Uma árvore prolífera foi plantada: a exemplo da família do Sr. Batista, vejam quantos frutos ela produziu! As bênçãos do Céu, a fertilidade do solo e sua autoconservação sem mácula, fizeram-na fértil e, melhor ainda, longeva. Seus frutos chegaram a ser plantados em outros terrenos e deles nasceram outras árvores, da mesma forma também prolíferas. Quem não se lembra daquele coqueiro? Quantas e quantas vezes presenciamos o Sr. Batista subir nele para tirar um coco e dar água a um filho, a um neto, ou até mesmo a um amigo vizinho...
sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
UM COMERCIANTE EM APUROS (VIII)
Outra vez um bêbado
“O Satanás aconselha
Ao bebedor e ao ladrão:
Você não tome conselho
Do Padre Cícero Romão,
Pode beber aguardente
Que tem minha proteção" [1]
Próximo ao meu comércio, a dois quarteirões, havia o forró do “Subeltrão”[2] – como era conhecido por todos o suboficial reformado da Aeronáutica, que tinha como “viração” fazer festas aos sábados em sua própria residência. E que, além da quota que cobrava na entrada, vendia grande quantidade de bebida. No que eu também levava vantagem, porque muitos fregueses saíam de lá e vinham beber na minha bodega.
Mas a venda de bebida alcoólica, após as 19:00 horas, era proibida. Em vista disto, por medida de segurança, das três portas do meu comércio, eu fechava duas e ficava atendendo pela única porta aberta. Desta forma, era mais fácil notar a aproximação da Polícia, que me visitava quase todas as noites.
Eram mais ou menos nove horas da noite, quando entraram no meu estabelecimento três elementos: dois deles desconhecidos, o outro conhecido por Gadelha. Sendo que deste tínhamos notícias por demais desabonadoras de sua conduta. Encontrava-me a sós com os três, pois a família já se recolhera. E foi esse dito Gadelha o primeiro a mandar servir bebida pra todos, pedindo, em seguida, para repetir. Atendi-o de pronto. Depois, após bebido todo o conteúdo dos copos, ordenou que os outros se retirassem que a despesa era dele.
Esse Gadelha era um sujeito preto, mais ou menos um metro e setenta e cinco de altura, que carregava a agravante de ter sido expulso da Polícia por indisciplina. Nesse mesmo dia havia feito desordem no bar do Ozete, bebeu e não quis pagar a despesa. Em seguida sacara de uma peixeira e quebrara os copos que estavam no balcão. Saíra já bastante embriagado direto lá pra casa. Tencionava fazer o mesmo, só que desta vez surpreendeu-se com o tiro saindo pela culatra.
Disse-me, após ter despedido os colegas: “Depois venho pagar esta despesa” . Respondi-lhe: “Olha, rapaz, quero receber agora!” E ele: “Mas eu não tenho dinheiro”. Apertei-lhe dizendo que só saía depois de pagar o que bebera, mesmo que fosse preciso deixar a camisa. Passei para fora do balcão e tranquei a porta, ficando face a face com o bêbado. Então, o ex-polícia, o desordeiro, o valentão, acuado dentro de casa, vociferou: “Você não sabe com quem está falando!”. Retruquei-lhe; “Sim, eu sei, você é um sujeito que foi expulso da Polícia por ruim, mas, mesmo assim, só sai daqui quando pagar a despesa, para que você aprenda a não fazer mais papel de moleque”. Nesse instante, o meu filho Netinho, que dormia na sala contígua, e acordara com a discussão, veio perguntar-me o que estava acontecendo. Disse-lhe: “Esse moleque fez uma despesa e não quer pagar”. Netinho reconheceu no valentão um empregado da mesma firma na qual trabalhava[3]. E o ex-milico, reconhecendo-o também, valeu-se dele pedindo que o deixasse ir, que depois pagaria lá no trabalho. O Neto, com muita calma, pediu-me para deixá-lo, falaria com ele na fábrica. Abri-lhe a porta, deixando ir-se, para que finalizasse mais rápido este caso de bebida.
[1] Extraído de poeta de cordel.
[2] O “forró”, naquela época, era também uma festa organizada nos subúrbios chamada de “gafieira”, com música ao vivo tocada por sanfoneiros, etc. O forró do Sub-oficial Beltrão, chamado “Sub-Beltrão”, era feito no quintal de sua residência, uma verdadeira mansão, tanto grande quanto luxuosa. A mesma residência foi ocupada depois por um distinto casal, tendo como proprietária D. Afonsina, muito católica, que mantinha no quintal um piedoso oratório em honra de Nossa Senhora.
[3] Era a Fábrica Santa Cecília, uma indústria de tecelagem que havia na mesma Rua, a uns três quarteirões. O Netinho trabalhou nela quando retornou do seminário (em Jundiaí, São Paulo) e veio morar em Fortaleza com seus pais.
“O Satanás aconselha
Ao bebedor e ao ladrão:
Você não tome conselho
Do Padre Cícero Romão,
Pode beber aguardente
Que tem minha proteção" [1]
Próximo ao meu comércio, a dois quarteirões, havia o forró do “Subeltrão”[2] – como era conhecido por todos o suboficial reformado da Aeronáutica, que tinha como “viração” fazer festas aos sábados em sua própria residência. E que, além da quota que cobrava na entrada, vendia grande quantidade de bebida. No que eu também levava vantagem, porque muitos fregueses saíam de lá e vinham beber na minha bodega.
Mas a venda de bebida alcoólica, após as 19:00 horas, era proibida. Em vista disto, por medida de segurança, das três portas do meu comércio, eu fechava duas e ficava atendendo pela única porta aberta. Desta forma, era mais fácil notar a aproximação da Polícia, que me visitava quase todas as noites.
Eram mais ou menos nove horas da noite, quando entraram no meu estabelecimento três elementos: dois deles desconhecidos, o outro conhecido por Gadelha. Sendo que deste tínhamos notícias por demais desabonadoras de sua conduta. Encontrava-me a sós com os três, pois a família já se recolhera. E foi esse dito Gadelha o primeiro a mandar servir bebida pra todos, pedindo, em seguida, para repetir. Atendi-o de pronto. Depois, após bebido todo o conteúdo dos copos, ordenou que os outros se retirassem que a despesa era dele.
Esse Gadelha era um sujeito preto, mais ou menos um metro e setenta e cinco de altura, que carregava a agravante de ter sido expulso da Polícia por indisciplina. Nesse mesmo dia havia feito desordem no bar do Ozete, bebeu e não quis pagar a despesa. Em seguida sacara de uma peixeira e quebrara os copos que estavam no balcão. Saíra já bastante embriagado direto lá pra casa. Tencionava fazer o mesmo, só que desta vez surpreendeu-se com o tiro saindo pela culatra.
Disse-me, após ter despedido os colegas: “Depois venho pagar esta despesa” . Respondi-lhe: “Olha, rapaz, quero receber agora!” E ele: “Mas eu não tenho dinheiro”. Apertei-lhe dizendo que só saía depois de pagar o que bebera, mesmo que fosse preciso deixar a camisa. Passei para fora do balcão e tranquei a porta, ficando face a face com o bêbado. Então, o ex-polícia, o desordeiro, o valentão, acuado dentro de casa, vociferou: “Você não sabe com quem está falando!”. Retruquei-lhe; “Sim, eu sei, você é um sujeito que foi expulso da Polícia por ruim, mas, mesmo assim, só sai daqui quando pagar a despesa, para que você aprenda a não fazer mais papel de moleque”. Nesse instante, o meu filho Netinho, que dormia na sala contígua, e acordara com a discussão, veio perguntar-me o que estava acontecendo. Disse-lhe: “Esse moleque fez uma despesa e não quer pagar”. Netinho reconheceu no valentão um empregado da mesma firma na qual trabalhava[3]. E o ex-milico, reconhecendo-o também, valeu-se dele pedindo que o deixasse ir, que depois pagaria lá no trabalho. O Neto, com muita calma, pediu-me para deixá-lo, falaria com ele na fábrica. Abri-lhe a porta, deixando ir-se, para que finalizasse mais rápido este caso de bebida.
