terça-feira, 30 de setembro de 2008

Filipe Cavalcante foi réu do Santo Ofício?

Os historiadores pouco falam do Tribunal do Santo Ofício no Brasil, pois naqueles tempos quase não havia necessidade de atuação daquele órgão por estas plagas. Com relação ao primeiro Cavalcanti que aportou ao nosso país há, porém, uma referência: o fidalgo florentino teve que se haver com aquele egrégio tribunal. Amaro Gonçalves compareceu à mesa de Denunciação do Santo Ofício fazendo acusações contra Filipe Cavalcanti, em 29 de outubro de 1593. Amaro era português, natural de Barroso, que pertencia ao bispado de Braga. Como ocorria com tais denúncias, o texto das acusações é confuso. Filipe Cavalcanti é acusado de possuir em sua casa uma “bíblia em linguagem”. Talvez em seu linguajar pobre, meio analfabeto, o autor da acusação não soubesse especificar que tipo de “bíblia” era aquela, que ele dizia que era para que “desse ao diabo para ler”, talvez não fosse uma bíblia, fosse um outro livro, ou mesmo uma espécie de bíblia protestante, não se sabe. O certo é que o autor se mostra tão confuso em seu depoimento que chama o réu de “Cavalgante”, isto é, que anda a cavalo, e repete o nome errado várias vezes, embora Filipe Cavalcanti fosse homem de destaque e muito conhecido.
Na verdade, o termo “Cavalcanti” em italiano significa cavalgante, que anda a cavalo, mas no sentido de cavalheiro, cavalgador. (cf. Dic. Italiano/português, de Giusepe Mea, pág. 178, Editora Porto Ltda). Tratando-se de nome próprio não tem sentido errar a grafia numa acusação por escrito perante um Tribunal. O acusador era meio aparentado com Felipe, pois era também casado com uma filha de Jerônimo de Albuquerque. Talvez por isso tivesse fácil acesso à casa do réu e tenha visto, “dentro do guarda-roupa”, a dita “bíblia”. Acusações mais graves constam de outra denunciação. Conforme Gilberto Freire, Felipe Cavalcanti foi acusado também pela prática de sodomia. O sociólogo o afirma em duas obras. A primeira em um livro escrito sobre um Cavalcanti do século passado, “O Velho Félix e suas ‘Memórias de um Cavalcanti” (pág. XXXVI). E outras vezes em seu famoso estudo “Casa-Grande & Senzala” (Editora Record, págs. 378 e 451).

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Três grandes Príncipes celestes




