Antônio Guedes de Paiva, bravo guerreiro que lutou contra os holandeses, tendo chegado a conquistar a patente de coronel, pertencia à companhia comandada por Bernardo Vieira Ravasco e um de seus feitos registrados foi ir “em duas canoas de pescadores de noite, com risco da própria vida e por uma notável tempestade que naquela noite sobreveio ao encontro de quatro naus holandesas fundeadas na barra do Paraguaçu... Passou perto das mesmas naus a recolher pelo mesmo rio a sua companhia que nele estava com o seu Terço para defesa daqueles engenhos...” Não há registro sobre sua família e descendência. Alguns Paiva se destacam hoje, mas a família não é numerosa. Há um município Paiva em Minas Gerais, com pouco mais de 1.400 habitantes. Algumas personalidades se destacam como Ataulfo Nápoles de Paiva, magistrado gaúcho, Francisco Álvaro Bueno de Paiva, político mineiro falecido em 1928, Galva Paiva e Marcelo Rubens Paiva, escritores, etc, mas todos de pouca expressão no cenário nacional
segunda-feira, 31 de março de 2008
Origem dos Paiva
Antônio Guedes de Paiva, bravo guerreiro que lutou contra os holandeses, tendo chegado a conquistar a patente de coronel, pertencia à companhia comandada por Bernardo Vieira Ravasco e um de seus feitos registrados foi ir “em duas canoas de pescadores de noite, com risco da própria vida e por uma notável tempestade que naquela noite sobreveio ao encontro de quatro naus holandesas fundeadas na barra do Paraguaçu... Passou perto das mesmas naus a recolher pelo mesmo rio a sua companhia que nele estava com o seu Terço para defesa daqueles engenhos...” Não há registro sobre sua família e descendência. Alguns Paiva se destacam hoje, mas a família não é numerosa. Há um município Paiva em Minas Gerais, com pouco mais de 1.400 habitantes. Algumas personalidades se destacam como Ataulfo Nápoles de Paiva, magistrado gaúcho, Francisco Álvaro Bueno de Paiva, político mineiro falecido em 1928, Galva Paiva e Marcelo Rubens Paiva, escritores, etc, mas todos de pouca expressão no cenário nacional
Nossas origens
Quando o Sr. Batista casou-se, sua esposa já trazia o nome da família Cavalcante: D. Raimunda Josino Cavalcante era filha de Francisco Cavalcante de Paiva e de D. Bárbara Josino da Costa. (D. Bárbara fazia um segundo casamento com o Sr. Francisco). Os Cavalcante que aí se casavam (Sr. Batista e D. Raimunda) não tinham, no entanto, nenhum parentesco, nem sequer distante. O mesmo ocorreu com o filho do casal, Jurandir Josino Cavalcante, que casou-se com D. Lúcia Cavalcante, filha de um Cavalcante cearense, mas não tinham qualquer parentesco, mesmo longínquo.
UM COMERCIANTE EM APUROS (XXIV)
Um dia fui me confessar
Era no fim de semana
Vi um cálice na igreja
Perguntei: aí tem cana? [1]
Nessa fase do meu comércio eu era visto como um bom samaritano, motivo pelo qual boa parte dos vizinhos me convidava para ser padrinho de seus filhos. Portanto o personagem em destaque entrava nesse rol, éramos compadres.
Construtor civil, gostava muito de “morder a batata” e, um detalhe, quando estava sóbrio conversava muita asneira. Mas... embriagado? Ah, era intolerável e metido a valentão.
Aconteceu num sábado, estava de folga e cheio da nota. Apareceu à noitinha e ficou bebendo, dentro do seu habitual.
Comerciante já por profissão, sentia a necessidade e obrigação de atender bem todo tipo que aparecesse, e nesse caso a obrigação se acentuava por se tratar de pessoa de minha relação familiar.
Noite alta, entra um desconhecido, moreno, alto, também com aparência de embriaguez, porém muito calmo. Pediu uma bebida, tomou, pagou e foi saindo sem dar atenção ao meu compadre. O Evangelista acompanhou-o e, após ligeira discussão, na qual agredia com palavras o outro, aplicou-lhe violento soco e fê-lo cair sentado, sem oferecer resistência. Assim mesmo, não satisfeito, fez nova investida. Mas, o bom samaritano era bom samaritano mesmo, cruzei o meu estabelecimento e tomei a frente e defesa do mais fraco. Inconformado, o meu "bom" Evangelista disse: “Você em vez de tá comigo, tá contra mim?”
“Não, respondi-lhe, não estou contra ninguém, é que o moço está indefeso e você não bate mais nele!”
Tomei o rapaz pelos braços e pedi que fosse embora.