[1] Extraído de poeta de cordel.
[2] O “forró”, naquela época, era também uma festa organizada nos subúrbios chamada de “gafieira”, com música ao vivo tocada por sanfoneiros, etc. O forró do Sub-oficial Beltrão, chamado “Sub-Beltrão”, era feito no quintal de sua residência, uma verdadeira mansão, tanto grande quanto luxuosa. A mesma residência foi ocupada depois por um distinto casal, tendo como proprietária D. Afonsina, muito católica, que mantinha no quintal um piedoso oratório em honra de Nossa Senhora.
[3] Era a Fábrica Santa Cecília, uma indústria de tecelagem que havia na mesma Rua, a uns três quarteirões. O Netinho trabalhou nela quando retornou do seminário (em Jundiaí, São Paulo) e veio morar em Fortaleza com seus pais.
Não tenhas medo
- Se você se sente cansado, se achar pesada a caminhada – venha até mim e encontrará forças;
- Se você não conseguir ver a beleza da natureza, se o cantar dos pássaros não soar bem aos seus ouvidos – pense um pouco em mim, no que fiz, no que falei;
- Se as flores não colorirem seu espírito e seu perfume não o fizer olhá-las com ternura – pense nos espinhos que penetraram na minha cabeça e fizeram o sangue molhar minhas faces;
- Se não conseguir plantar amor no meio da família, no meio do mundo - reflita no meu sermão da montanha;
- Se alguém ferir seu coração e o fazer chorar – chore abraçado a mim que eu o consolarei;
- Se seu sorriso se tornar triste – olhe para mim e encontrará motivo para sorrir com alegria;
- Se os degraus da vida se tornarem difíceis de subir – segure na minha mão;
- Se alguém lhe disser que eu “já era” – lembre-se de minha frase: “eu estarei convosco até o fim dos séculos”;
- Se a saudade invadir seu coração – agradeça a mim porque você já teve momentos felizes;
- Se sua vida estiver dizendo “não” – venha até mim que eu o ajudarei a dizer “sim”, mesmo quando ela diz “não”;
- Se você não ver refúgio no irmão que está a seu lado – lembre-se de mim, onde você pode refugiar-se;
- Se tem medo de dizer a verdade – pense em mim e veja até que ponto tive a coragem de dizê-la;
- Se você acha o tempo perdido – falai de mim pelos caminhos do mundo;
Imagine se fosse perdido o meu sacrifício. Fiz tudo por você, aceitei morrer...
- Se você tem em vida muitos problemas a resolver – lembre-se que eu sou a solução;
- Se você estiver comigo todos os momentos de sua vida,
Não tenha medo
Pois eu sou a luz do seu caminho.
(Rascunho encontrado entre os pertences do Sr. Batista, copiado de algum texto impresso, ou então (por causa de alguns erros gramaticais próprios de sua pouca cultura), elaborado por ele mesmo).
- Se você não conseguir ver a beleza da natureza, se o cantar dos pássaros não soar bem aos seus ouvidos – pense um pouco em mim, no que fiz, no que falei;
- Se as flores não colorirem seu espírito e seu perfume não o fizer olhá-las com ternura – pense nos espinhos que penetraram na minha cabeça e fizeram o sangue molhar minhas faces;
- Se não conseguir plantar amor no meio da família, no meio do mundo - reflita no meu sermão da montanha;
- Se alguém ferir seu coração e o fazer chorar – chore abraçado a mim que eu o consolarei;
- Se seu sorriso se tornar triste – olhe para mim e encontrará motivo para sorrir com alegria;
- Se os degraus da vida se tornarem difíceis de subir – segure na minha mão;
- Se alguém lhe disser que eu “já era” – lembre-se de minha frase: “eu estarei convosco até o fim dos séculos”;
- Se a saudade invadir seu coração – agradeça a mim porque você já teve momentos felizes;
- Se sua vida estiver dizendo “não” – venha até mim que eu o ajudarei a dizer “sim”, mesmo quando ela diz “não”;
- Se você não ver refúgio no irmão que está a seu lado – lembre-se de mim, onde você pode refugiar-se;
- Se tem medo de dizer a verdade – pense em mim e veja até que ponto tive a coragem de dizê-la;
- Se você acha o tempo perdido – falai de mim pelos caminhos do mundo;
Imagine se fosse perdido o meu sacrifício. Fiz tudo por você, aceitei morrer...
- Se você tem em vida muitos problemas a resolver – lembre-se que eu sou a solução;
- Se você estiver comigo todos os momentos de sua vida,
Não tenha medo
Pois eu sou a luz do seu caminho.
(Rascunho encontrado entre os pertences do Sr. Batista, copiado de algum texto impresso, ou então (por causa de alguns erros gramaticais próprios de sua pouca cultura), elaborado por ele mesmo).
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Com medo da vaca
Interior da Bahia. Mãe e filha, Edy e Taciana, sobem numa cerca e numa cancela com medo de uma vaca. Um fotógrafo indiscreto documenta o fato. Isto nos faz lembrar uma outra que também subiu uma cerca com medo de uma vaca, fato que deu-se no final da década de 30, este porém com D. Raimunda. Com uma diferença triste: é que neste último perdemos mais um irmão que deixou de nascer por causa do aborto ocorrido em seguida.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
UM COMERCIANTE EM APUROS (VII)
O “perigoso contraventor”
Desta vez foi o jogo do bicho. Era feito no balcão e me rendia alguns cruzeiros, que serviam para engrossar o meu lucro. Mas já nessa época era o jogo proibido por uma portaria da Secretaria de Polícia, e aquele que fosse flagrado vendendo seria preso e processado.
Vendia-o no balcão porque achava que não corria perigo, na confiança de que todos os fregueses eram conhecidos. Assim, sem nenhum temor de alguma coisa, fazia-o abertamente.
Aconteceu, porém, que um sargento da Polícia, de nome Oliveira, sujeito carrancudo e de bigodão, desses policiais mal encarados, me comprou Cr$ 40,00 fiado e não pagou. Morava com a mãe a meio quarteirão de nossa casa. Ficou zangado porque mandei cobrá-lo, e começou a perseguir-me por causa do jogo. Não querendo vir pessoalmente mandou um soldado à paisana. Era véspera da semana de Carnaval. O soldado veio dois dias fazer o jogo, mas nas duas vezes não me encontrou em casa, sendo atendido pelo meu filho, o Assis. No terceiro dia o sargento esperou que o "cambista" viesse encerrar, e, chegando na hora, lavrou um flagrante. Prendeu o "cambista" e me intimou a comparecer no Primeiro Distrito Policial às nove horas do dia seguinte, sábado de Carnaval.
Como não podia deixar de acontecer, fiquei um tanto preocupado e nervoso. E mais uma vez precisei de ajuda de minha Santa Protetora. E, na confiança de que Ela me ajudaria, comecei então a agir.
Nessa época era sócio do "Centro dos Retalhistas", tinha direito à assistência jurídica. Mas, como era sábado e não tinha expediente, tive que descobrir a residência do advogado. O doutor me aconselhou dizendo que fugisse de casa, pois se fosse preso só saía na quarta-feira de cinzas. Depois do Carnaval prometia cuidar do caso. Cheguei em casa triste. Avisei à Raimunda que tomasse conta da bodega, ia ficar em casa de um amigo até passar o Carnaval. Passei meio dia na casa de Pedro Pernambucano, mas não resisti e voltei para casa, tanto pela necessidade que sentia de trabalhar como pela confiança de que Deus estava comigo.