Hoje a Igreja comemora a Festa dos três Arcanjos. Dentre os grandes Anjos da Hierarquia celeste, destacam-se três Príncipes, especialmente designados por Deus para favorecer a humanidade. Trata-se de São Miguel, São Gabriel e São Rafael.
São Miguel
Nome que vem do hebraico, “mika’el”, quer dizer, “Quem como Deus”. Quando Deus revelou aos Anjos no Céu os Planos da Encarnação do Verbo e da Redenção, houve a grande revolta comandada pelo Anjo mais brilhante e bonito que havia, Lúcifer. O brado de revolta foi este: “non servian!” , quer dizer, “Não servirei!”. “Mas como? Logo eu, um Anjo tão formoso, tão poderoso e brilhante, ter que servir a seres humanos, mesmo na pessoa do Filho?” Assim deve ter imaginado Lúcifer em seu estado de revolta. Mas um outro Anjo logo bradou: “Quis ut Deus?”, isto é, quem como Deus? Este Anjo foi São Miguel, logo assumindo a função de Chefe da Milícia Celeste porque passou a comandar os Anjos bons para expulsar Lúcifer do céu. Travou-se então grande batalha, vencendo-a os Anjos fiéis a Deus que logo foram premiados com a Graça da presença divina e a posse da eterna Bem-aventurança. Os gregos, por causa disso, o chamam de “Archistrátegus”, isto é Generalíssimo.
São Tomás de Aquino acha que São Miguel será o Anjo que no fim do mundo há de combater o Anticristo, como fez com Lúcifer. Foi ele desde o início o protetor e defensor do povo eleito, tendo acompanhado-o desde a saída do Egito até a terra prometida. Foi São Miguel quem abençoou a herança de Abraão (Gên 22, 17), contendo o cutelo que ia cair sobre Isaac (Gen 22, 11-14); apareceu a Moisés na sarça ardente (Ex 3, 2); levou a Jesus o cálice que O confortou no Horto das Oliveiras (Lc 22, 43) e foi também quem por algumas vezes libertou São Pedro da prisão.
É ele o Protetor da Igreja e de todos os fiéis, a quem protege de modo especial contra os ataque dos demônios. São Miguel é invocado especialmente na hora da morte, pois neste momento é dado a Lúcifer empreender todos os esforços para perder a alma. Se a pessoa morre na graça de Deus, São Miguel é o Anjo encarregado por Deus de levar a alma para o céu. Por isto ele é chamado, na Igreja, por “Praepositus paradisi”, quer dizer, guarda do Paraíso, acrescido da sentença: “Constitui te Principem super omnes animas suscipiendas” – Eu te constituí Príncipe de todas as almas a serem redimidas. Antigamente, na Missa de encomendação dos defuntos se rezava: “Signifer Sanctus Michael representet eas in lucem sanctam” – Ó Porta-estandarte São Miguel, conduzi-as à luz santa.
São Miguel era também o protetor do povo eleito, conforme fala claramente Daniel (Dan 12, 1). Porém, com a apostasia dos judeus passou a ser o Anjo Custódio da Igreja e de toda a Cristandade. Como citamos acima, no livro de Daniel aparece a disputa entre São Miguel, Anjo Custódio de Israel, e o Anjo protetor dos persas. Segundo São Jerônimo, este último desejava que os judeus permanecessem na Pérsia para mais dilatarem o conhecimento de Deus, enquanto que São Miguel defendia perante Deus a volta dos judeus para a Palestina a fim de que o templo do Senhor fosse restaurado mais depressa. Esta disputa espiritual entre os dois Anjos durou vinte e um dias.
São Pio X, sabedor do poder que tem São Miguel, ordenou que se rezasse a oração abaixo sempre ao final da Missa:
“São Miguel, Arcanjo, protegei-nos no combate; cobri-nos com vosso escudo contra os embustes e ciladas do demônio. Subjugue-o Deus, instantemente o pedimos, e vós, Príncipe da Milícia Celeste, pelo divino poder, precipitai no inferno a Satanás e aos outros espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas”.
O Arcanjo São Miguel por diversas vezes tem aparecido para socorrer os seus devotos. Um dos mais notáveis exemplos foi o que prestou à França, através de Santa Joana D’Arc, a quem São Miguel transmitiu a sublime missão de defender a Filha Primogênita da Igreja contra a invasão inglesa. O Arcanjo fazia-se ouvir à jovem donzela e para ela transmitia suas instruções de como proceder, terminando por convencer os nobres e o rei e, finalmente, vencer os inimigos externos.
A própria santa conta como foram as aparições do Anjo:
“Quando eu tinha mais ou menos 13 anos, ouvi a voz de Deus que veio para ajudar-me a me governar. Na primeira vez, tive medo. E veio essa voz, no verão, no jardim de meu pai, por volta do meio-dia (...). (...) Depois que eu ouvi essa voz três vezes, percebi que era a voz de um Anjo (...). “...Na primeira vez, tive dúvidas se era São Miguel que vinha a mim, e nessa primeira vez tive muito medo. E eu o vi, depois, muitas vezes, até saber que era São Miguel... Antes de tudo, ele me dizia que era uma boa menina e que Deus me ajudaria. Entre outras coisas, disse-me para eu vir em socorro do rei da França... O Anjo me falava da piedade que existia no reino da França”. [i]
O estandarte dos exércitos de Carlos Magno trazia a imagem de São Miguel, com a divisa: “Ecce Michael, Princeps Magnus. Venit in adjutorium mihi”, que quer dizer: “Eis que Miguel, o Grande Príncipe, acode em meu socorro”. Esta divisa e a imagem comemoravam uma vitória alcançada pelos saxões graças ao Arcanjo: o rei da Gália tendo-o invocado, apareceu-lhe São Miguel durante a batalha montado num cavalo branco e sustentando um estandarte azul florido de lírios de ouro. Durante a Idade Média, São Miguel era sempre escolhido como padroeiro das Ordens de Cavalaria.
Com o mesmo aspecto de guerreiro terrível e esplendente, apareceu São Miguel ao lado de Santo Antonio de Lisboa, quando este enfrentou o tirano Ezzelino da Romano a fim de o repreender pelas atrocidades e crimes que perpetrava. Também foi São Miguel que apareceu sobre o castelo de Sant’ Angelo cantando o “regina coeli”, cujo episódio, que contamos acima, foi narrado pelo próprio Papa São Gregório Magno.
Um outro prodígio operado por São Miguel nos remonta ao século V, quando o Arcanjo apareceu por três vezes no monte Gargano. Um rico senhor da cidade de Siponte, na Itália, perdera um de seus touros e passou a procurá-lo pelo monte Gargano. Indo com seus homens até o pico do monte encontram o animal ajoelhado numa caverna inacessível aos homens. Tentando tirar o animal da caverna e não o conseguindo, o exasperado fazendeiro resolveu matar o touro e começou e desferir-lhe flechadas. Mas as flechas voltam-se, antes de atingir o alvo, e ferem o arqueiro. A notícia do fato foi logo se espalhada pela cidade, indo chegar aos ouvidos do bispo, São Lourenço Maiorano.
Era necessário esclarecer o misterioso caso. Assim, o santo bispo ordenou que se fizessem penitências e orações públicas. Ao terceiro dia, aparece ao mesmo bispo o vulto de um nobre cavaleiro todo envolto em clarões celestes. Dizendo-se ser São Miguel, assim falou: “Sou eu o autor do prodígio da caverna. De futuro ela será o meu santuário na terra”.
Decorrido algum tempo, Siponte foi assediada por um exército invasor. A cidade já estava para se render, mas o bispo São Lourenço Maiorano pede e obtém uma trégua de três dias. Neste período, pediu à população para fazer preces públicas e penitências. Ao terceiro dia, o Arcanjo São Miguel lhes aparece reanimando-os a coragem e assegurando-lhes brilhante vitória sobre os inimigos. No outro dia, os sitiados fizeram uma surtida para tentar furar o cerco, quando subitamente viram o mar enfurecido e o ar escurecer-se e encher-se de raios que eram fuzilados contra o exército inimigo. Os invasores de Siponte, que eram pagãos, fugiram apavorados e foram dizimados pelos cristãos.
Logo após, São Lourenço organizou brilhante procissão em direção da gruta de São Miguel, acompanhada por mais sete bispos, pelo clero e por todo o povo da localidade. O objetivo era consagrar a gruta, mas São Miguel já o havia advertido antes que ela já havia sido consagrada pelo próprio Arcanjo.
Foi construído um Santuário no cimo do monte Gargano, sendo instituída inicialmente a festa de São Miguel no dia 8 de maio, dia da primeira aparição. Numerosas foram as peregrinações ao Monte Gargano. Papas, imperadores, príncipes, cavaleiros e santos visitaram o Santuário do Arcanjo. Os Cruzados, a caminho da Terra Santa, faziam do Santuário lugar de passagem habitual e quase obrigatória. Lá iam, entoando salmos para implorar do Príncipe das Milícias celestes a audácia e a coragem de que necessitavam. Reboavam pelo vale seus brados guerreiros: “São Miguel! São Miguel! Deus o quer!”
O Santuário tornou-se um dos locais mais venerados do mundo católico, dando ocasião a que se divulgasse em todo o orbe a devoção ao Arcanjo. Assim, foram construídas igrejas dedicadas a São Miguel em várias partes do mundo, como ao longo do Bósforo, na França (o famoso Monte São Miguel), na Alemanha e na Inglaterra. A bandeira do Império, na Alemanha, a que se levava na frente das batalhas, tinha estampada a imagem de São Miguel.
Lemos no “Livro das Semelhanças”, de Santo Anselmo, que, estando a morrer um religioso do seu Mosteiro, foi este terrivelmente assaltado pelo demônio, o qual o argüia primeiro pelos pecados que ele cometera antes do batismo, sacramento que o monge recebera já em idade avançada. O pobre homem não sabia o que responder, e, quando estava muito perturbado, apareceu São Miguel em seu auxílio respondendo que todos os pecados cometidos antes do batismo haviam sido perdoados por ocasião daquele sacramento.
O espírito mau acusou então o monge de vários pecados cometidos depois do batismo. O Arcanjo novamente responde que essas faltas tinham sido apagadas na confissão geral feita por ocasião da profissão religiosa do moribundo, e que este devia confiar na misericórdia divina. Satanás alegou por fim contra ele as muitas faltas e negligências da sua vida subseqüentes à profissão religiosa. São Miguel declarou que todos os pecados lhe haviam sido perdoados, porque os confessara e satisfizera por eles com boas obras e, especialmente, com a obediência, e que, se algum resto tinha ficado, estava agora expiando por meio do sofrimento naquela doença.
Depois desta última resposta o demônio partiu dali cheio de confusão e o bom religioso, cheio de esperança e confiança, rendeu suavemente a alma a Deus.
Alguns títulos com que é invocado São Miguel
Por tudo o que é perante Deus, e pelo que fez e faz por Sua maior glória, São Miguel é invocado com os seguintes títulos na Ladainha que se reza pedindo seus auxílios: poderosíssimo Príncipe dos exércitos do Senhor; Porta-Estandarte da Santíssima Trindade; Guardião do Paraíso; Guia e consolador do povo israelita; Esplendor e fortaleza da Igreja Militante; Honra e alegria da Igreja Triunfante; Luz dos Anjos; Baluarte dos ortodoxos; Força dos que combatem sob o estandarte da cruz; Luz e confiança das almas no último momento da vida; Socorro certíssimo; Nosso auxílio em todas as adversidades; Arauto da sentença eterna; Consolador das almas que estão no Purgatório; A Quem o Senhor incumbiu de receber as almas depois da morte; Nosso Príncipe e Advogado por ocasião do Juízo, e muitos outros títulos com que os cristãos O invocam.
O Arcanjo São Miguel é também invocado como Profeta, Guerreiro e Exorcista. Como Profeta porque foi o primeiro dos que recebeu luzes divinas para prever os acontecimentos futuros e prevenir os demais Anjos, conclamando-os para expulsar os anjos rebeldes. Como Guerreiro porque foi o primeiro a empunhar o gládio contra a revolta dos demônios, cheio de ímpeto, de força juguladora e de santa tenacidade, o mais forte no choque, o decisivo no vergar o adversário, o supremamente tenaz no resistir a todas as seduções, furores e ciladas de Lúcifer. E, finalmente, como Exorcista porque foi o primeiro a conseguir graças suficientes de Deus para expulsar os demônios onde quer que esteja ou exerça a sua ação. Dotou-o Deus daquele poder invencível que aniquila as investidas e ardis do demônio, tornando-o tão impotente e tão desprezível, quanto é infame e odioso.
Embora tendo sido criado como Arcanjo, São Miguel ascendeu aos tronos dos Serafins e Querubins, sendo um dos Sete Espíritos supremos que assistem sempre na presença do Altíssimo (Apoc. 4, 5).