O compadre, cabisbaixo, voltou-se em direção de sua casa, insatisfeito com o desfecho do caso.
Era sempre assim, cada briga que havia eu tinha sempre que intervir, expondo-me ao perigo, mas contava com a proteção de minha Boa Mãe que me fazia vitorioso nessas horas.
[1] - poesia de cordel.
sexta-feira, 28 de março de 2008
NOSSOS CASAMENTOS
Tradição poética que vem da Idade Média
Conforme consignamos na seção em que contamos a origem da família Cavalcanti, Guido Cavalcanti foi um poeta italiano nascido em Florença, contemporâneo de Dante Alighieri e um dos fundadores do "il dolce stil nuovo", escola poética refinada e sutil, caracterizada pela espiritualização do amor. Seu pai, partidário do partido dos guelfos, exilou-se em Lucca após a vitória gibelina (1260) e quando voltou à Florença casou o filho poeta com a filha de um chefe gibelino. Após estudar com o filósofo e professor Brunetto Latini, participou da vida política florentina, fazendo parte do Consiglio del Comune (1284-1290) e lutou pelos "brancos", partido burguês aliado à família Cerchi contra o barão Corso Donati. Preso e exilado, faleceu em Florença, em conseqüência de malária adquirida no exílio. Deixou cerca de cinqüenta poemas e sonetos de amor, vários deles dedicados a duas mulheres: Mandetta, a quem conheceu em Toulouse (1292), e Giovanna, a quem ele chamava Primavera. Com um estilo leve e musical, também compôs várias baladas e canções, entre elas "Perch'io non spero di tornar giamai" (Porque eu não espero voltar jamais), composta no exílio. Sua obra é considerada um marco decisivo da literatura italiana do século XIII.
Foram estes poemas amorosos que antecederam à literatura da cavalaria romântica, dando início assim à decadência moral do Renascimento cultural na Europa.
A última notícia antes de cair doente
segunda-feira, 24 de março de 2008
Reportagem do jornal "O Povo"
Homenagem póstuma de um filho (II)
Por: Jurandir Josino Cavalcante
Veio a seca, as dificuldades. Precisou de alargar o seu mundo, pois com a família ficando numerosa, o espaço não dava para abrigar os seus projetos, os seus sonhos. Não foi homem de pensar alto, como seus cunhados Assis e João, que foram bater pernas para as bandas do Sul. Pegou montaria e se retirou para Fortaleza, onde escreveu o mais longo capítulo de sua vida. Aqui os conhecimentos foram se alargando, mas aquela experiência haurida negociando nas feiras deram-lhe as ferramentas para a construção do novo mundo, onde, quando as forças já pareciam declinar, nasceu a fonte da inspiração e o desejo de fazer arte. Não sei bem se essa arte nasceu de uma necessidade, de um certo vazio que a velhice foi pondo no indivíduo, de uma solidão, de um buscar-se a si mesmo, no que passou, no que fez, e mesmo naquilo que gostaria de ter realizado. A necessidade – diz um escritor antigo – é a mãe das artes[1]. Assim, parece que transformou a própria velhice participando ora de um pastoril, ora de um coral, coisas que nunca pensara fosse capaz de fazer.
Cantava, sim, mas a sua voz era muito desafinada (que me perdoe o meu bom pai lá do céu), e um dia, o novo maestro querendo melhorar a afinação do conjunto, eliminou-o do coral. Resultado: foram longos dias de depressão, queixando-se a um e outro filho e aos amigos. O maestro não se agradara de sua voz, não gostava dele, o maestro isso, o maestro aquilo. Um dos filhos, por fim, decidiu falar com o dirigente musical, que o acolheu novamente.
O teatro não passou de umas poucas participações suas num pastoril, no papel de Rei Mago. Mas encheu-o de alegria a filmagem que um filho fez de uma dessas apresentações.
O padre Antonio Vieira, num de seus famosos sermões, diz que o homem sendo formado de duas entidades, o corpo e a alma, tem necessidade de que uma delas comande todas as nossas atividades. E como fomos criados para dar glórias a Deus, isto só é possível se o comando estiver com a alma. Mas qual é a percentagem de domínio que esta tem que ter sobre o geral de nossas ações, para que a vontade divina seja atendida? É indagação bem difícil de responder, se levarmos em conta o homem comum, que vê na prática religiosa apenas um costume, um hábito de família. Não é o caso de papai, pois parece que convivia mais com o espiritual que com o material, fazendo dos preceitos religiosos a sua regra de vida.
Quando moço, soube conduzir a educação da família dentro do grêmio da Igreja, e, velho, colaborou, ele mesmo, com os trabalhos apostólicos.