No dia seguinte ao da intimação o bigodudo veio falar comigo, disse-me: “O senhor não compareceu à Delegacia?” Tentei explicar-lhe que, conforme orientação do meu advogado, me apresentaria depois do Carnaval. O sargento me disse que já tinha entregue as pules do jogo ao Chefe de Polícia, e, caso não comparecesse segunda-feira, viria buscar-me preso. No mesmo dia procurei o Otávio Moura, meu colega de comércio, que levou-me à presença do Inspetor Simão, major da Guarda Civil. O major mostrou bastante interesse pelo caso, levando-o em seguida ao Primeiro Distrito Policial. Apresentou-me ao Dr. José Augusto – Chefe de Gabinete do Secretário de Polícia – a quem perguntou se havia alguma queixa contra mim. Este verificou nos arquivos e disse nada constar. Dessa forma, ficou acertado entre os dois, se chegasse algo a meu respeito o Dr. José Augusto já sabia do que se tratava e quebraria o galho. Por outro lado, se viessem a mexer comigo o major Simão responderia.
Porém, enquanto se desenrolava essa campanha de pacificação, o sargento Oliveira continuava no sério propósito de prender o “perigoso contraventor”.
O tal acerto deu-se numa segunda-feira de Carnaval. E permaneceu tudo calmo até o último dia.
Quarta-feira de cinzas amanheceu faltando muita coisa, pois vendera bastante durante o Carnaval. Bem cedo peguei o dinheiro do apurado e fui para o armazém fazer compras. Por sorte minha, ou por milagre, não sei, aconteceu que, se por desventura não tivesse saído, teria sido preso e recolhido ao xadrez. Pois, minutos após ter saído, chegou um carro patrulha com uma volante para prender-me. Desceram, mas encontraram a Raimunda sozinha no balcão. Eram ao todo um capitão, dois soldados e dois sargentos de polícia, todos bem armados. Foram se chegando e perguntando por mim. O capitão, diante da resposta de que tinha ido fazer compras, perguntou porque eu não tinha comparecido à intimação feita pela Polícia. A Raimunda explicou-lhe que eu falara com o major Simão, que se responsabilizara pelo caso. Furioso, respondeu: “Simão não tem nada que se meter nas minhas atribuições”. E ameaçou: “Se ele não comparecer dentro de vinte e quatro horas, venho buscá-lo para metê-lo no xadrez”.
Ao chegar à casa encontrei esta notícia. Fiquei triste. Deveria apresentar-me à Polícia no outro dia, de manhã. A noite, dormi mal. Levantei-me às cinco horas, preocupado, vesti-me e larguei-me para a casa do Inspetor. Por experiência pessoal, sabia que o major Simão era homem austero, e, para aproveitar-me desse pormenor, envenenei-o contra o capitão. Disse-lhe que o mesmo havia dito que não tinha nada que se meter na vida dele e que isto não era da sua conta.
Como que picado por uma cascavel, o major falou: “Menino, você não vai preso, porque quem não quer sou eu!”. E saiu comigo. Passamos no Quartel, do qual era comandante, deu as ordens de praxe, depois saímos a pé para a Polícia Central. Lá, como o Chefe não havia chegado, mandou que eu sentasse num banco e ficou passeando de um lado para outro. Enfim chegou o Coronel Murilo Borges – então Chefe de Polícia – que, antes mesmo de entrar em seu gabinete, foi abordado pelo Inspetor.
Deu-se um ligeiro diálogo. Em seguida o coronel bradou: “Ah Simão, esse camarada tá fazendo jogo mesmo, e tá querendo nos enganar!”. Nesse instante lembrei-me de uma conversa que tivera com o major durante a viagem de casa para a Polícia. Perguntara se tinha realmente feito o jogo, ao que afirmara que não, mas sim um garoto que sempre ficava no balcão. Recomendara-me, então, com as seguintes palavras: “De qualquer maneira você não fez jogo”. Daí porque foi ele pronto em afirmar para o coronel que eu não tinha feito jogo, que era um homem de responsabilidade, e por isto não ia mentir para ele.
Com esta defesa o coronel ficou furioso e puxou do bolso duas pules de jogo e entregou-as ao meu protetor, que chamou-me e interrogou-me apresentando as pules: “Menino, foi você quem fez estes jogos?” Respondi-lhe, consoante havíamos combinado, que não: “Não, senhor!”. Aí tornou a perguntar: “Esta letra não é sua?” Tornei a afirmar que não. Nesse momento, o coronel, um pouco aborrecido, perguntou-me: “Se esta letra não é sua, de quem é então?. Respondi-lhe calmamente: “Deve ser do meu filho que fez sem minha ordem”.
Após esse interrogatório os dois me abandonaram por uns instantes e ficaram conversando a alguns metros de distância. De repente, o major virou-se e falou para mim: “Menino, você pode ir”. Sabendo que estas palavras me anistiavam, livrando-me do grande castigo que decerto me seria imposto, respirei aliviado.
Passados uns três dias fiz um bilhete ao sargento que me denunciara, nos seguintes termos:
“Sargento Oliveira, espero que não me leve a mal, mas peço-lhe a gentileza de mandar pagar a pequena importância de seu débito, que é de Cr$ 40,00”.
Como era esperado, o milico não respondeu, tampouco mandou pagar. Mas, para seu castigo, o major, que durante os acontecimentos havia me perguntado o nome do sargento delator, passados alguns dias, mandou-o transferido para o interior.
Assim, com a firme confiança em Deus, vencia mais esta dificuldade.
Desta vez foi o jogo do bicho. Era feito no balcão e me rendia alguns cruzeiros, que serviam para engrossar o meu lucro. Mas já nessa época era o jogo proibido por uma portaria da Secretaria de Polícia, e aquele que fosse flagrado vendendo seria preso e processado.
Vendia-o no balcão porque achava que não corria perigo, na confiança de que todos os fregueses eram conhecidos. Assim, sem nenhum temor de alguma coisa, fazia-o abertamente.
Aconteceu, porém, que um sargento da Polícia, de nome Oliveira, sujeito carrancudo e de bigodão, desses policiais mal encarados, me comprou Cr$ 40,00 fiado e não pagou. Morava com a mãe a meio quarteirão de nossa casa. Ficou zangado porque mandei cobrá-lo, e começou a perseguir-me por causa do jogo. Não querendo vir pessoalmente mandou um soldado à paisana. Era véspera da semana de Carnaval. O soldado veio dois dias fazer o jogo, mas nas duas vezes não me encontrou em casa, sendo atendido pelo meu filho, o Assis. No terceiro dia o sargento esperou que o "cambista" viesse encerrar, e, chegando na hora, lavrou um flagrante. Prendeu o "cambista" e me intimou a comparecer no Primeiro Distrito Policial às nove horas do dia seguinte, sábado de Carnaval.
Como não podia deixar de acontecer, fiquei um tanto preocupado e nervoso. E mais uma vez precisei de ajuda de minha Santa Protetora. E, na confiança de que Ela me ajudaria, comecei então a agir.
Nessa época era sócio do "Centro dos Retalhistas", tinha direito à assistência jurídica. Mas, como era sábado e não tinha expediente, tive que descobrir a residência do advogado. O doutor me aconselhou dizendo que fugisse de casa, pois se fosse preso só saía na quarta-feira de cinzas. Depois do Carnaval prometia cuidar do caso. Cheguei em casa triste. Avisei à Raimunda que tomasse conta da bodega, ia ficar em casa de um amigo até passar o Carnaval. Passei meio dia na casa de Pedro Pernambucano, mas não resisti e voltei para casa, tanto pela necessidade que sentia de trabalhar como pela confiança de que Deus estava comigo.