São Gabriel
Palavra que também vem do hebraico, gabri’el, e significa “Homem de Deus” ou então “Fortitudo Dei” - Força de Deus. Este Arcanjo tem sido o grande embaixador, o mensageiro, das principais mensagens de Deus aos homens, sendo por isto chamado o Anjo da Encarnação, pois foi ele escolhido por Deus para servir de Embaixador junto dos homens em tudo que diz respeito a este assombroso mistério.
Foi São Gabriel quem predisse ao Profeta Daniel o tempo exato do nascimento de Cristo e quem explicou os significados de suas visões: “ouvi a voz dum homem no meio de Uli, o qual gritou e disse: Gabriel, explica-lhe esta visão” (Dan 8, 16); “eis que Gabriel, aquele varão que eu tinha visto no princípio da visão, voando rapidamente, me tocou no tempo do sacrifício da tarde; instruiu-me, falou-me e disse...” (9, 21-22). Foi também ele quem anunciou a São Zacarias o nascimento de São João Batista, o Precursor de Cristo, declarando: “Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus” (Lc 1, 19).
Mas a sua missão mais gloriosa – aquela que o associa inseparavelmente à Encarnação e o impõe à afeição e amor de todos os cristãos – foi a que o fez vir, divino mensageiro da Santíssima Trindade, anunciar à Virgem Maria que a escolhera para ser a Mãe do seu Divino Filho. Sua saudação à Virgem, Ave Maria, tornou-se então a oração mais recitada entre os cristãos, e o maior louvor que se tem prestado à Mãe de Deus.
Foi também São Gabriel quem confortou e consolou o bom São José em sua aflição, avisando-o para partir com Maria Santíssima e o Menino Jesus para o Egito, e depois para que voltasse após a morte de Herodes.
São Rafael
O nome Rafael significa (em hebraico rafa’el) “Medicina Dei” - saúde ou medicina de Deus. Trata-se do Arcanjo que apareceu a Tobias e o ajudou a lutar contra um poderoso demônio, chamado Asmodeu, que se apoderara de sua futura esposa. O próprio Anjo se apresentou desta forma: “Porque eu sou o Anjo Rafael, um dos sete que assistimos diante do Senhor” (Tob 12, 15). Esta comovente história é narrada no Antigo Testamento no Livro de Tobias, onde São Rafael encontra o jovem Tobias a caminho da casa de seu futuro sogro, manda que o mesmo fisgue um peixe, tire dele o fígado para ser usado medicinalmente, e o orienta de como deveria fazer para expulsar o demônio que se apossara da moça. Já haviam morrido sete pretendentes àquele casamento; Tobias seria o próximo, mas cumprindo obedientemente as determinações de São Rafael não sofreu nenhuma influência diabólica e saiu incólume do teste a que se submetera para confirmar o casamento.
Como se vê, grande era o poder do demônio que se apossara da moça, mas muito maior era a bondade de Deus mandando em auxílio dela e do seu noivo Tobias um dos seus maiores Anjos para sua guarda e proteção.
Muitas pessoas pensam, e com razão, que era São Rafael quem curava miraculosamente as feridas dos santos mártires e os fortalecia em meio dos tormentos que sofriam.
É este formidável Arcanjo que reconduz sãos e salvos tantos viajantes à sua terra natal. Acredita-se que seja o Anjo encarregado por Deus de proteger os lares, as famílias.
São Rafael apareceu á Santa Ciríaca, antes de ser martirizada, dizendo-lhe: “Bravo, Ciríaca! Venceste! Cristo-Rei ouviu as tuas orações; continua a mostrar-te forte e valente. Eu, que te falo, sou o Arcanjo São Rafael, que o Salvador te envia para te revigorar e te dar esta mensagem do Altíssimo; porque tu puseste a tua confiança em Cristo glorificarás o Senhor que te fortalece”.
Em 1789, São Rafael apareceu à Irmã Maria Francisca, da Ordem Terceira franciscana. Disse-lhe que veio para curá-la duma ferida que tinha ao lado. Noutra ocasião, o Arcanjo veio de novo à sua presença para lhe curar de um inchaço de uma veia. Isto demonstra como realmente o Arcanjo São Rafael tem poderes medicinais, embora de modo geral todos os Anjos também os tenham.
[i] “Joana D’Arc a Mulher Forte” – de Régine Pernoud, Ed.Paulinas, pp. 21/22.

Mais um herói nacional entre os nossos

Entre os Cavalcanti contam-se antigos heróis da guerra contra os holandeses, artistas, políticos de renome, relgiosos e (dentre estes) um cardeal, os quais deram nomes de ruas e de cidades. Mas não esqueçam que temos também um que foi herói na II Guerra Mundial. Seu nome: Sílvio Marques Cavalcanti. E para provar que não é balela, deixou ele um vídeo contando sua história. Vejam.

Quem pode ler o nosso futuro?


Mais um fato pitoresco da vida de "seu" Batista

Por: João Batista Neto

Extremamente religioso, seu Batista foi sempre muito avesso a fetiches, bruxarias e que tais.
Manhã de sábado, bodega cheia. Balcão lotado de fregueses. Alguns iniciando a maratona de final de semana com um copo na mão.
- Seu Batista, meio quilo de açúcar.
- Seu Batista!
- Netinho, meu filho, me atenda. Deixei o café no fogo...
E por aí afora. Pequena multidão de fregueses (mais de três é multidão). Uns sossegados, outros apressados. Crianças, homens, mulheres. Entre elas, uma se destacava. Espremida no meio do povo, autêntico armarinho de tecidos multicores, rosto oval e branco, cabelos avermelhados, bijuterias, berloques, e um sorriso cheio de dentes dourados. Contorcia-se a cigana e se esmerava na faina de decifrar as tortas linhas das mãos da freguesia.
Após ganhar alguns trocados, a cigana dirigiu-se a seu Batista. Pediu-lhe a mão para ler. Deu-lhe este pouca atenção, ocupado que estava no atendimento à clientela. Mas, para não desagradá-la, estendeu-lhe uma das mãos; com a outra administrava o troco para um freguês.
- O senhor é homem forte. Tem filhos sadios e bonitos. Tem muitos filhos. E tem uma filha. Suas linhas me dizem que o senhor vai ficar rico. Esta curva mostra um grande desgosto por que o senhor passou na vida...
A cigana passou a desfiar uma ladainha rica de generalidades e alguns detalhes de fatos da vida de seu Batista.
Por alguns minutos só se ouviam as palavras da mulher. Todos ficaram atentos. Afinal, muita coisa que ela dizia fazia sentido. Idade dos filhos, sexo, doenças, casas, ruas, endereços, etc
Seu Batista, agora quieto, ouvia. Seu rosto enigmático não lhe revelava dúvida, deboche ou crença.
- O senhor vai ter vida longa. Um de seus filhos vai ser doutor e vai lhe dar muitos netos...
Terminado o discurso da mulher, voltou-se seu Batista naturalmente para o atendimento dos fregueses. A bodega mais vazia, alguns não haviam esperado. Um pouco aborrecido com a cigana, mas sem demonstrar, entregou-se às suas atividades. Esqueceu-a.
- Tá pensando que sou trouxa? Vai me deixar esperando aqui?
- ?
- Tá achando que sou burra ou quenga? Sou cigana e de família nobre. Meu pai...
E seu Batista resolvera não lhe dar mais atenção. Tinha o que fazer. As conversas reiniciaram-se. Estava mais quente. O sol se adiantara. O asfalto, amolecido pelo calor, ardia em brasa.
A cigana perdeu a paciência. Encheu o peito (os dois), avançou com seus penduricalhos sobre o balcão, e desafiou:
- O senhor não vai me pagar?
Silêncio.
- Pagar o quê? - retruca seu Batista, entre zombeteiro e curioso.
A mulher empertigou-se, torceu a boca e, rangendo os dentes irregulares e dourados, retrucou:
- E eu não li a sua mão? E eu não acertei tudo? E por acaso eu errei alguma coisa sobre o senhor? Pois fique sabendo que sempre acerto!
Conhecido por seu ceticismo no que toca a astros, espíritos, profetas, bruxos, seu Batista não perdeu a fleuma.
- Errou nada.
- E então?
- Então o passado eu já sabia. O presente não é segredo pra ninguém, pois minha vida é um livro aberto...
A cigana não se deu por vencida.
- E o futuro? Eu lhe dei toda a sua vida sem mistérios pela frente. Suas mãos me disseram o futuro, seu e de sua família.
- É. Mas no futuro eu não acredito. Portanto, nada lhe devo.

Homenagem póstuma de um filho (XV)