Entrou para a confraria dos Vicentinos, onde não teve a mínima dificuldade de se adaptar. O seu espírito caritativo, a sua honestidade, o seu desprendimento, a sua lealdade, a sua vontade de servir ao próximo, sem interesses, sem vantagens pessoais, renunciando às comodidades de seu lar, fizeram-no um líder nato daquela pequena e humilde comunidade de religiosos.
O bairro todo o conhecia, principalmente os mais carentes. Todo mês distribuía alimentos e um pouco de dinheiro para os seus “assistidos”. Mas não ficava só nisto o seu sacerdócio. Era chamado quando um que estava doente piorava, ou quando morria. Diante do moribundo agia com tanta unção que mais semelhava o ministro da Igreja, confortando a viúva e órfãos naquele derradeiro instante. Fazia-o sozinho, porque a força que havia em sua alma o impulsionava à prática da verdadeira fraternidade cristã, sabendo que ali estava diante também da carência espiritual. Sabemos que, pela sua capacidade de se envolver com os problemas alheios, com as aflições e dores dos mais desvalidos, deve ter chorado ao pé de tantos leitos, fazendo coro às dores dos que ficavam, como um familiar a mais, ou como um amigo muito íntimo.
Na igreja de São Pio X era ministro eucarístico. Assíduo e sempre disposto a cumprir o seu ministério. Aqui distribuía o alimento espiritual, o corpo e o sangue do Salvador do Mundo, morto na cruz para redimir a humanidade, encarcerada que estava sob o poder do demônio. Lá a sua grei, assistida também com assiduidade com o alimento do corpo, com as migalhas que alcançava obter dos menos desvalidos, na esperança de tirá-los dos grilhões de uma miséria incurável. Muita vez eram os mesmos que comiam de um e outro alimento. Nessas horas, a sua satisfação era dobrada, pois sabia, pela própria experiência, que corpo e alma reclamavam ambos do sustento vivificante.
Não foi homem de fortuna, é sabido. Os parentes e amigos não o queriam pelo dinheiro, tampouco os desconhecidos. Era, sim, feliz. A felicidade tem esse ímã que atrai como a força de um milagre. Os parentes o amavam, os amigos o admiravam, os desconhecidos... aprendiam cedo também a amá-lo e admirá-lo. Não conheceu a prosperidade, mas cresceu tanto em bondade que ao chegar ao cume dos oitenta e três anos pode-se dizer que triunfou: deixou para trás “desmoronamentos”, desilusões, desenganos... e um barco que nunca deixara naufragar. Falto de instrução, simples e talhado desde o berço para as lides do campo, acumulou um saber natural, que a própria vida lhe foi dando, à medida que as cãs apareciam por entre a cabeleira. E todos bebiam dessa fonte e saíam revigorados.
Quinto filho de uma família de quatro homens e quatro mulheres, sobreviveu a todos eles, ficando como um líder para o quarteto sobrevivente. À mais próxima, Antonia, que conheceu a viuvez ainda nova, assistia-a como um pai, sendo mais novo do que ela. A sua casa era o centro para onde convergiam os que se retiravam – como ele mesmo o fizera – para a Capital, e nunca poupou esforços para bem atendê-los, abrigá-los, ampará-los. Dentre as que estavam distantes, Salomé merecia maiores cuidados pois atormentava-a uma dolorosa e fatal doença: um câncer que a consumia paulatinamente. Visitava-a, a fim de dar-lhe o conforto naquela fase já considerada terminal. Voltava ufano dessas viagens, parecia que regressava de uma missão de paz, sua interferência tinha sido fundamental para o apaziguamento dos ânimos. Acreditava poder voltar muitas vezes a revê-la e com ela rezar o “Pai Nosso”...
Sábado, 24 de setembro de 1994: o jornal O Povo, de Fortaleza, no seu caderno especial “Vida & Arte”, publicou uma matéria com o título “A idade da sabedoria”, assinada por Ana Cláudia Peres. Assim termina o primeiro parágrafo a jornalista: “Seu Batista, 83, o poetinha, entra em cena e a claque agradece...”
Era assim, papai volta e meia dava largas a sua veia poética, fazendo versos de circunstância. Surpresas, as pessoas achavam pitoresca aquela lucidez, e se sentiam confusas na hora de calcular-lhe a idade. Mas o que mais contagiava era a sua alegria; afinal, as pessoas acham que velho não combina com luz, lucidez, fogo. E seu semblante era sempre iluminado, os olhos vivos, a mente fortemente preparada para disparar a palavra exata, a frase lapidada, com um calor que poderia dizer-se juvenil".
[1] Orígenes.
sábado, 22 de março de 2008
Mais um fato pitoresco
"Extremamente religioso, seu Batista foi sempre muito avesso a fetiches, bruxarias e que tais.
