a frescura, amadureceram, murcharam e morreram..." E nunca se casaram. Morreram solteironas.
Vejam um resumo biográfico do Tenente General José Arouche de Toledo Rendon feito pela própria Faculdade de Direito da qual foi o primeiro Diretor:
Nasceu na cidade de São Paulo, aos 14 de março de 1756, filho do mestre-de-campo Agostinho Delgado Arouche e de D. Maria Thereza de Araújo Lara.
Fez o curso de direito civil em Coimbra, onde recebeu o grau de doutor em leis em 14 de julho de 1779. De volta ao Brasil, após ter-se dedicado à advocacia em São Paulo, exerceu os cargos de juiz de medições, de juiz ordinário, de juiz de órfãos e de procurador da Coroa. E os exerceu com proficiência e honradez.
Sentindo-se atraído pela carreira das Armas, assentou praça no Estado-maior do Exército, no posto de capitão. Galgou, nela, todos os postos, pois foi mestre-de-campo, inspetor-geral de milícias, brigadeiro, marechal-de-campo e, por decreto de 18 de outubro de 1829, tenente-general. Da sua inspeção às aldeias de índios, existentes na província, deixou um relatório impresso.
Adepto da causa da independência, foi, em janeiro de 1822, como delegado da Câmara Municipal de São Paulo, enviado ao Rio de Janeiro, em missão junto ao Príncipe Regente, D. Pedro, para solicitar-lhe que desobedecesse aos chamados das Cortes de Lisboa e ficasse no Brasil. Fizeram parte dessa missão, também, o Coronel Gama Lobo e, por parte do Governo Provisório, José Bonifácio de Andrada e Silva.
Por decreto de 20 de maio de 1822, foi nomeado comandante das Armas de São Paulo. Feita a Independência e convocada a Assembléia Constituinte, foi eleito deputado por São Paulo, com José Bonifácio, Antonio Carlos, Paula Souza, Nicolau Vergueiro, José Ricardo de Andrade, Fernandes Pinheiro, Velloso de Oliveira e Diogo Ordenhes, tendo sido este último substituído por José Corrêa Pacheco e Silva. Na Assembléia, tomou parte nas discussões em torno da indicação de Fernandes Pinheiro sobre a criação da Universidade de São Paulo.
Eleito deputado geral para a legislatura de 1826 a 1829, não tomou assento e foi substituído pelo brigadeiro José Vicente da Fonseca.
Por decreto de 13 de outubro de 1827, foi nomeado diretor do Curso Jurídico de São Paulo, que instalou em 1º de março de 1828, nele permanecendo até 1833, quando, atendendo a insistentes pedidos seus, o governo imperial lhe concedeu exoneração, por decreto de 31 de outubro de 1833.
Prestou o tenente-general Arouche Rendon grandes serviços à cidade e à província de São Paulo, e o seu nome condecora a rua, que sai da Praça da República e vai dar no largo, que tem o seu nome, aberta na grande chácara, onde ele residia e que lhe pertencia, no bairro de Vila Buarque.
Faleceu aos 26 de junho de 1834.
Obras Publicadas
Memoria sobre as aldeias de Indios da provinda de São Paulo. Revista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, v. 4.
Elementos de processo civil, precedidos de instrucções para os juizes municipaes . São Paulo: Typographia do Governo, no Palácio, 1850.