PALAVRAS FINAIS
Por: Jurandir Josino Cavalcante
No texto da vida, a morte é um ponto parágrafo ou um ponto final? Para alguns, cujo texto escrito durante a vida tenha sido de bons exemplos, de boas ações, perseguindo sempre o bem de seus irmãos, é de se imaginar que nesta hora estará assinalando mesmo e apenas um parágrafo, que deverá continuar numa outra vida, além túmulo, coroada com os prêmios adquiridos nesse primeiro momento.
Ponto final estarão assinalando os que escreveram páginas de ódio, de egoísmo, de maus ensinamentos, de destruição, enfim, do próprio irmão.
Num, a morte passa a página do livro da vida, no outro o fecha, e muitas vezes violentamente.
No primeiro, cujas palavras foram escritas com letras de ouro, com ausência de esdrúxulas, onde o estilo por vezes parece galopar, sem entrelinhas e sofismas, o autor está tão bem retratado nas suas páginas que ambos são uma só e única entidade.
No segundo o livro esteve tão mal guardado que a traça fez o seu estrago, a tal ponto que prejudicou até a compreensão do que foi produzido. As palavras, fortemente aplicadas no papel, doem na vista do leitor, ferem o seu intelecto, transmitem insegurança, insatisfação, rancor.
Diante do momento crucial, que o ser transmuta-se deste capítulo para ilustrar um outro, neste momento vêm-lhe à mente milhões de cenas, desenhadas desde a mais tenra idade, contornadas, coloridas com paciência beneditina; num fiat os seus olhos são testemunhas, mais uma vez, daqueles momentos bons, dos lances quase angélicos, escritos durante uma vida sempre inspirada, onde a poesia foi a constante.
Enfim, a dualidade: a morte é o ponto no qual se encontram o antes e o depois. Mas... o depois (?) Temos conhecimento só de ouvir falar. Agora, ela é o interregno, o hiato. Abundam descrições do estado físico do morto, no entanto são impressões de quem está vivo. Quem dará explicações do morrer estando morto?
Estas cogitações são de um vivo, que ainda está escrevendo o seu livro, e que espera fazer uma obra volumosa, pode ser uma epopéia, em prosa ou em verso, evidentemente para ser lida, degustada, indicar caminhos, apontar soluções, ajudar pessoas, tornar o mundo melhor. No ponto derradeiro, que vulgarmente chamamos de morte, não deverá constar um ponto final, mas sim uma vírgula, um ponto-e-vírgula, dois pontos ou um travessão, a indicar que ela terá continuidade, no lugar devidamente escolhido por Deus. E aí nesse outro lugar a assinatura será d’Ele, os pensamentos serão d’Ele, as palavras serão escritas por Ele. Serão meus apenas os louvores, para com o autor da vida e da morte.
Mas, quando penso que a minha inspiração teve origem no desaparecimento do meu querido pai, eu faço a devida mudança de rumo que a meditação deve percorrer, para melhor esboçar o perfil desse homem que foi o meu guia e mestre no viver e no morrer. A minha obra, portanto, deve ter como primícias os lances mais marcantes da vida e culminar com os últimos suspiros do varão que me botou no mundo e guiou os meus primeiros passos.
Bem, agora é voltar o olhar para as últimas cenas, dessa peça encenada com muito suor e choro, e não se ocupar mais da vida que, escrita com profusão de imagens, já bastou para o homem simples que foi o meu pai.
Procuraremos chegar à fronteira, quando se fecham os olhos deste lado e, concomitantemente, abrem-se do outro; vamos dar-lhe o último abraço e dizer-lhe adeus, antes de perdermos – pela impotência da vida – a capacidade de continuar vendo-o, admirando-o e amando-o com o olhar; deixá-lo, no gozo e superioridade da outra vida, usar das faculdades onividentes, de que imaginamos a alma é dotada. E, por isso mesmo, sentir-nos vigiados, como em criança o fomos tantas vezes, por esses olhos que por nós velarão lá do etéreo, como um outro anjo da nossa guarda.
Meu pai, estavas só... Não tiveste a mão amiga a colocar o travesseiro debaixo de tua cabeça, como fizeste com o teu pai João Batista, terna e carinhosamente. Perguntaste: “Está bom assim?” e ele, tranqüilamente: “Está que é por pouco tempo...”. Depois, a longa espera pelo final. E quando ele veio foi terrível, teve que se afastar para chorar a perda profunda. Mas foi um valente, ali, ao lado de seu grande santo, resistiu como um herói, porque era preciso fortalecer aquela alma que daqui a pouco estaria frente a frente com o Criador. Hoje, mais uma vez, essa força foi exigida, não mais de filho para pai, mas de pai para pai, quer dizer, de uma alma para consigo mesma. Onde os filhos? Os amigos? As pessoas que o adoravam? Ninguém perto, navegava sozinho no seu mar, com um vento brando e morno... Os anjos entoando os seus cânticos, podia já sentir o aroma celestial, e nenhuma alma para ajudá-lo a remar, a dar as últimas remadas nas águas turvas do fim da vida. Se bem que, fim mesmo não era, pois se tratava de um homem com lição de bem viver, bem repartir, que se ia para nascer num lugar-prêmio, para onde se vão os bons e amantes do Deus verdadeiro.
Meu pai, Deus te guarde; e, no silêncio de meu sentimento de perda, circundado por este vazio que deixaste, vou repetir, incansavelmente, que te amo! Até que nos encontremos face a face, e eu possa cantar esta e outras canções, olhando dentro de teus olhos paternais, tornados angelicais.
Pai nosso, o meu pai está no céu,
Venha a nós, trazer-nos suas notícias
Faça a sua vontade sem escarcéu
Que ele é bom e merece mil letícias.

O pão nosso, adquirido sem malícias
Nos deu sempre, acompanhado de mel.
E estando junto a nós desde as primícias,
Conduziu-nos, tirando-nos o fel.

Não nos deixou cair no descaminho
Deste mundo repleto de cilada,
Livrando-nos do fumo e do vinho;

Mas, sendo um pai que só queria o bem,
Fez sua prole crescer inclinada
Pra obedecer ao Pai do céu. Amém.

Aqui termino meu panegírico, ao homem simples que repetidas vezes me abençoou, me ajudou a crescer com seus conselhos, se dividindo como um pai, um amigo, um companheiro de todos os momentos. Disse tudo? Não, disse apenas o que foi transbordando do coração e que o intelecto era capaz de reproduzir no papel. Fiz uma biografia, com esforço, de filho que ainda chora pelo pai: não me foi possível ser historiador, a emoção me invadia a cada passo. Deixo aos irmãos as críticas, que poderão completar as lacunas ou corrigir os lapsos. “Se ficou boa e literariamente agradável, era o que eu queria. Se está fraca e medíocre, é o que fui capaz de fazer ”.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Você conseguiria acender um cigarro só com a boca?

O termo "Freaks", em inglês, significa um homem com defeito físico, mas um defeito singular, uma coisa extravagante, excêntrica ou monstruosa e que, apesar de tudo, consegue fazer façanhas. Muitos desses "freaks" se tornaram artistas de circo e produziram alguns filmes nos Estados Unidos, como o de nome "Freaks, fraks, freaks" e cujas cenas ilustradas no vídeo abaixo, especialmente a do ator Prince Randian (sem pernas e braços), acendendo um fósforo e um cigarro só com a boca, demonstra uma grande superação humana das dificuldades da vida. No outro vídeo podemos ver um verdadeiro desfile de "freaks" famosos, todos eles, mais ou menos, das décadas de 40 ou 50.Pois bem, uma coisa tão bonita, como a força de vontade para superar suas deficiências, está servindo para denominar uma "nova onda" de comportamento revolucionário, a "onda friki", conforme já mencionamos em nossa postagem "Você sabe o que é friki?"

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Visita a "los hermanos" argentinos

Veja ao lado uma exposição de slides da viagem que Bárbara fez recentemente à Argentina, visitando Buenos Aires e Bariloche. Deixamos, de propósito, outras fotos tiradas antes de sua partida nesta viagem porque foranm tiradas no dia 8 de agosto, a propósito do aniversário do pai dela.

Minha religiosidade

“Continuando os depoimentos de mamãe sobre o seu passado, vejamos o que ela diz sobre sua religiosidade, ainda hoje uma nota forte e predominante de sua personalidade:
"Toda a nossa religiosidade foi herdada, creio eu, de meu pai. Ele tinha uma boa formação católica, lia bons livros de religião, costumava levar os filhos (até à mais longa distância), sempre a pé, para assistir missas, especialmente quando morávamos no sertão. Certo dia apareceu por lá um santarrão, um homem tido por “santo” por algumas pessoas. Meu pai foi lá conferir se o sujeito era santo mesmo. Por inspiração ou discernimento dos espíritos disse que aquele homem não tinha nada de santo. Chegou até a discutir com o santarrão, o qual terminou por lhe rogar uma praga. Muito católico e confiante na proteção divina, meu pai não teve nenhum medo da praga. Poucos dias depois o referido santarrão se mostrou quem era ao bulir com uma jovem do lugar e ter que sair dali ás pressas. Meu pai também era anticomunista convicto. Quando soube que a badalada “coluna Prestes”, um grupo de comunistas que andava pelas matas, andava pelo sertão e diziam que passaria por onde morávamos, mandou fazer uma grande faixa e colocou-a na entrada do nosso lugarejo; estava escrito nela “abaixo o bolchevismo!” Ele não tinha armas e nem com que enfrentar os comunistas, mas queria deixar patente que não eram bem-vindos.
Quando chegamos em Fortaleza, tinha que ir assistir à Missa numa igreja que ficava longe, ao lado de um hospital psiquiátrico, a qual nós chamávamos “Igreja do Asilo” . Havia também, dentro do hospital, uma capela chamada de “Santa Porciúncula”. Tendo aprendido com meu pai a nunca perder uma missa, e preocupada em não chegar atrasada, sempre saía de casa cedo, de madrugada, e estava na igreja muito tempo antes da missa. Certo dia chegamos lá tão cedo que a igreja ainda estava fechada. Estava com as crianças, que levava comigo para aprenderem o bom caminho. Bati na porta e me atendeu um padre dizendo que ainda era muito cedo e que a missa só começaria dali a tantas horas. Mesmo assim, insisti com ele para que deixasse entrar com as crianças e esperasse lá dentro a hora da missa. Disse ele então que fosse para a capela de Santa Porciúncula, pois lá teria a companhia das freiras. E assim fiz e lá fiquei com as crianças até á hora da missa, isto é, quatro ou cinco horas da manhã (não me lembro bem).
Meu pai também nunca perdeu uma missa de domingo, e até assistia a tantas missas quanto podia no decorrer da semana. Certa feita, quando já morava em Fortaleza, trabalhava como guarda noturno e resolveu deixar o posto de trabalho para assistir uma missa, já amanhecendo o dia. Chegou o patrão e, não o encontrando no seu posto, despediu-o do emprego. Ele nem tentou se justificar ou inventar alguma desculpa esfarrapada, foi sincero e disse simplesmente para o patrão que estava na igreja assistindo a missa. Mesmo tendo perdido o emprego não se arrependeu do que fez, pois, segundo ele, tinha comungado e cumprido uma propósito de fidelidade a Deus”.