Manhã de sábado, bodega cheia. Balcão lotado de fregueses. Alguns iniciando a maratona de final de semana com um copo na mão.
- Seu Batista, meio quilo de açúcar.
- Seu Batista!
- Netinho, meu filho, me atenda. Deixei o café no fogo...
E por aí afora. Pequena multidão de fregueses (mais de três é multidão). Uns sossegados, outros apressados. Crianças, homens, mulheres. Entre elas, uma se destacava. Espremida no meio do povo, autêntico armarinho de tecidos multicores, rosto oval e branco, cabelos avermelhados, bijuterias, berloques, e um sorriso cheio de dentes dourados. Contorcia-se a cigana e se esmerava na faina de decifrar as tortas linhas das mãos da freguesia.
Após ganhar alguns trocados, a cigana dirigiu-se a seu Batista. Pediu-lhe a mão para ler. Deu-lhe este pouca atenção, ocupado que estava no atendimento à clientela. Mas, para não desagradá-la, estendeu-lhe uma das mãos; com a outra administrava o troco para um freguês.
- O senhor é homem forte. Tem filhos sadios e bonitos. Tem muitos filhos. E tem uma filha. Suas linhas me dizem que o senhor vai ficar rico. Esta curva mostra um grande desgosto por que o senhor passou na vida...
A cigana passou a desfiar uma ladainha rica de generalidades e alguns detalhes de fatos da vida de seu Batista.
Por alguns minutos só se ouviam as palavras da mulher. Todos ficaram atentos. Afinal, muita coisa que ela dizia fazia sentido. Idade dos filhos, sexo, doenças, casas, ruas, endereços, etc
Seu Batista, agora quieto, ouvia. Seu rosto enigmático não lhe revelava dúvida, deboche ou crença.
- O senhor vai ter vida longa. Um de seus filhos vai ser doutor e vai lhe dar muitos netos...
Terminado o discurso da mulher, voltou-se seu Batista naturalmente para o atendimento dos fregueses. A bodega mais vazia, alguns não haviam esperado. Um pouco aborrecido com a cigana, mas sem demonstrar, entregou-se às suas atividades. Esqueceu-a.
- Tá pensando que sou trouxa? Vai me deixar esperando aqui?
- ?
- Tá achando que sou burra ou quenga? Sou cigana e de família nobre. Meu pai...
E seu Batista resolvera não lhe dar mais atenção. Tinha o que fazer. As conversas reiniciaram-se. Estava mais quente. O sol se adiantara. O asfalto, amolecido pelo calor, ardia em brasa.
A cigana perdeu a paciência. Encheu o peito (os dois), avançou com seus penduricalhos sobre o balcão, e desafiou:
- O senhor não vai me pagar?
Silêncio.
- Pagar o quê? - retruca seu Batista, entre zombeteiro e curioso.
A mulher empertigou-se, torceu a boca e, rangendo os dentes irregulares e dourados, retrucou:
- E eu não li a sua mão? E eu não acertei tudo? E por acaso eu errei alguma coisa sobre o senhor? Pois fique sabendo que sempre acerto!
Conhecido por seu ceticismo no que toca a astros, espíritos, profetas, bruxos, seu Batista não perdeu a fleuma.
- Errou nada.
- E então?
- Então o passado eu já sabia. O presente não é segredo pra ninguém, pois minha vida é um livro aberto...
A cigana não se deu por vencida.
- E o futuro? Eu lhe dei toda a sua vida sem mistérios pela frente. Suas mãos me disseram o futuro, seu e de sua família.
- É. Mas no futuro eu não acredito. Portanto, nada lhe devo".
UM COMERCIANTE EM APUROS (XIII)
A constante de minhas histórias é o aparecimento de um desconhecido que cria problemas; aparece como que do nada, cria o problema, depois desaparece. E pra não fugir da regra... no momento em que estava no balcão, chegou um sujeito de mais ou menos um metro e oitenta, moreno, magro, portando uma bengala de metal e uma peixeira de nove polegadas embrulhada num jornal.
Pôs a faca no balcão e ficou escorado na bengala.
Disse: “Sou irmão do Inspetor Erondino, sou valente, oito soldados não me prendem, quero beber e não vou pagar!
Olhei pra ele e mostrei as prateleiras: “Meu amigo, esta bebida que o senhor está vendo foi comprada, e se o senhor não tiver dinheiro, mesmo que seja Lampião vai sair sem beber!
Ele bateu amigavelmente no meu ombro: “Você é meu amigo, dê-me um cigarro”.