No dia seguinte ao da intimação o bigodudo veio falar comigo, disse-me: “O senhor não compareceu à Delegacia?” Tentei explicar-lhe que, conforme orientação do meu advogado, me apresentaria depois do Carnaval. O sargento me disse que já tinha entregue as pules do jogo ao Chefe de Polícia, e, caso não comparecesse segunda-feira, viria buscar-me preso. No mesmo dia procurei o Otávio Moura, meu colega de comércio, que levou-me à presença do Inspetor Simão, major da Guarda Civil. O major mostrou bastante interesse pelo caso, levando-o em seguida ao Primeiro Distrito Policial. Apresentou-me ao Dr. José Augusto – Chefe de Gabinete do Secretário de Polícia – a quem perguntou se havia alguma queixa contra mim. Este verificou nos arquivos e disse nada constar. Dessa forma, ficou acertado entre os dois, se chegasse algo a meu respeito o Dr. José Augusto já sabia do que se tratava e quebraria o galho. Por outro lado, se viessem a mexer comigo o major Simão responderia.
Porém, enquanto se desenrolava essa campanha de pacificação, o sargento Oliveira continuava no sério propósito de prender o “perigoso contraventor”.
O tal acerto deu-se numa segunda-feira de Carnaval. E permaneceu tudo calmo até o último dia.
Quarta-feira de cinzas amanheceu faltando muita coisa, pois vendera bastante durante o Carnaval. Bem cedo peguei o dinheiro do apurado e fui para o armazém fazer compras. Por sorte minha, ou por milagre, não sei, aconteceu que, se por desventura não tivesse saído, teria sido preso e recolhido ao xadrez. Pois, minutos após ter saído, chegou um carro patrulha com uma volante para prender-me. Desceram, mas encontraram a Raimunda sozinha no balcão. Eram ao todo um capitão, dois soldados e dois sargentos de polícia, todos bem armados. Foram se chegando e perguntando por mim. O capitão, diante da resposta de que tinha ido fazer compras, perguntou porque eu não tinha comparecido à intimação feita pela Polícia. A Raimunda explicou-lhe que eu falara com o major Simão, que se responsabilizara pelo caso. Furioso, respondeu: “Simão não tem nada que se meter nas minhas atribuições”. E ameaçou: “Se ele não comparecer dentro de vinte e quatro horas, venho buscá-lo para metê-lo no xadrez”.
Ao chegar à casa encontrei esta notícia. Fiquei triste. Deveria apresentar-me à Polícia no outro dia, de manhã. A noite, dormi mal. Levantei-me às cinco horas, preocupado, vesti-me e larguei-me para a casa do Inspetor. Por experiência pessoal, sabia que o major Simão era homem austero, e, para aproveitar-me desse pormenor, envenenei-o contra o capitão. Disse-lhe que o mesmo havia dito que não tinha nada que se meter na vida dele e que isto não era da sua conta.
Como que picado por uma cascavel, o major falou: “Menino, você não vai preso, porque quem não quer sou eu!”. E saiu comigo. Passamos no Quartel, do qual era comandante, deu as ordens de praxe, depois saímos a pé para a Polícia Central. Lá, como o Chefe não havia chegado, mandou que eu sentasse num banco e ficou passeando de um lado para outro. Enfim chegou o Coronel Murilo Borges – então Chefe de Polícia – que, antes mesmo de entrar em seu gabinete, foi abordado pelo Inspetor.
Deu-se um ligeiro diálogo. Em seguida o coronel bradou: “Ah Simão, esse camarada tá fazendo jogo mesmo, e tá querendo nos enganar!”. Nesse instante lembrei-me de uma conversa que tivera com o major durante a viagem de casa para a Polícia. Perguntara se tinha realmente feito o jogo, ao que afirmara que não, mas sim um garoto que sempre ficava no balcão. Recomendara-me, então, com as seguintes palavras: “De qualquer maneira você não fez jogo”. Daí porque foi ele pronto em afirmar para o coronel que eu não tinha feito jogo, que era um homem de responsabilidade, e por isto não ia mentir para ele.
Com esta defesa o coronel ficou furioso e puxou do bolso duas pules de jogo e entregou-as ao meu protetor, que chamou-me e interrogou-me apresentando as pules: “Menino, foi você quem fez estes jogos?” Respondi-lhe, consoante havíamos combinado, que não: “Não, senhor!”. Aí tornou a perguntar: “Esta letra não é sua?” Tornei a afirmar que não. Nesse momento, o coronel, um pouco aborrecido, perguntou-me: “Se esta letra não é sua, de quem é então?. Respondi-lhe calmamente: “Deve ser do meu filho que fez sem minha ordem”.
Após esse interrogatório os dois me abandonaram por uns instantes e ficaram conversando a alguns metros de distância. De repente, o major virou-se e falou para mim: “Menino, você pode ir”. Sabendo que estas palavras me anistiavam, livrando-me do grande castigo que decerto me seria imposto, respirei aliviado.
Passados uns três dias fiz um bilhete ao sargento que me denunciara, nos seguintes termos:
“Sargento Oliveira, espero que não me leve a mal, mas peço-lhe a gentileza de mandar pagar a pequena importância de seu débito, que é de Cr$ 40,00”.
Como era esperado, o milico não respondeu, tampouco mandou pagar. Mas, para seu castigo, o major, que durante os acontecimentos havia me perguntado o nome do sargento delator, passados alguns dias, mandou-o transferido para o interior.
Assim, com a firme confiança em Deus, vencia mais esta dificuldade.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
A alegria sempre se expandia na família
UM COMERCIANTE EM APUROS (VI)
Continuamos a narração das memórias do Sr. Batista:
- Como perdi o meu primeiro dinheiro com fiado
Logo depois que comecei a negociar, veio morar vizinho a nós um funcionário dos Correios, de nome Manoel Pereira. Chegou, deu-se a conhecer e pediu pra fazer umas compras fiado, que pagaria no final do mês quando recebesse o salário. Não hesitei em vender, já que se tratava de um funcionário público, ordenado seguro, e um freguês a mais. Passaram-se trinta dias até que saísse o seu pagamento. Nessas alturas estava devendo Cr$ 500,00, que representava quase um quarto do meu estoque de mercadorias. Pois bem, findo o prazo eu estava ansioso para receber e fazer novas compras, mas o homem não apareceu. Veio uma moça, sua cunhada, avisar que ele tinha entrado de férias e viajado, mas logo que voltasse viria pagar o débito. É claro que não continuei vendendo para ele. Mas quando voltou não compareceu para pagar, e em seguida mudou-se para outro bairro. Até aí não me preocupei muito, pois todas as noites me encontrava com o dito na porta do edifício dos Correios.
Passaram-se doze meses sem que nada conseguisse. A paciência estava se esgotando. E em conversa com um amigo, este aconselhou-me a recorrer ao diretor da instituição, quem sabe ele atenderia?
Era o Dr. Ismael Machado. Fiz-lhe uma carta explicando o caso e pedindo a sua ajuda. Respondeu-me, de forma bastante cordial, que não podia descontar diretamente da folha do funcionário, pois era contra a lei; mas chamaria a atenção do devedor e o aconselharia a ir pagar a dívida.