Homenagem póstuma de um filho (XIV)

A MORTE DO MEU PAI

Por: Jurandir Josino Cavalcante

Recorro novamente ao prontuário, essa testemunha muda, tesoureira dos instantes mais dolorosos de meu pai. Olho-o com carinho, folheio as suas páginas cuidadosamente, passeando os olhos pelas letras dos médicos, hieroglíficas, misteriosas, apocalípticas, e detecto as últimas cenas da tragédia paterna.
“20.01.95: No quarto dia de UTI, continua quase no mesmo estado. Aceitou parcialmente a sua dieta, acesso venoso na subclava esquerda desde o segundo dia; em uso de sonda nasogástrica, para melhorar respiração; sonda vesical com pouca diurese; líquido diálico já meio limpo. Feito eletrocardiograma; continua monitorizado, em oxigênio contínuo; às 12:15 foi entubado, com uso do respirador artificial automático (Mark-7-Berd); secreção nasogástrica de cor marrom escuro, em quantidade razoável; administrada 10 ml de água pela sonda e aspirado logo em seguida para não obstruí-la. 18:00 h: encontra-se em estado grave, em coma, não respondendo aos estímulos dolorosos, hipotenso, com cianose periférica importante; sem diurese. 21:00 h: aspirada secreção em média quantidade, de cor marrom, finalizando sanguinolenta, bastante por via oral, do mesmo aspecto da cânula. Diante de seu estado cada vez mais grave, foi fechada a sonda nasogástrica”.
Nessa sexta-feira a coragem me saiu fugindo estrada afora, abandonando impiedosamente a minha emoção. O meu pai estava entubado, era tudo, não suportaria vê-lo em mais esse suplício. Os que entraram a visitá-lo, voltaram horrorizados, viram não só um homem que perdera a batalha da vida, mas um homem já quase sem vida, um trapo de homem, uma tênue chama de vida. Onde estava a alegria de meu pai? A sua vivacidade? O seu olhar sincero? A sua palavra amiga? O seu abraço de pai? Estavam ali escondidas à sombra de suas dores, e suas dores a fazerem motim contra esse grande comandante.
Chegara a noite e me vieram os pressentimentos: o meu pai deveria morrer no dia seguinte, sábado, esta noite, portanto, seria a grande agonia, os instantes cruciais, dos estertores... Perguntava-me: por que não ir ao hospital e fazer uma vigília nesses seus derradeiros momentos? Não fui, preferi dormir e aguardar o desfecho da história paterna no meu leito. Sabia que o dia seguinte seria de muita dor, muito sofrimento, em que era necessária muita energia, muita força de alma.
Antes de deitar-me, às 21:00 horas, telefona o doutor Everardo, médico desse hospital, informando o estado de saúde de meu pai. Disse-me: “Está com uremia, pressão de 4 X 6, seu estado é gravíssimo”, e acrescentou: “Considero o seu estado geral como estado de choque”. Travava corpo-a-corpo com a morte, mansa resistência, já que hauridas as forças, tinha-se como vencido. Mas era mesmo um herói prestes a receber a palma do martírio, que viria logo em seguida.
Noite escura, noite tenebrosa...
Dormi, sim, profundamente de sexta para sábado, não sonhei, mas, no momento que abri os olhos, o pensamento como que deu continuidade ao que já vinha martelando, e a palavra foi a mesma: Meu pai!
Nessa manhã de sábado, quente, ensolarada, o prontuário registrou os momentos finais de meu pai, o seu fim, predito por ele há dois dias:
“21.01.95: 06:00 h, aspirada grande quantidade de secreção oral, da cor de borra de café. Realizada higiene oral e íntima, feita glicemia (resultado 240 mg/dc)”. Aqui parece que os órgãos cansados de meu pai perdiam a consistência, se transformavam em lama, se derretiam. O seu esforço talvez de prolongar a vida, pela secura de bem servir a Deus e ao próximo, faziam-no implodir. Seria o caso de perguntar ao seu coração: Velho amante dos filhos, da mulher, dos irmãos, do mundo, de Deus, por que não resistis?
“Prescrição médica, a mesma, assistido pelo plantonista. Feito bicarbonato de sódio, 5 amp. para reanimá-lo, porém sem sucesso. Dieta zero, sonda nasogástrica em aspiração, acrescentado à medicação Revivan 50 ml + SG 200 ml, lento, além de outras medicações anteriores.” A tentativa de reanimá-lo não obtinha mais sucesso, pois já se sentia entregue ao Pai. Não mais se alimentava. Afinal, estava tudo corroído por dentro...
“Muito grave, largado, não mais respondendo aos estímulos verbais, cianosado, pressão arterial inaudível, pulso imperceptível, hipotérmico.” Ora, de flagelado da seca, nos anos de juventude, a flagelado da própria vida, quando a velhice já fazia peso no funcionamento dos órgãos. Não podia mais responder a qualquer estímulo, mesmo à voz de sua princezinha, estímulo maior de sua vida.
“Secreção nasogástrica borra de café, diálise peritonal com líquido sanguinolento. 08:15 h, apresentou parada cardiorrespiratória; feitas manobras de ressuscitação cardiopulmonar e medicação de urgência, no momento, com êxito; administrado Dopomina 45 ml/h; feito eletrocardiograma e respiração cardiorrespiratória”. Borra de café, borra de café... Que doloroso para nós os filhos, que cena terrível, que dor! O meu pai se transformava em borra de café! Mas... e o coração? Estava como um velho relógio, não queria mais marcar as horas, queria deixar-se ficar parado sob a brisa da manhã.
“09:00 h, apresentou bradicardia intensa; feita novamente medicação de urgência, sem êxito. 09:30 h, constatou-se óbito, feito pedido de necropsia, familiares cientes, corpo encaminhado à patologia”. Estava em marcha lenta o velho coração... Era a grande sinfonia que terminava agora com uma simples nota claudicante, e que silenciava pela própria incapacidade de se harmonizar com o restante das notas. O meu pai parava de respirar, parava de falar, parava de ver, parava de pensar, parava de viver... mas não parava de amar, pois é esse o momento em que o ser se encontra capaz de amar verdadeira e profundamente a todos, porque tem não mais a alma a comandar o corpo, mas a alma a ditar todos os procedimentos em vista do amor. Agora, diante do meu velho pai morto, confirmava aquelas suas palavras, de dois dias atrás, respondendo-o: É meu pai, chegou o fim!
Fiquei triste, sim, pois fiquei sem o meu pai, mas... e o Céu, não terá ficado mais alegre com recebê-lo?

Meu pai era tudo o que possuía,
Pois ensinou-me a arte do sorrir,
E nas horas de dor, do mal ferir
Depositou a mão de Deus na minha!

Com teu sorriso, pai, foste meu guia.
Com teu conselho o meu bem conduzir.
Foste a luz pelo caminho a esparzir
As doces notas da Ave Maria!

Hoje rezo, e rezo a toda a hora,
Pelo menos para sonhar contigo...
Porque a morte, que leva tudo embora,

Numa triste manhã, e sorrateira,
Usando da inclemência costumeira
Levou-te, pai, meu único amigo!

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Uma tradição que se perpetua na Igreja: Bênção do Santíssimo Sacramento

As cerimônias que na Igreja se chama "Bênção do Santíssimo Sacramento" foram realzadas com pompa solene e ritual sagrado durante séculos e séculos. Muitos pregoeiros da modernidade disseram que este tipo de cerimônias é coisa do passado e que os tempos modernos exigem coisas mais simples, populares, "rés-ao-chão", para aproximar o Deus do "povão". Não é esta a realidade: elevando os ritos sagrados, com beleza, arte, pompa e riqueza procuramos aproximarmo-nos mais de Deus. Assista as belíssimas cerimônias transmitidas pelos vídeos abaixo. Fazem parte de uma mesma cerîmônia: a Bênção do Santíssimo Sacramento feita pelo padre João Clá na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, dos Arautos do Evangelho, em São Paulo.

domingo, 7 de setembro de 2008

Nossas eleições contribuem para a democracia?