Dei o cigarro... e fiquei pensando comigo mesmo: “Se ele fosse valente mesmo, como é que eu me arranjaria?”Mas graças a Deus mais uma vez me saí bem.
terça-feira, 18 de março de 2008
São José, testemunho silencioso da História
São José é Padroeiro do Ceará, cuja festa se celebra a 19 de março. Nosso pai, o Sr. Batista, tinha por Ele uma devoção especial, conforme nos falou algumas vezes. Um dos aspectos que mais chama a atenção da vida do Patriarca pai de Nosso Senhor Jesus é o silêncio. Mas, mesmo no silêncio, quanto realizou Ele!
Convido meus amigos e parentes a visitar o blog sobre filosofia e religião, clicando aqui http://quodlibeta.blogspot.com/ , onde poderá ler um artigo escrito sobre São José e indicação de alguns links sobre o mesmo assunto.
Juraci josino Cavalcante.
segunda-feira, 17 de março de 2008
UM COMERCIANTE EM APUROS (XII)
Sexta-Feira da Paixão
Neste tempo eu inda bebia
Um dia ela me atacou
Com uma tão grande arrelia
Que eu consoei o jejum
Antes de dar meio-dia [1]
Por esse tempo o Netinho havia deixado o Seminário[2], e estava trabalhando na Fábrica Santa Cecília. O Assis, meu segundo filho, na aviação. Os outros, muito pequenos, não davam muita ajuda. Mas, nas horas vagas, era o Netinho quem ajudava na mercearia.
E, justo numa hora dessas em que ele despachava, enquanto me encontrava recostado ao balcão pelo lado de fora, entrou um desconhecido, embriagado, que também recostou-se ao balcão. E como percebemos o seu estado, ninguém deu-lhe atenção, mas, para espanto de todos, a primeira palavra que pronunciou foi esta, depois de olhar para o Netinho: “Este cara aí é... veado!” Aproximei-me dele e repreendi-o: “Olha, rapaz, esse aí é meu filho, e exijo respeito”. Ele então repetiu a frase, mas, antes que fechasse a boca, peguei-o e joguei-o de porta a fora. O pobre, sem muito equilíbrio, depois de alguns cambaleios, caiu na calçada de paralelepípedos e ficou estatelado. Porém, fiquei com tanta pena do miserável, que levantei-o, com a ajuda do Netinho, e levei-o para o beco. Acomodei-o à sombra, sob uma mangueira de D. Dica. Lá ficou até melhorar, depois desapareceu.
Até hoje, passados tantos anos, desconheço quem era ele, ou de onde viera.
[1] - Estamos sempre colocando estas poesias de cordel, de autores desconhecidos.
[2] Netinho esteve interno num Seminário (da Ordem dos Salvatorianos) de Jundiaí, em São Paulo, por um período de 6 anos. Para lá foi em 1950, quando tinha apenas 13 anos de idade, e voltou em 1956, aos 19 anos. Foi levado por um padre que gostou muito dele, pois estudava num Seminário Menor que havia em Pacoti(CE), onde hvia sido internado em 1949.
sábado, 15 de março de 2008
terça-feira, 11 de março de 2008
Homenagem póstuma de um filho (I)
Por: Jurandir Josino Cavalcante
Lendo um livro sobre a vida de São Pio X, no qual o autor descreve o seu carinho à memória do pai João Batista, fiquei tentado a imitá-lo, quando escreveu um oferecimento, singelo, ao seu falecido genitor, no primeiro livro de registro de missas, que assim dizia, em língua latina: “pro patre defuncto”, por meu falecido pai. Esta, pois, será também a minha epígrafe, que anteponho às missas que agora começo a mandar rezar, igualmente como um reconhecimento de um filho da grandeza do pai, cuja lacuna deixada só será preenchida no encontro que espera ter com ele no céu.
Como parecem longe os dias de convivência que privamos com ele, parece se perderem nas brumas de um passado longínquo, guardado em nossa alma, em todos os seus pormenores. Mas esse passado avançou com o próprio viver e atingiu o ponto de chegada. Mas que caminhada! Quanta coisa a lembrar, a encher a imaginação. Enfim, é o momento de parar para dar aquele grande suspiro, cheio de dor porque passou o tempo, mas cheio de alegria porque a obra obedeceu àquelas sábias palavras de São Paulo: “Combati o bom combate, acabei a minha carreira, guardei a fé” (II Tim. 4,7). Era o fim de sua vida e nem percebíamos; eram os seus derradeiros momentos, as suas últimas palavras, os seus últimos olhares. Nada nos fazia pensar, evidentemente apenas os seus acumulados anos, corrijo-me, pouca coisa nos fazia pensar nesse fim próximo. No fim daquele que tinha sido para nós o farol a nos indicar a boa rota a seguir, enfim, o pai, o amigo, o conselheiro... Era ele, apesar de sua fraqueza aparente, de seu pouco preparo intelectual, o nosso super-herói, que chegava na hora certa, que nos acudia no instante oportuno. Como podia ter fim um ser com tão grandes predicados? Porquanto é difícil, senão impossível, pensar que aquele que se ama vai morrer algum dia. Afinal, o amor tem essa virtude, prolonga a vida para além da morte. Pois nós o sentimos em cada momento de nossa vida, vivo, presente, com o seu ar alegre, jovial, a sua disposição para aceitar as dores com resignação e as tristezas com abundantes esperanças numa alegria próxima.