Fiquei aguardando. E de fato, no fim do mês, quando recebeu o dinheiro, veio direto falar comigo, mas chegou completamente embriagado. Foi entrando e dizendo: “O senhor deu parte de mim ao Diretor!” Respondi-lhe que sim, “tentei resolver com você, como não foi possível, apelei para o seu chefe!” Disse-me, pois: “Eu nem paguei, nem vou pagar”, completando em seguida, “porque você é um ladrão!”. Fiquei olhando para o bêbado com a cabeça cheia de pensamentos ruins, e depois de refletir por alguns segundos, com um nó preso à garganta, falei-lhe: “Manoel, você tem razão, eu sou ladrão mesmo, roubei da boca de meus filhos para dar a um sujeito sem vergonha como você para beber de cachaça”; e aí, já com mais raiva, emendei com uma voz mais repreensiva: “Agora, retire-se imediatamente da minha porta antes que lhe arrebente a cara!” Baixou a cabeça e foi embora pra nunca mais. E desse modo, acabei por perder o meu primeiro dinheiro com fiado.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
Belezas que o Sr. Batista gostaria de haver conhecido
Nome de família que inspira topônimo em Goiás
Por todo o Brasil de hoje se conhecem praças, ruas, colégios ou outros logradouros públicos com o nome da família Cavalcante. Em Goiás deram nome a uma cidade, Cavalcante, (com cerca de 9 mil habitantes), por causa de Diogo Teles Cavalcante, descobridor das minas de ouro da região
A cidade foi fundada em 1740, encravada entre serras e morros e cercada por rios de águas cristalinas e com aluviões de ouro em seus leitos e margens. Baseado na exploração do rico mineral viveu seu apogeu entre o final do séc. XVII e início do séc. XIX, até meados do séc. XX, a capital da Chapada dos Veadeiros. O Distrito de Cavalcante foi criado, por decreto, em 11 de novembro de 1831 e recebeu sua emancipação política, pela Lei Imperial nº 14 de 23 de julho de 1835. Além do ouro, agora esgotado na superfície do solo e de difícil extração no subsolo, Cavalcante foi grande produtor de trigo. O trigo cultivado em Cavalcante era de primeiríssima qualidade, sendo que em 1861 o Estado de Goiás exportou 777 alqueires de farinha de trigo, sendo que 512, quase 66 % da produção do país, saiu de Cavalcante, farinha esta que figurou em primeiro lugar na Exposição Internacional de Produtos Agrícolas da Filadélfia (USA). Atualmente a produção e economia local se baseia na agricultura, na pecuária de pequeno e médio porte, e no ecoturismo por causa das belas paisagens da chapada. A população local é bastante miscigenada, composta de Kalungas (de origem africana), bandeirantes paulistas e baianos, fortalecendo desta forma a diversificação cultural própria.
Cavalcante é a porta da frente para quem entra na Chapada dos Veadeiros. Cerca de 70% da área do parque nacional que protege a região está dentro do município. Existem mais de 100 cachoeiras próximas à cidade, que é circundada pelos cânions da chapada, ideal para esportes de aventura. O turismo religioso também movimenta a região, principalmente na romaria das comunidades quilombolas em homenagem a Nossa Senhora da Abadia, que atrai mais de mil romeiros.
A cidade foi fundada em 1740, encravada entre serras e morros e cercada por rios de águas cristalinas e com aluviões de ouro em seus leitos e margens. Baseado na exploração do rico mineral viveu seu apogeu entre o final do séc. XVII e início do séc. XIX, até meados do séc. XX, a capital da Chapada dos Veadeiros. O Distrito de Cavalcante foi criado, por decreto, em 11 de novembro de 1831 e recebeu sua emancipação política, pela Lei Imperial nº 14 de 23 de julho de 1835. Além do ouro, agora esgotado na superfície do solo e de difícil extração no subsolo, Cavalcante foi grande produtor de trigo. O trigo cultivado em Cavalcante era de primeiríssima qualidade, sendo que em 1861 o Estado de Goiás exportou 777 alqueires de farinha de trigo, sendo que 512, quase 66 % da produção do país, saiu de Cavalcante, farinha esta que figurou em primeiro lugar na Exposição Internacional de Produtos Agrícolas da Filadélfia (USA). Atualmente a produção e economia local se baseia na agricultura, na pecuária de pequeno e médio porte, e no ecoturismo por causa das belas paisagens da chapada. A população local é bastante miscigenada, composta de Kalungas (de origem africana), bandeirantes paulistas e baianos, fortalecendo desta forma a diversificação cultural própria.
Cavalcante é a porta da frente para quem entra na Chapada dos Veadeiros. Cerca de 70% da área do parque nacional que protege a região está dentro do município. Existem mais de 100 cachoeiras próximas à cidade, que é circundada pelos cânions da chapada, ideal para esportes de aventura. O turismo religioso também movimenta a região, principalmente na romaria das comunidades quilombolas em homenagem a Nossa Senhora da Abadia, que atrai mais de mil romeiros.
domingo, 24 de fevereiro de 2008
Últimos dias do poetinha e sua neta distante
Iniciava-se o ano de 1995, poucos dias faltavam para seu falecimento. Em seu leito de dor, recebia em casa os familiares distantes que o visitavam. Dia 03 de janeiro, ele chama sua neta, Carla, e dita para ela os seguintes versos que havia escrito numa folha de um caderno em sua homenagem já há algum tempo:
Minha netinha formosa
Ventura dos dias meus
És linda como uma rosa
Do belo jardim dos céus
O brilho do teu olhar
Tem tanto, tanto carinho
E o teu doce falar
É o canto do passarinho
Este riso que me prende
Tem meiguice, tem candor
Ai! Como teu riso acende
Na face belo rubor
Como o teu riso alerta
Um calor no peito meu
Como minh’alma desperta
Do corpo que já morreu
Como é bom ouvir segredos
Te afagando como desvelo
Deixar correr os meus dedos
No ouro dos teus cabelos
Tu és um anjo, querida
Um anjo banhado em luz
Que brilha na minha vida
E me suaviza a cruz
Quando fechar os meus olhos
Pra nunca mais ver os teus
Me guie por entre abrolhos
Até pertinho de Deus
Junto ao trono do Senhor
Te lembrarei com saudade
E rezarei com amor
Por tua felicidade!
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
UM COMERCIANTE EM APUROS (V)
Minha Fé Católica
Antes de relatar outro episódio da minha vida no comércio, vou falar um pouco de um segredo da minha vida, que faço questão de fazer ciente principalmente os meus filhos. Não quero com isto demonstrar que fui bom, que fui piedoso, mas apenas fazer ciência dos meus sentimentos.
Fiquei sem mãe aos doze anos; não sei se por este motivo, tomei Nossa Senhora como minha protetora, era uma espécie de devoção. Enquanto criança eu mesmo não sabia bem o que estava fazendo: todas as dificuldades, angústias, qualquer coisa que me fazia sofrer, valia-me de Nossa Senhora e logo era valido. Continuei assim, à noite rezava, fazia os meus pedidos, muitas vezes agradecendo graças alcançadas. Depois que amadureci e comecei a adquirir alguns conhecimentos de religião, além da simples devoção, veio a fé.
A fé na minha vida tem sido muito importante, mas quero deixar bem claro que falo de devoção e de fé, não querendo dizer que durante minha vida não tenha cometido erros, às vezes gravíssimos. Só que, depois da queda, sempre me recolhia à condição de mísero pecador, com muita confiança em Maria Santíssima e no Seu Filho Jesus.
Peço perdão das minhas faltas: este proceder tem me ajudado a vencer todos os obstáculos da vida.
Até hoje, diante de qualquer perigo vem logo no íntimo aquela confiança, e enfrento a tudo e a todos com destemor.
Agora só me resta rezar e agradecer...