A cada eleição que passa nota-se uma piora na qualidade dos candidatos, do sistema eleitoral e da propaganda política, uma das mais ridículas que existe no mundo. A começar pela própria propaganda do TRE com alguns comerciais horríveis e mal feitos. Quanto aos candidatos, nem se fala. Nesta eleição descobriu-se que mais de 20 candidatos a vereador na Bahia são analfabetos. A par de uma generalizada baixaria na propaganda da TV e do rádio, nota-se também um acúmulo de promessas mentirosas e inverossímeis dos candidatos. Um candidato a prefeito, por exemplo, prometeu construir 500 postos médicos se for eleito, pelo que foi interpelado: como será possível construir 500 postos médicos numa gestão de 4 anos se o mesmo já havia sido prefeito por oito anos (em duas gestões anteriores) e só havia constrúído 85? Que tal a gente dá uma olha nos vídeos abaixo? É uma coletânia da propaganda política de alguns candidatos hilariantes. Se não fosse tão triste e desse vontade de chorar, seria realmente hilariante.


sábado, 6 de setembro de 2008

Unção dos enfermos

Homenagem póstuma de um filho (XIII)

Por: Jurandir Josino Cavalcante

Unção dos Enfermos
Cedinho, quando o fusco da antemanhã ainda lançava as suas sombras sobre as mangueiras de D. Dica, papai ouviu um assobio, longínquo, ecoante, simpático, familiar: “Seu Batiiistaa!” Olhou para a janela do oitão, com o pensamento, pois o sono não o deixava nem mesmo abrir os olhos, e disse baixinho, quase sussurrante, para mamãe que ressonava:
- É o padre Rolim.
Ela, sem se mexer e abrindo os olhos, espantada:
- Esta hora?
Levantou-se, foi fazer o café. Daí a minutos voltou:
- Francisco, ô Francisco! Franciiiisco...
Ele entreabriu os olhos, tentou se espreguiçar... alguma coisa o prendia na cama. O quarto ainda escuro, brumoso, um cheiro esquisito... Quis perguntar pela Raimunda, respondendo ao seu chamado, mas não o fez: junto ao seu leito já se encontrava a enfermeira com um prato de mingau.
- Vamos, Seu Batista?
- Hã!!
- Sabe que horas são? 8:45h, Seu Batista, dormiu que só um frade!
- Atropelou algumas palavras, que a respiração ofegante liberou, alcançando articular ainda:
- A Raimunda e os meninos chegaram...?
- Não, Seu Batista, é de manhã; eles só vêm a tarde.
Aproximou-se mais e logo introduziu a primeira colher de mingau na sua boca, verificando simultaneamente as horas, com fisionomia preocupada de quem não tinha sido substituída no plantão da noite. Mas... nós que estamos tão distantes de ambos, pela ação física do tempo, aproximemos-nos espiritualmente dessa cena, e, se nos deixarem, enfiemos o olho, a língua, ou o dedo, experimentemos esse mingau de maisena. Hum! É um tanto desgostoso, sem açúcar, de uma cor indefinida, nem branco nem amarelo. Ele parece engolir com dificuldade, como quem quer pedir um pouco de água... A enfermeira não, que veste uma roupa velha da cor do mingau, não está tão desanimada assim, tem fome e comeria até isso. Ele anda sem estômago pra digerir, razão por que do seu semblante está saindo este ar de irônica rejeição a tudo, e parece dizer com enfezamento: “Droga! Droga! Tratamento errado, por que toda essa drogaria em volta de mim, e essa parafernália, e esse montão de gente me interrogando?”. Perdoe-me, irmão, você não gosta de citações eruditas, mas olha do que me lembrei agora, daquele verso da Eneida: “Longe de calmo mostrar-se, o remédio mais áspero o deixa” , que me dispenso de citar em latim. Mas está tão impotente, atada a língua, os braços, as pernas, a vontade, a mente, os nervos, que mesmo seu gemido parece sair espremido, contrafeito, furtivo. Queremos ajudá-lo, e estamos também presos a uma impossibilidade, só vencida pelo sobrenatural do qual somos só conteúdo. Não obstante, esquadrinhemos no seu Prontuário os itens mais importantes:


1. Dieta hipossódica branda com restrição;
2. Hidróxido de alumínio, durante as refeições;
3. Capoten;
4. O2 úmido, contínuo;
5. Cabeceira elevada a 45;
6. Cimetidina à noite;
7. Balanço hídrico;
8. Monitorização + ECG diário;
9. Fisioterapia respiratória;
10. Diálise peritoneal;
11. Sinais vitais 4/4h.