Era esse o nosso velho pai no ocaso de sua vida. Nele inexistia a pressa, a correria, o nervosismo, o levantar a voz. Era a paz de forma excelente, e era a excelência da boa amizade, do riso fácil, da pilhéria, da facécia e salamaleques nos encontros ocasionais com os amigos. Para uns, fazia que puxava uma arma, com outros tratava pelo nome de alguém de má fama, e com o meu sogro dizia: “Compadre, aonde é que dói?” A pergunta tinha uma explicação: “Velho não pergunta ‘como é que vai’, mas ‘onde é que dói’. Para sua esposa, a dona Raimunda, tudo isso ‘era caduquice’, pois não achava nada engraçadas as momices e pilhérias do marido. Apesar de muitas vezes ter sido surpreendida pelos filhos dissimulando o riso após ter tentado demonstrar um desagrado.
Magro, escaveirado, queixando-se apenas de uma dor na perna, gozava de muita saúde, com disposição de sobra para o trabalho. Circunscrevia-se o seu campo de ação ao exíguo quintal de sua modesta casa. Trabalhava com afinco no trato de suas árvores frutíferas. Amava-as, conversava com cada uma, chegava a manter com elas um relacionamento quase de amigos. Subia, colhia os seus frutos, descia. Podava-as, estrumava-as, aguava-as. Sentia-se realizado com fazer diversas qualidades de doces, em calda, em creme, em pedaços, para dá-los aos filhos quando das visitas que recebia deles nos domingos. Quando a semana “demorava a passar”, ia decretado levar o pequeno pote de goiabada para o filho, ocasião em que matava as saudades e atualizava os assuntos. Para cada um tinha um tratamento apropriado, uma palavra ou um dito engraçado no instante de entregar o produto de suas “expedições” naquele seu reino encantado, naquele seu mundo vegetal.
sexta-feira, 7 de março de 2008
UM COMERCIANTE EM APUROS (XI)
Briga do “Catita” com o açougueiro
Se é mulher fica sem jeito
Se é homem perde o caráter
Se é artista perde a arte
Se é rico perde o respeito
Tudo o que faz é mal feito
Segue logo na má regra
Da família furta e nega
Por faltar-lhe a cerimônia
Fica mesmo sem vergonha
O homem que se embebeda [1]
Em minha bodega, quase diariamente, reunia-se a turma da cachaça.[2] Essa turma era composta de pessoas vizinhas, gente amiga que, geralmente, não dava trabalho. E, se acaso aparecia algum elemento estranho criando problema, não precisava me preocupar, a turma se encarregava de enxotá-lo. Eram sempre os mesmos: Pereirinha, Catita, Jorge, Zé Estelo, Acrísio, Galalau, Zequinha e Vicente Pinto. Havia muitos outros, mas não tão assíduos quanto estes.
Um dia, em que estavam presentes apenas o Pereirinha e o Catita, apareceu um magarefe, de nome Eduardo, novo no bairro, procurando entrosamento com o pessoal. Ficaram bebendo, contando piadas, disputando a “rodada” no palitinho: quem perdia, pagava a despesa.
Às tantas o tal açougueiro, já alto na bebida, não sei por qual motivo, iniciou uma discussão com o Catita. Aliás, era este um moço pacato, não gostava de encrenca com ninguém, nem mesmo quando embriagado. Mas o açougueiro, que era sujeito esquentado e que se prevalecia da peixeira à cintura, não conversou muito, puxou da lâmina, que não era pequena, e investiu contra o Catita. Por seu turno, não sendo de briga, como dissemos, o Catita começou a pular para se defender de seu furioso adversário. De repente, o Pereirinha, caindo em si do perigo que estava correndo seu amigo, lançou-se contra o agressor, com a rapidez de um felino, desarmando-o e jogando a arma em cima do balcão.