Todos os dias, antes de levantar-me, rezo a Nossa Senhora que abençoe as obras daquele dia, com isto sinto-me feliz, graças a Deus.
Era este o segredo que tinha para relatar, minha devoção à Maria Santíssima.
Fiquei sem mãe aos doze anos; não sei se por este motivo, tomei Nossa Senhora como minha protetora, era uma espécie de devoção. Enquanto criança eu mesmo não sabia bem o que estava fazendo: todas as dificuldades, angústias, qualquer coisa que me fazia sofrer, valia-me de Nossa Senhora e logo era valido. Continuei assim, à noite rezava, fazia os meus pedidos, muitas vezes agradecendo graças alcançadas. Depois que amadureci e comecei a adquirir alguns conhecimentos de religião, além da simples devoção, veio a fé.
A fé na minha vida tem sido muito importante, mas quero deixar bem claro que falo de devoção e de fé, não querendo dizer que durante minha vida não tenha cometido erros, às vezes gravíssimos. Só que, depois da queda, sempre me recolhia à condição de mísero pecador, com muita confiança em Maria Santíssima e no Seu Filho Jesus.
Peço perdão das minhas faltas: este proceder tem me ajudado a vencer todos os obstáculos da vida.
Até hoje, diante de qualquer perigo vem logo no íntimo aquela confiança, e enfrento a tudo e a todos com destemor.
Agora só me resta rezar e agradecer...
Todos os dias, antes de levantar-me, rezo a Nossa Senhora que abençoe as obras daquele dia, com isto sinto-me feliz, graças a Deus.
Era este o segredo que tinha para relatar, minha devoção à Maria Santíssima.
UM COMERCIANTE EM APUROS (IV)
Autuado pela Comissão de Preços
Estava há poucos meses no comércio, não tinha experiência e tinha muito ainda que aprender. Aconteceu o seguinte. Havia comprado uns quilos de toicinho a 7 cruzeiros o quilo, e vendia ao preço de 10. Certo dia chegou um soldado da polícia, perguntou o preço do toicinho, comprou meio quilo e saiu.
Nessa época a Delegacia da Economia Popular era na Polícia, fato que ignorava. Por isso, daí a pouco apareceu o mesmo soldado acompanhado de um cabo. O recruta foi entrando e dizendo “foi aqui”. O cabo então dirigiu-se a mim e perguntou: “O senhor vendeu meio quilo de toicinho por 5 cruzeiros?” Ao afirmar que sim, ele me disse: “O senhor não conhece o preço da tabela?” Tentei explicar-lhe que era ainda novato no ramo e muitas coisas ignorava... Respondeu-me que não justificava, todos os dias era avisado pelo rádio, razão porque ia lavrar o flagrante, constituindo-se numa multa de 400 cruzeiros – valor que representava quase um terço do meu capital.
A fim de contornar a situação, apelei para os seus sentimentos, dizendo-lhe que devido ao meu comércio pequeno e a família grande pra sustentar, bem que poderia me dispensar desse prejuízo. Porém o soldado, que queria ver o circo pegar fogo, interrompeu-me, dizendo ironicamente: “Não podemos dispensar... se ele vende a mim desse preço, imagine aos outros”. Respondi-lhe a insinuação dizendo que tinha só um preço.
O cabo, que se apresentara como fiscal, disse, por fim, que eu dispunha de cinco dias para apresentar a minha defesa na Delegacia da Economia Popular. Aceita a minha explicativa, seria dispensado, caso contrário tinha mesmo de pagar os 400 cruzeiros. Não tive alternativa, assinei aquele papel, e mais parecia estar assinando a minha própria sentença.
Passei dois dias pensando numa maneira de sair daquela situação, daí, creio que iluminado mais uma vez pela luz que me guia, resolvi procurar um amigo e narrar-lhe o ocorrido. Era o compadre Altenor Câmara, padrinho da Gracinha, que me tranqüilizou dizendo que o Secretário de Segurança era seu amigo, me levaria à presença dele e tudo seria resolvido, como de fato foi mesmo.
No dia seguinte levou-me à presença do Dr. Clodoveu Maia, o então Secretário. Apresentou-me dizendo que era seu amigo e que eu lidava com um comércio pequeno e uma família grande, salientando que eu não tinha condições de pagar aquela multa.
O doutor pediu para ver o papel da intimação, leu-o e depois falou pra mim: “Quer dizer que o senhor foi multado porque vendeu meio quilo de toicinho por 5 cruzeiros?” Respondi-lhe afirmativamente. Disse-me: “Todos os dias compro desse preço”. Em seguida deu-me um cartão para apresentar ao delegado da Economia Popular: era um pedido de dispensa da multa, dirigido ao delegado, o Capitão Pôncio Leão, que tinha pouco de Pilatos, mas muito de Leão.
Ao recebe o cartão o homem descarregou toda a sua ira contra mim, mas acabou me dispensando.
Pude, enfim, respirar aliviado, agradecendo mais uma vez à minha boa Mãe por esta graça.
Estava há poucos meses no comércio, não tinha experiência e tinha muito ainda que aprender. Aconteceu o seguinte. Havia comprado uns quilos de toicinho a 7 cruzeiros o quilo, e vendia ao preço de 10. Certo dia chegou um soldado da polícia, perguntou o preço do toicinho, comprou meio quilo e saiu.
Nessa época a Delegacia da Economia Popular era na Polícia, fato que ignorava. Por isso, daí a pouco apareceu o mesmo soldado acompanhado de um cabo. O recruta foi entrando e dizendo “foi aqui”. O cabo então dirigiu-se a mim e perguntou: “O senhor vendeu meio quilo de toicinho por 5 cruzeiros?” Ao afirmar que sim, ele me disse: “O senhor não conhece o preço da tabela?” Tentei explicar-lhe que era ainda novato no ramo e muitas coisas ignorava... Respondeu-me que não justificava, todos os dias era avisado pelo rádio, razão porque ia lavrar o flagrante, constituindo-se numa multa de 400 cruzeiros – valor que representava quase um terço do meu capital.
A fim de contornar a situação, apelei para os seus sentimentos, dizendo-lhe que devido ao meu comércio pequeno e a família grande pra sustentar, bem que poderia me dispensar desse prejuízo. Porém o soldado, que queria ver o circo pegar fogo, interrompeu-me, dizendo ironicamente: “Não podemos dispensar... se ele vende a mim desse preço, imagine aos outros”. Respondi-lhe a insinuação dizendo que tinha só um preço.
O cabo, que se apresentara como fiscal, disse, por fim, que eu dispunha de cinco dias para apresentar a minha defesa na Delegacia da Economia Popular. Aceita a minha explicativa, seria dispensado, caso contrário tinha mesmo de pagar os 400 cruzeiros. Não tive alternativa, assinei aquele papel, e mais parecia estar assinando a minha própria sentença.
Passei dois dias pensando numa maneira de sair daquela situação, daí, creio que iluminado mais uma vez pela luz que me guia, resolvi procurar um amigo e narrar-lhe o ocorrido. Era o compadre Altenor Câmara, padrinho da Gracinha, que me tranqüilizou dizendo que o Secretário de Segurança era seu amigo, me levaria à presença dele e tudo seria resolvido, como de fato foi mesmo.
No dia seguinte levou-me à presença do Dr. Clodoveu Maia, o então Secretário. Apresentou-me dizendo que era seu amigo e que eu lidava com um comércio pequeno e uma família grande, salientando que eu não tinha condições de pagar aquela multa.
O doutor pediu para ver o papel da intimação, leu-o e depois falou pra mim: “Quer dizer que o senhor foi multado porque vendeu meio quilo de toicinho por 5 cruzeiros?” Respondi-lhe afirmativamente. Disse-me: “Todos os dias compro desse preço”. Em seguida deu-me um cartão para apresentar ao delegado da Economia Popular: era um pedido de dispensa da multa, dirigido ao delegado, o Capitão Pôncio Leão, que tinha pouco de Pilatos, mas muito de Leão.