Saudades da Leda, hem, papai? Não vamos encompridar este assunto, que vão acontecer coisas mais importantes pela frente.
O prontuário não faz referência à refeição oral antes das 15:15h, quando “Aceitou 150 ml de leite”, mas traz duas anotações aparentemente graves: “18:00 Não foi administrada a dieta neste horário. O mesmo apresentou bastante vômitos”, e de 00:50h: “Consciente, orientado, gemente. Apresentando tosse produtiva, porém sem expectorar. Afebril, taquipnéico... Em diálise peritoneal, a mesma sem drenar satisfatoriamente; retirado cateter e recolocado novo cateter. De início líquido drenando bem, mas logo em seguida a drenagem cessou e o líquido apresentou-se c/ grumos, obstruindo o fluxo; trocado bolsa coletora e equipamento da diálise, porém não houve resultado; plantonista ciente”.
Quando entrei, nesta tarde, o meu pai já tomara o leite, e nem aparentava tê-lo feito, ou talvez sim, se considerarmos a branquidão de seu rosto. Fiz como das vezes anteriores, agarrei a sua perna e sacudi-a devagar. Ele abriu os olhos, que rebrilharam naquele ambiente cinza, aqueles olhos que me ajudaram a trocar os primeiros olhares desta vida, que me guiaram pelas sendas do bem. As palavras que me disse ficaram aqui dentro gravadas e tão fundamente impressas que parece se repetirem, se repetirem, me remetendo para a infância ou para a velhice, num jogo de ser o filho um outro pai:
- Meu filho, chegou o fim!
Perplexo, tive vontade de abraçá-lo, de chorá-lo ali mesmo, de beijá-lo muitas vezes... Chorei-o, sim, senão lá fora, desconsoladamente. Dentre os que se achegaram para aliviar minha dor estava o meu irmão mais velho: lembrou-me desse instante sublime da extrema-unção, que buscasse um padre, fizesse caridade com nosso pai. Não pensei, agi, como um ser que às vezes prescinde do órgão pensante por ser mais prático dar aos outros órgãos o livre arbítrio que eles precisam para atingir o fim que desejamos. Rememore-se à vontade, pois este socorro não lhe faltou, ou porque as pernas souberam cumprir o seu papel, ou porque a fala foi competente para convencer o padre, ou ainda porque este teve boa disposição para atender ao chamado. O certo é que, no declinar do sol, quando todas as frestas apagavam as suas réstias, o meu pai estava recebendo a visita do padre Luiz Alberto.
Difícil não fora trazê-lo, era disposto, principalmente para o mister, pois confessava seguida e pacientemente pelo longo das tardes a quem lhe aparecia carregado de pecados. Quando me introduzi na sacristia estava lá ele, sentado ao birô, purificando uma alma. Logo me chamou. Feito o pedido, desceu ao carro a pegar a maleta de seus petrechos. Abalamo-nos na direção do hospital. No caminho, eu repetia continuamente aquelas palavras do meu pai: “Meu filho, chegou o fim!”. Dentro em mim havia um buraco, expulso por completo o conteúdo do meu corpo, aquelas palavras brincavam de voar no vazio do meu ser, batendo nas paredes laterais e internas da minha cabeça: “Meu filho, chegou o fim!”.
- Padre, por que o homem vive tão intensamente oitenta e três anos, ignorante de seu fim, mas conhece-o quando está bem próximo?
- Meu filho é mistério, que somente a Deus é dado conhecer. Mas conjeturas são bem-vindas.
- Como assim, padre?
-Assim, meu filho: podemos imaginar razões naturais ou razões sobrenaturais. Dentre as primeiras, temos um homem no cimo da montanha dos oitenta e três anos, no declínio das forças, sem o vigor de outrora, tendo aos ombros o peso da ancianidade, a sofrer o terremoto de uma terrível doença. Estremece, tenta se firmar, equilibra-se, cai; prostra-se, tenta ainda se soerguer... e na luta que trava com esse terrível inimigo vai perdendo as forças, vai sentindo esvair-se a própria vida, até que, impotente de todas as potências, reconhece-se um trapo, um nada, um morto-vivo. A vida escapou-lhe talvez pelos poros e teima em estar presente na psique, como uma chama breve que vai desaparecendo ao sopro da brisa. Os limites do homem estão sendo postos à prova, e tendo ele atingido o seu, reconhece-se no fim, sente que esta velha máquina a qualquer momento pára, e, enfim, desiste de resistir, e consciente começa a morrer lentamente, assistindo ele próprio à destruição do que ainda lhe resta. Como o cisne, conhecendo a proximidade da morte, canta seu último canto: “Meu filho, chegou o fim”.
- Esta seria a explicação natural...
- A natural. Entremos na sobrenatural.
Enquanto isto eu acelerava mais o carro, pois uma má impressão me dava aqui dentro de que não chegaríamos a tempo de levar ao meu pai o último socorro, o conforto e esperança para seu espírito. Olhei para o meu passageiro, emudecido de repente; a cabeça um pouco pendida e gota de suor a escorrer se desviando do pomo em direção ao tórax.
- Problemas, padre?
- Não... Sim, minha mãezinha, está também velhinha. Daqui a pouco terei que buscar suas razões, inquirir dos valores naturais e dos sobrenaturais, menos para aliviar-me na perda dela do que para responder ao meu subconsciente às indagações sobre seus momentos finais; e anseio por respostas que satisfaçam aos dois valores. Ao dizer isto os seus olhos brilharam; e se a lágrima veio ao rosto, não a pude ver, pois fui obrigado a dar mais atenção ao trânsito, sob pena de bater noutro carro.
- Padre, a razão sobrenatural!
- Ah! Temos pouco tempo, mas vejamos. O seu pai recebeu uma graça de conversão, que é como um aceno de Deus: “Você, meu filho pródigo, tem o seguinte prazo para voltar para casa, e fazer as pazes com seu velho pai”. Se voltar, será bem recebido. Deus o espera, como aquele outro pai do Antigo Testamento. O filho, ainda entre os mortais, pode escolher de passar o último dia genuflexo, diante da porta que a qualquer momento será aberta para ele abraçar, ainda de joelhos, os pés daquele que lhe dera a vida, e que agora a restitui com promessa de eternidade. Reconciliação é a chave que lhe abre porta... O velho sacerdote, empolgado com o tema dos Novíssimos, parecia fazer sermão aos fiéis na Semana Santa. Discorreu longamente sobre “reconciliação”, “salvação eterna”, “desígnios divinos”. “Não nos é dado conhecer, por nossas potências, o fim do desterro ao qual o pecado nos submeteu, mas muitos são – como seu velho pai – que demonstram sabê-lo a poucas horas do túmulo”; citou Bernardes: “Assim como não soube o dia de minha entrada nele (mundo), tão pouco sei o de minha saída”, e, ao cabo, notando a minha apreensão e a proximidade já do hospital, concluiu com Jó: “O homem nascido da mulher vive pouco tempo e é cheio de muitas misérias; é como uma flor que germina e logo fenece”.
Chegamos, apeamos e fomos ver o nosso homem.
Qualquer descrição que fizesse da natureza, do crepúsculo, das sombras que rondavam o hospital, do bafejo da brisa, do semblante das pessoas, seria mera literatura. Nada via senão o meu pai; nada me atraía a atenção, nada mais ocupava o meu pensamento, nada mais tinha existência senão o meu pai, e era preciso prolongar essa existência, era preciso garantir-lhe a certeza da outra existência; a pregação do sacerdote se repetia lá no âmago de meu ser, como o eco de um sino que deixara de bater.
Ao pé do leito, quando apalpei o seu pé, seco e amarelento, repetindo o gesto das outras vezes, tive um sobressalto: estava frio, frio como o ambiente que o abrigava, como as pessoas que o assistiam. Abriu os olhos, e em tom de surpresa:
- Meu filho!
- Papai – disse-lhe com a emoção meio embargando a voz – trouxe-lhe um padre...
- Oh! meu filho, muito obrigado, Deus lhe pague!
O sacerdote chegara para ajudá-lo a se preparar, a morte era já no caminho: a alma que vestisse roupa nova, expulsasse os maus elementos e começasse a rezar pelas suas futuras companheiras. Abriu a maleta, tirou o aspersório e deu de aspergir tudo, começando pelo meu velho moribundo; nesse momento o meu pai abriu a boca e soltou um urro, de sonido feio, depois quietou, plácido, lúcido e desejoso de acompanhar as orações. Rezamos o confiteor, que é ato penitencial, e foi-lhe dada a absolvição dos pecados: “Deus Pai de Misericórdia que pela ressurreição de Seu Filho reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”. Deu-lhe hóstia, que recebeu naturalmente, quer dizer, sem obstáculos na deglutição, e radiante.
O padre Luiz era singelo no ofício, a modo de quem pouco pensa no que faz, sem lhe botar emoção, mas fazia com graça. Pegou ainda do livrinho para os dois momentos finais: a Unção dos Enfermos, cuja fórmula inicia com estas palavras: “Por esta Santa Unção e pela Sua infinita misericórdia...” e a Bênção Papal: “Eu, pela faculdade que me foi dada pela Sé Apostólica, te concedo indulgência plenária e perdão de todos os teus pecados...”. Com os acréscimos de um Pai Nosso, uma Ave-Maria e um Glória ao Pai. No instante em que iniciamos a oração do Pai Nosso, o meu pai – querendo seguir o costume – fez menção de elevar as mãos, mas foi impedido pelos cordões que o amarravam, e o mesmo quando quis se benzer.
Vem a propósito definir o que foi a existência de meu pai até aqui, e o que vem a ser o que acabamos de contar: Preâmbulo, apenas um preâmbulo. Sim, porque “a morte é premissa de vida e de fruto abundante” , pois a verdadeira vida começa após a morte, duradoura, eterna. Nesta vivemos a contar o tempo, na outra não há tempo cronológico, como dizia Santa Tereza: “Espantava-nos muito, o dizer-se, no que líamos, que a pena e a glória eram para sempre. Acontecia-nos estar grandes bocados tratando disto e gostávamos de dizer muitas vezes: para sempre, sempre, sempre ”.
Para sempre, sim, e para sempre é a separação física, enquanto estivermos nesta vida, “gastando os últimos cartuchos”, mas será grande a alegria se com ele, meu pai, nos reunirmos lá onde Deus tem sua morada, morada celeste.
Retornei com o sacerdote para a sua igreja. Nada mais falamos. Talvez algum comentário sobre o tempo... Despedimo-nos, agradeci muito, osculei sua mão. Fui para casa dividido o pensamento entre o padre e o pai: o padre, um pai; o pai, um padre.
Recorro novamente ao prontuário, essa testemunha muda, tesoureira dos instantes mais dolorosos de meu pai. Olho-o com carinho, folheio as suas páginas cuidadosamente, passeando os olhos pelas letras dos médicos, hieroglíficas, misteriosas, apocalípticas, e detecto mais algumas cenas da tragédia paterna.

Sobre a unção dos enfermos
Sobre a unção dos enfermos, reza o Catecismo da Igreja Católica: "A compaixão de Jesus pelos doentes e as numerosas curas de enfermos são um claro sinal de que, com Ele, chegou o Reino de Deus e a vitória sobre o pecado, o sofrimento e a morte. Com a sua paixão e morte, Ele dá um novo sentido ao sofrimento, o qual, se unido ao seu, pode ser meio de purificação e de salvação para nós e para os outros." (n. 314) e "A Igreja, tendo recebido do Senhor a ordem de curar os enfermos, procura pô-la em prática com os cuidados para com os doentes, acompanhados da oração de intercessão. Ela possui sobretudo um sacramento específico em favor dos enfermos, instituído pelo próprio Cristo e atestado por São Tiago: «Quem está doente, chame a si os presbíteros da Igreja e rezem por ele, depois de o ter ungido com óleo no nome do Senhor» (Tg 5,14-15)." (n. 315).