Atento a todos os lances, peguei a faca e guardei-a. Porém, não conformado com a derrota, o açougueiro brigão voltou-se contra o Pereirinha, numa luta desalmada e... desarmada. Este, apesar da pequena estatura – um metro e meio, para um adversário de um e setenta – não desanimou. Atracados, o mais fraco usou de uma tática, empurrou o outro contra o balcão ao mesmo tempo que olhava-me – suplicante – como a pedir ajuda. Não podendo ficar alheio, abarquei o valentão pela garganta, apertando-o sem muita força, pois logo veio a clemência. Aí falei: “Pode deixá-lo, agora ele vai ficar quieto”. O remédio sendo forte e eficiente terminou por amansá-lo, embora reclamasse de sentir dores na garganta. Mas disse-lhe, desculpando-me, que essas dores iam passar. Por fim, com o Catita se recuperando do susto, os brigões continuaram bebendo, sem qualquer problema, como se esta tivesse sido apenas a cerimônia de iniciação de mais um na turma.
[1] Extraído de poesias de cordel.
[2] Talvez por sua bondade meramente natural e humana, o senhor Batista não percebia o mal que fazia em vender aguardente. O que ele almejava era, antes de tudo, conseguir o sustento de sua família. Deixar de vender um produto que lhe rendesse algum lucro era um sacrifício que exigia a prática de uma bondade superior, que ele sequer imaginava. Apesar de vender o produto, no entanto nunca em nenhum momento ele tentou sequer prová-lo, nem a cachaça nem o cigarro eram vícios que lhe atraíssem.
quarta-feira, 5 de março de 2008
UM COMERCIANTE EM APUROS (X)
De uma discussão que tive com um camelô
Era uma segunda-feira de manhã, recebera, entre outras mercadorias, uma caixa de inseticida “shell-tox”, contendo 36 latas de um litro cada uma. Não tendo nenhum freguês, aproveitei o tempo vago para arrumar o produto na prateleira. Estava bem entretido arrumando a mercadoria, com as costas para o balcão, quando fui abordado por um camelô, perguntando-me se queria comprar manteiga. Olhei, era um rapaz até de boa aparência, estatura meã, cabelos pretos bem penteados, com ele um garoto conduzindo uma lata de manteiga.
A manteiga era vendida a granel, transportada nessa lata que comportava uns dez quilos. Vendia a quantidade que o freguês desejasse. Eu conhecia bem o produto, era adulterado. Compravam uma lata de dois quilos de manteiga de primeira e uma grande quantidade de sebo de gado, que era derretido numa vasilha à parte para ser depois misturado. E assim saíam vendendo esse borralho como boa manteiga.
Pois bem, o moço oferecia o produto dizendo que era de primeira, mas, já conhecedor do caso, não dei-lhe importância: olhei por cima do ombro e disse-lhe que não interessava. Ficou insistindo, com o argumento de que todos os comerciantes vizinhos tinham comprado. Ainda sem lhe dar muita atenção, respondi: “Vou ficar no meio dos outros sem comprar!”. No entanto, talvez porque não lhe dei atenção, ficou ofendido e parou com a insistência em vender o produto, começando por desfazer da mercadoria que eu arrumava na prateleira. Foi dizendo que aquele inseticida não valia nada, que não matava insetos. Apesar do tom desaforado, não estava levando a mal suas palavras, e procurei explicar-lhe que dependia da pessoa saber aplicar bem o inseticida, e que eu mesmo já tinha feito experiência no meu quarto com as portas fechadas e tinha dado bom resultado. Mas continuou desfazendo do produto. Nesse meio tempo, disse-lhe alguma coisa de que não gostou, e, por esta causa, começou por lançar uma saraivada de insultos contra mim. Não vira, até o momento, motivos para briga, mas pedi que se retirasse da minha porta. Aí, ensandecido, disse o malcriado: “Se quer saber quem eu sou venha para o lado de fora!”. Respondi-lhe que não, e não ia porque dali mesmo estava vendo com quem falava, sujeito muito besta e ignorante. Não fosse, não estaria na minha porta insultando-me para briga, ainda mais porque sem motivos. Mais uma vez pedi-lhe que se retirasse da minha porta. Ele, furioso, ia numa porta e noutra, os olhos faiscantes de raiva, depois, sem pronunciar mais palavras, saiu, deixando-me pensativo, livre de sua loucura, mas com uma ponta de preocupação. “Aquele sujeito, desconhecido, com aquela raiva toda de mim, não será que ia pegar-me à traição?” Inimigo, seja de qualquer espécie, nunca é bom.