Ao recebe o cartão o homem descarregou toda a sua ira contra mim, mas acabou me dispensando.
Pude, enfim, respirar aliviado, agradecendo mais uma vez à minha boa Mãe por esta graça.
Quem sou eu?
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
O agricultor do sertão que produziu frutos também na cidade
Quem não se lembra daquele mamoeiro? Ficou famoso por sua prodigiosa fertilidade, tão famoso que era comentado, lembrado e até fotografado, pois ele era um símbolo: representava não só a uberdade da terra e a prodigalidade da natureza, mas também daquela família que o Sr. Batista e D. Raimunda haviam "plantado" e produziam também tantos frutos... E quem não lembra também das goiabeiras? Um dia, o Sr. Batista, do cimo de uma pensava: "quantas pessoas já morreram e eu, ainda aqui, vivo, subindo em goiabeiras - deixe-me ver: morreram fulano, sicrano, beltrano", etc. etc. Quando contava o nono vizinho já falecido, a goiabeira "zás", quebra o galho, e com ele o Sr. Batista se despenca no chão, dando um grito: lá vai o décimo!
BODAS DE OURO EM VERSOS DE CORDEL
Por: Francisco Batista Cavalcante
Em 17-01-1987
Cinqüenta anos se passaram
De sonhos e fantasia
Às vezes sonhando acordado
Às vezes quando dormia
No começo tudo era rosa,
Rosa ainda em botão,
Que aos poucos foi se abrindo
De dentro do coração.
Com o tempo a rosa fechou,
Surgiram os frutos do amor,
Com base na Lei de Deus
Que é o nosso Criador.
Os frutos se separaram
Já no tempo da colheita,
Muitos rebentos vingaram,
E a raiz ficou perfeita.
Era ainda muito jovem,
Mas sabia o que queria,
A vida estava incompleta,
Faltava uma companhia.
Encontrei, pois, a Raimunda
E tomei uma decisão
Nos unirmos para sempre
Com amor e doação.
A vida estava incompleta,
Mas, gerado com carinho,
Nasceu o primeiro fruto:
Nosso querido Netinho.
Começava nova vida,
E como era já esperado
Veio o segundo, o Assis,
Tornando o lar abençoado.
O terceiro, Jurandir,
Que era linda criança,
Só três anos, Deus o levou...
Nunca saiu da lembrança.
O quarto, o Franciné
Que é também muito querido
Possui um bom coração
E é o mais extrovertido
Bem, todos aqui nasceram
No Rio Grande do Norte
Viemos para Fortaleza
Pois, para tentar nova sorte
Nasceu nesta o quinto filho,
Com a ciência de Davi
E a paciência de Job,
Que é o nosso Juraci.
O segundo Jurandir
Que é o sexto na feitura,
É o gênio da família,
Mas só em literatura.
O sétimo, uma Gracinha
A filha que eu mais queria,
Viveu só trinta e três anos...
De tristeza ela vivia.
O oitavo foi o Jair,
Criança que a gente amou,
Com vinte e cinco somente
Para o Céu Deus o levou.
O último, o Toinho
Pra completar a jornada,
Esteve em nosso ninho
Ao final da caminhada
Depois vem mais dois filhinhos
Que com a gente hoje caminha,
Ao final da caminhada.
O André e o Daniel
O dois filhos da Gracinha
Se distingo cada um
É maneira de expressão
Pois todos formam um conjunto
Dentro do meu coração.
Em 17-01-1987
Cinqüenta anos se passaram
De sonhos e fantasia
Às vezes sonhando acordado
Às vezes quando dormia
No começo tudo era rosa,
Rosa ainda em botão,
Que aos poucos foi se abrindo
De dentro do coração.
Com o tempo a rosa fechou,
Surgiram os frutos do amor,
Com base na Lei de Deus
Que é o nosso Criador.
Os frutos se separaram
Já no tempo da colheita,
Muitos rebentos vingaram,
E a raiz ficou perfeita.
Era ainda muito jovem,
Mas sabia o que queria,
A vida estava incompleta,
Faltava uma companhia.
Encontrei, pois, a Raimunda
E tomei uma decisão
Nos unirmos para sempre
Com amor e doação.
A vida estava incompleta,
Mas, gerado com carinho,
Nasceu o primeiro fruto:
Nosso querido Netinho.
Começava nova vida,
E como era já esperado
Veio o segundo, o Assis,
Tornando o lar abençoado.
O terceiro, Jurandir,
Que era linda criança,
Só três anos, Deus o levou...
Nunca saiu da lembrança.
O quarto, o Franciné
Que é também muito querido
Possui um bom coração
E é o mais extrovertido
Bem, todos aqui nasceram
No Rio Grande do Norte
Viemos para Fortaleza
Pois, para tentar nova sorte
Nasceu nesta o quinto filho,
Com a ciência de Davi
E a paciência de Job,
Que é o nosso Juraci.
O segundo Jurandir
Que é o sexto na feitura,
É o gênio da família,
Mas só em literatura.
O sétimo, uma Gracinha
A filha que eu mais queria,
Viveu só trinta e três anos...
De tristeza ela vivia.
O oitavo foi o Jair,
Criança que a gente amou,
Com vinte e cinco somente
Para o Céu Deus o levou.
O último, o Toinho
Pra completar a jornada,
Esteve em nosso ninho
Ao final da caminhada
Depois vem mais dois filhinhos
Que com a gente hoje caminha,
Ao final da caminhada.
O André e o Daniel
O dois filhos da Gracinha
Se distingo cada um
É maneira de expressão
Pois todos formam um conjunto
Dentro do meu coração.
Bodas de Ouro
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
Um comerciante em apuros (III)
Um desconhecido
Nove da noite. Raimunda, cansada da labuta diária, encerrava o expediente. Estava fechando as portas quando chegou um desconhecido que queria fazer umas compras. Habituada a lidar com embriagados, não lhe foi difícil adivinhar que estava diante de um. Por isto procurou atendê-lo por cima de uma meia-porta, entregando, meio desconfiada, o que pedira. Porém, não satisfeito, pediu uma dose de bebida. Mas ela, percebendo que poderia ser enganada, negou-lhe a pretensão e passou a exigir que pagasse a conta. De má fé, o homem, fingindo-se mais embriagado, começou a botar os forros dos bolsos para fora, como a procurar algum dinheiro. Mas ela, não se dando por vencida, arquitetou um plano para evitar o iminente prejuízo: pediu-lhe os embrulhos para que tivesse as mãos livres pra achar o dinheiro. De posse de sua mercadoria, bateu-lhe a porta na cara, pensando que assim estava livre do malandro. Ora, ora, muito triste engano, o ludibriado ficou endiabrado: começou a gritar e dar pontapés e murros na porta. Raimunda, sozinha, com um punhado de crianças, percebendo o perigo que corria, pôs-se a gritar por socorro. O Sr. Teles, um nosso vizinho, que ouvira parte da confusão, chegou correndo, trazia um porrete já engatilhado, disposto a experimentá-lo no importuno. Mas, felizmente, como o tal não era de apanhar por pouco, desapareceu, pra nunca mais.
Assim, começava uma vida de grandes aventuras, onde este caso era o primeiro de uma série, pois o comércio foi durante muito tempo o meu grande sonho.