Alguns “fatinhos” do passado


Eis algumas narrações que a mamãe fez de suas lembranças do passado:

Lembranças da infância
“Meu avô se chamava João Josino e era originário de Tibau, no Rio Grande do Norte. Dizia ele que a sua família, a Josino, era descendente da Holanda. Certo dia, quando eu estava com uns 3 anos de idade (se não me engano), meu pai levou a família e fomos morar em Areia Branca, próximo de Tibau. Minhas irmãs mais velhas (do primeiro casamento de mamãe) foram para a praia e me deixaram em casa com a mamãe. Então eu chorei tanto para ir também com elas pra praia que adormeci (consolada pela mamãe) e quando acordei estava toda dormente de tanta raiva. Demoramos pouco tempo em Areia Branca, logo voltamos para nossa casa em Portalegre. Mas lá em Portalegre a família terminou por se separar. Um dia meu pai bateu em Maria, que era muito geniosa, cansando revolta nos outros filhos, principalmente nas minhas irmãs mais velhas. Foi tanta a confusão causada que isto nos fez separar – minhas irmãs mais velhas (que não eram filhas do papai) foram morar separadas, pois não aceitavam o rigor com que papai as tratava”.

O gavião
“Quando éramos ainda recém casados, sem filhos, mas morando em nossa casa, certo dia veio um gavião e desceu sobre os pintos para pegá-los, mas no momento exato errou o bote, bateu em alguma coisa e ficou ferido no chão. O Francisco foi tentar enxotar a ave, mas eu briguei com ele, com pena do animal, dizendo que não lhe fizesse mal e o deixasse livre. Porém, repentinamente, o gavião atacou o Francisco e lhe feriu no rosto. Vendo-o com o rosto sangrando não contei conversa: peguei um pau e parti para cima do bicho com raiva. Aí o Francisco voltou-se para mim e disse: Eis uma prova de que realmente você gosta de mim!

O ganha-pão
“Antes mesmo de casar-se eu já sabia fazer trabalhos domésticos, fazia renda de bilro, costurava e fazia renda de rendes com a mamãe. Isto me dava alguma renda para ajudar nas despesas de casa. Quanto ao Francisco, ele já havia também se acostumado desde jovem a trabalhar para sustentar seus irmãos mais novos. Ficou órfão muito novo, aos 12 e 16 anos de idade (primeiro da mãe e depois do pai), e desde então trabalhava para sustentar a família, composta pelas suas irmãs, o irmão e a madrasta. Suas irmãs se chamavam Antonia, Anália, Salomé e Rita, e tinha também em sua companhia um irmão caçula chamado Hermes. O Francisco trabalhava no roça plantando milho, feijão e mandioca. Mas também criava animais, como carneiros e porcos, para engordar e vender na feira. Às vezes tinha que matar uma criação ou um porco para ir vender a carne na feira e assim conseguir dinheiro para suprir as necessidades da família.
Minhas cunhadas eram de personalidades fortes, mas diferentes. A Anália era preguiçosa e arrogante, queria mandar em tudo e vivia sempre me pirraçando. Antonia, a mais velha, tinha um pouco de tudo isto mas em grau menor. Era mais compreensiva, mas também não trabalhava para ajudar o irmão. A Rita também não ajudava em nada. Quanto à Salomé, já vivia com seu marido e pouco sei dela.
Já o irmão menor do Francisco, o Hermes, desde cedo revelou-se irresponsável, era jogador e se aproveitava da bondade do irmão que o sustentava. Os outros dois irmãos, Pedro Doca, eram casados e viviam com suas famílias em lugares distantes.

O “regenerado”“Quando chegamos em Fortaleza, conheci um casal que foi pra mim um verdadeiro exemplo de concórdia e de fidelidade conjugal. No início do casamento o marido passou a agir com muita grosseria e rudeza para com a esposa. Esta, porém, suportava tudo calada, sem nada reclamar. Os dias foram se passando e aquele homem sempre a tratar mal a sua esposa e sem que esta nada replicasse, suportando tudo com resignação cristã. Certo dia o homem tratou mal à sua esposa como era costume, e, vendo-a resignada sem nada lhe replicar, parou um instante, ficou olhando admirado para ela e, pasmado, disse para a esposa: “Meu Deus, eu não mereço uma esposa tão boa. Sendo assim, a partir de hoje vou mudar de vida e vou tratá-la diferente, com carinho e amor”. Realmente, a partir daquele dia o marido mudou completamente de comportamento e durante muitos anos que os conheci viveram em santa harmonia.

Os filhos que deram mais trabalho com doenças
“Logo quando chegamos em Fortaleza, os filhos que deram mais trabalho com doenças foram o Juraci e o Jurandir. Apesar de ser muito robusto, o Jurandir foi acometido por um ataque repentino de uma estranha doença que lhe tapava a garganta, sufocando-o. Sua vida foi salva graças a meu cunhado, o José, esposo de minha irmã Antonia. Estando ele na nossa casa, ao ver a criança disse ao Francisco que aquilo era crupe e que o levasse com urgência ao médico, pois era doença que mata em 24 horas. Francisco ficou agoniado, foi até um vizinho, pediu ajuda e o mesmo nos levou em seu carro a procura de médico. Este já era conhecido do Francisco, o qual lhe telefonou antes perguntando se poderia atendê-lo em virtude do adiantado da hora, pois já era noite. O médico foi muito gentil e disse que levasse a criança até sua casa, deu o endereço e ficou aguardando. E lá fomos, eu, o Francisco, o Jurandir e o vizinho. Quando a consulta terminou já era quase uma hora da madrugada. O Francisco não tinha dinheiro e o médico, muito caridoso e amigo, emprestou-o para que fosse comprar o remédio com urgência em alguma farmácia de plantão. E aí fomos no mesmo carro a procura de alguma farmácia, até que a encontramos aberta e compramos o remédio. Na farmácia foi aplicada uma injeção passada pelo médico, enquanto o outro remédio levamos para continuar medicando-o em casa. Quando chegamos em casa foi que vimos que a coisa era realmente muito feia. Antes do e feito da injeção a criança estava sendo sufocada mas ainda um pouco quieta. Agora, porém, o menino ficava o tempo estrebuchando, pulando (tinha quase dois anos) e impaciente com os ataques da doença. Aí nos revezamos a noite inteira: eu ficava com o menino nos braços um tempo, e quando cansava passava para o Francisco. De 3 em 3 horas a gente dava o outro remédio. Até amanhecer o dia... Os acessos foram diminuindo, diminuindo, até parar completamente.
“O Juraci também foi atacado por estranha doença que até hoje não sei o que foi. O menino estava bonzinho e, de repente, arriou das pernas e não conseguia mais andar. Eu e o Francisco ficamos aflitos pois ele já tinha 3 anos de idade e andava normalmente até aquele momento. Até hoje não sei que doença foi aquela; só sei que o levamos ao médico, demos o remédio e ele ficou curado.

Alegria de nascer em boas companhias

A mãe dos quatrigêmios é americana. A filmagem num momento de hilaridade dos bebês mostra a satisfação, a alegria, o entusiasmo com os presentes que Deus lhes deu, o que distoa completamente de certa gente que fica triste quando tem um filho... Ou, até mesmo, no caso das mães perversas, abortam, matam ou desprezam o fruto de seus ventres.

Você sabe o que é friki?

É uma nova "onda". Pretende ser sucessora da onda "hyppie", da onda "pank", da onda "skinhads", da onda "rap", das mil e uma ondas que já surgiram para ditar uma moda toda diferente: uma total despersonalização do homem. Os "frikis" são chamados de "otaku" no Japão, nos Estados Unidos de "freak", etc. O aderente dos "frikis" é um sujeito que vive num mundo completamente irreal, virtual como dizem, uma espécie de autismo consentido, sem participar de nenhuma sociabilidade, fechado dentro de si e dentro de casa, consumindo dia e noite programas de internet, vídeos e filmes de ficção, e levando uma vida em contraste com toda a sociedade. Não pensem que estou inventando coisas: a onda "friki" já predomina em vários países, somente no Brasil ainda não "engrenou". Dizem que quando o sujeito chega ao último estágio do "frikismo" ele perde completamente a capacidade de pensar, vive unicamente pelos impulsos e pelos instintos. Estão dizendo que o "friki" vai ser o "homem do futuro": sem idéias próprias, sem religião, sem Deus, absorto dentro de si mesmo, mas tendo outros "deuses" e outras "religiões" que a internet e a mídia eletrônica vai criando para ele através dos filmes exóticos, esquisitos, personagens estranhas e enigmáticas, etc. No vídeo que aqui divulgamos eles fazem propaganda de suas "sete maravilhas", que substituem as outras da antiguidade clássica. É uma pequena amostra. Mas quem quiser saber mais clique aqui e acesse o Quodlibeta.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Abençoe, Senhor, nossas famílias

A música do padre Zezinho é um pouco antiga e muito conhecida, mas o vídeo abaixo a apresenta junto com expressivas fotos em forma de slides. Vale a pena ver.