Decorridos uns quinze dias, indo fazer compras na Rua Conde D’Eu, descia as escadas da Praça dos Leões, e, bem no meio, encontro o “borralheiro” que, ao emparelhar comigo, parou. Olhei-o duramente perguntei: “O que é que você quer?” Ele, com aqueles olhos faiscantes, nada respondeu. Então mandei-o prosseguir, e só lhe dei as costas quando se distanciou. Graças à Maria Santíssima, esta foi a última vez que nos cruzamos.
segunda-feira, 3 de março de 2008
UM COMERCIANTE EM APUROS (IX)
"Ele chega no mercado
De manhã logo cedinho
Seu Cazuza, seu Chiquinho
Bote aí um quarteirão
Este aqui é meu quinhão
Logo aí passa da regra
Às vezes sua alma entrega
Por dois vinténs de cachaça
Fica no pau da desgraça
O homem que se embebeda" [1]
Estava sendo transmitido pelo rádio um jogo de futebol internacional, e uns conhecidos, inclusive uns soldados da Base Aérea, enquanto assistiam, tomavam umas caninhas. E eu sempre vigilante para não ser flagrado pela ronda policial. O jogo começara mais ou menos às vinte e uma horas. Mas, já pelo final, quase vinte e três horas, com a turma ainda em forma, sem que houvesse sequer um embriagado, em animada discussão sobre o futebol, surgiu um carro da ronda policial. Chegavam da Serrinha onde aconteceram umas mortes. Ao todo contava-se cinco agentes-investigadores. Um deles, a bem não entrou, identificou-se como o chefe e foi dizendo: “O senhor, com o estabelecimento aberto a esta hora?”. Expliquei-lhe que o motivo da reunião era para assistirem ao jogo, que tratava-se de gente amiga, e que esperava o final para poder fechar. “Não justifica – contestou-me o policial – pois é proibido ficar com o estabelecimento aberto até a esta hora, e mais ainda onde se vende bebida. O senhor fecha tudo e vem à Delegacia”. Ainda tentei convencê-lo a deixar para o dia seguinte, ele marcasse a hora que eu me apresentava. Mas, decidido a levar-me, disse: “Não, tem que ir agora”.
Fiquei indeciso, não sabia o que fazer. Fui ao quarto falar com a Raimunda, dizer-lhe da intenção do policial de fazer-me acompanhá-lo à Delegacia. Ela ficou nervosa, mas tranqüilizei-a, dizendo-lhe que tudo ia dar certo. De volta, tomei uma resolução, decidi-me a não ir. Dentro de meu balcão, a fim de ganhar tempo, pus-me a arrumar uma coisa e outra. O policial, percebendo minha intenção, apressou-me dizendo que estava demorando muito. Aí disse-lhe: “Calma, rapaz, estou arrumando para poder sair”. Construíra, por estas alturas, o meu plano.
Conforme narrei em outra oportunidade, o meu comércio dispunha de três portas. Foi daí que pude concretizar meu audacioso plano. Pedi ao Santino, meu sobrinho, para fechar as portas. Fechou a primeira, a segunda, e, quando fechava a última, o policial berrou: “E por onde o senhor sai?” . Respondi-lhe: “Ah, eu saio pela porta da sala!”. Enquanto pedia a todos, inclusive aos policiais, para se retirarem, dirigi-me para a sala pela porta interna, abri uma meia-porta e pedi para falar com o chefe. Aí ele todo aborrecido perguntou: “O que é que o senhor ainda quer?” Expliquei-lhe que minha esposa estava muito nervosa, deixasse para o outro dia, quando iria me apresentar. Ao que o agente respondeu, com palavras duras: “Você tem que ir é logo!”. Então, decidido, respondi-lhe: “Mas hoje eu não vou!” E bati-lhe a porta na cara. Fora, ferido em seu orgulho, um deles ainda berrou: “Deixa que amanhã a gente vem buscá-lo para metê-lo no xadrez”. Devolvi-lhe a insolência: “É, depois a gente vê isto!” e caí na cama até de manhã. Preocupei-me ainda no outro dia, com receios de que voltassem, mas como o meu santo era forte, eles não voltaram.
[1] Versos de literatura de cordel.
sábado, 1 de março de 2008
A cultura através da literatura de cordel
Um exemplo que bem mostra a riqueza intelectual dos fazedores de versos do sertão é uma poesia que o Sr. Batista sempre repetia quando maduro, de autor desconhecido, que aprendera em sua juventude:
Eu vi um sagüi de espora
Macaco de realejo
Guariba tocar solfejo
Eu vi nos braços da Aurora:
Eu vi uma caipora
Despenseira de um navio
Sapo cantar desafio
Morcego vender fazenda
Catita fazendo renda
O sol tremendo com frio!
O mote é: Eu vi nos braços da Aurora o sol tremendo com frio! Tudo faz crer que o autor da poesia se baseou em nada menos do que no famoso Bocage, que tem uma poesia com o mesmo mote e reza assim:
Se isto vai de foz em fora,
Também com luz diamantina
Vir raiando a matutina
Eu vi nos braços da Aurora:
Só me resta ver agora
O caranguejo de um rio,
Ver os efeitos do cio,
Cantar modas um macaco,
A lua tomar tabaco,
O sol tremendo com frio!