Nove da noite. Raimunda, cansada da labuta diária, encerrava o expediente. Estava fechando as portas quando chegou um desconhecido que queria fazer umas compras. Habituada a lidar com embriagados, não lhe foi difícil adivinhar que estava diante de um. Por isto procurou atendê-lo por cima de uma meia-porta, entregando, meio desconfiada, o que pedira. Porém, não satisfeito, pediu uma dose de bebida. Mas ela, percebendo que poderia ser enganada, negou-lhe a pretensão e passou a exigir que pagasse a conta. De má fé, o homem, fingindo-se mais embriagado, começou a botar os forros dos bolsos para fora, como a procurar algum dinheiro. Mas ela, não se dando por vencida, arquitetou um plano para evitar o iminente prejuízo: pediu-lhe os embrulhos para que tivesse as mãos livres pra achar o dinheiro. De posse de sua mercadoria, bateu-lhe a porta na cara, pensando que assim estava livre do malandro. Ora, ora, muito triste engano, o ludibriado ficou endiabrado: começou a gritar e dar pontapés e murros na porta. Raimunda, sozinha, com um punhado de crianças, percebendo o perigo que corria, pôs-se a gritar por socorro. O Sr. Teles, um nosso vizinho, que ouvira parte da confusão, chegou correndo, trazia um porrete já engatilhado, disposto a experimentá-lo no importuno. Mas, felizmente, como o tal não era de apanhar por pouco, desapareceu, pra nunca mais.
Assim, começava uma vida de grandes aventuras, onde este caso era o primeiro de uma série, pois o comércio foi durante muito tempo o meu grande sonho.
A Sagrada Família também foi retirante...
Um segredo importante
A Santa Virgem Maria
Eu era ainda tão pequeno,
De religião não entendia,
Mas já fazia minha súplicas
À Santa Virgem Maria.
Depois que eu fui crescendo
Devagar eu refletia:
Devia ter devoção
À Santa Virgem Maria
Com ajuda de minha mãe
Que tanto bem me queria
Aprendi a venerar
À Santa Virgem Maria
Quando minha mãe morreu
Uma dor no peito eu sentia:
Pedia consolação
À Santa Virgem Maria
As muitas graças alcançadas
Eu recebo com alegria
E humildemente agradeço
À Santa Virgem Maria
E se alguém me magoa
Ou me trata com ironia
Com lágrimas eu recorro
À Santa Virgem Maria
Sem ter mais a minha mãe
Novas forças eu sentia,
Pois tinha veneração
À Santa Virgem Maria
Hoje na minha velhice
Nas angústias do meu dia,
Eu peço que me dê forças
À Santa Virgem Maria
Mesmo com tantos pecados
Que cometo todo dia
Eu rezo diariamente
À Santa Virgem Maria
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
O poeta de cordel
Versos ditados de memória, de autores desconhecidos, provavelmente da literatura de cordel, em que o Sr. Batista era bem versado:
Eu fico quase morrendo
Perdendo a lembrança ativa
Já não sei como é que viva
Quando vejo alguém bebendo
Ainda mesmo não tendo
No bolso nem um vintém
Se eu não achar alguém
A quem eu tome emprestado
Nem que eu compre fiado
Eu pego e bebo também
Eu fico quase morrendo
Perdendo a lembrança ativa
Já não sei como é que viva
Quando vejo alguém bebendo
Ainda mesmo não tendo
No bolso nem um vintém
Se eu não achar alguém
A quem eu tome emprestado
Nem que eu compre fiado
Eu pego e bebo também
Um comerciante amante da boa prosa e do chiste respeitoso
Eis um depoimento do Netinho sobre um fato pitoresco e engraçado da vida de comércio do Sr. Batista:
"Ele, seu Batista, tinha comércio. Comprava de sacaria. Tinha crédito na praça e clientela numerosa. Nem sempre selecionada. Muito conhecido e estimado, procurava atender sempre muito bem a todos. Era notório seu bom humor e sua saídas de situações embaraçosas ou delicadas. Tinha sempre pronta uma pilhéria, um chiste. Mas sempre dentro do respeito. Por isso, então, ainda mais apreciado.
Certa feita, lembro-me, no calor da tarde, bodega cheia de fregueses. Uma vizinha, boa freguesa, senhora simpática, já além dos trinta, entra.
- Boa tarde, seu Batista!
- Boa tarde, dona Maria!
Ela apoiou-se no balcão de madeira, ao lado da balança Filozola, ergueu-se um pouco nos calcanhares e vasculhou com os olhos os sacos de cereais abertos. Parecia não encontrar o que queria.
- Pois não, dona Maria. Vá dizendo de lá que de cá vou lhe vendendo.
E lá empunhava um pedaço de pirarucu.
- Deixe de brincadeira, seu Batista. O senhor sabe muito bem que tenho nojo desse bicho. Eu queria era feijão, mas o senhor não tem...
- Tenho.
E colocando ênfase no "tenho", com a mão trouxe de debaixo do balcão um punhado de feijão muito liso, reluzente. Ela recebeu o feijão, cheirou, mordeu um grão e fez com a cabeça que sim.
- Já procurei feijão mulatinho em todo lugar. Não tem um que preste.
Ainda mastigando o grão de feijão, indagou:
- É bom?
Incisivo, seu Batista respondeu:
- Cozinha. Cozinha que nem ovo.
Satisfeita, dona Maria pede um quilo. Paga, sorri, e se despede. Feliz.
O dia terminou e a noite também. Dia seguinte. O sol nascendo e seu Batista abrindo a bodega. E dona Maria entrando a esbravejar. Possessa, joga desaforadamente o saco de feijão, que, de papel, rompe-se. O feijão cobre o balcão e se espalha pelo chão.
- O senhor disse que cozinhava. O senhor disse que era bom.
Parou, respirou fundo e continuou.
- Botei pra cozinhar à noitinha. Fui dormir mais de meia noite e ele estava mais duro ainda. Fique com seu feijão e me dê meu dinheiro.
- Mas, dona Maria...
Seu Batista não ria. Certamente não queria aumentar a fúria da mulher.
- Mas, dona Maria - recitou pausadamente. Eu lhe disse, eu lhe avisei. Lembra o que lhe disse?
- O senhor falou que cozinhava.
- É. Cozinhava. Que mais?
E ela, mais calma, mas sem querer conversa:
- Não interessa. Não lembro. É. Falou que cozinhava que nem ovo.
Pausa. Suspense. Nem agora ela se apercebe do logro em que caíra.
- Dona Maria, eu lhe avisei. Cozinha que nem ovo. Quanto mais tempo no fogo, mais duro fica".
"Ele, seu Batista, tinha comércio. Comprava de sacaria. Tinha crédito na praça e clientela numerosa. Nem sempre selecionada. Muito conhecido e estimado, procurava atender sempre muito bem a todos. Era notório seu bom humor e sua saídas de situações embaraçosas ou delicadas. Tinha sempre pronta uma pilhéria, um chiste. Mas sempre dentro do respeito. Por isso, então, ainda mais apreciado.
Certa feita, lembro-me, no calor da tarde, bodega cheia de fregueses. Uma vizinha, boa freguesa, senhora simpática, já além dos trinta, entra.
- Boa tarde, seu Batista!
- Boa tarde, dona Maria!
Ela apoiou-se no balcão de madeira, ao lado da balança Filozola, ergueu-se um pouco nos calcanhares e vasculhou com os olhos os sacos de cereais abertos. Parecia não encontrar o que queria.
- Pois não, dona Maria. Vá dizendo de lá que de cá vou lhe vendendo.
E lá empunhava um pedaço de pirarucu.
- Deixe de brincadeira, seu Batista. O senhor sabe muito bem que tenho nojo desse bicho. Eu queria era feijão, mas o senhor não tem...
- Tenho.
E colocando ênfase no "tenho", com a mão trouxe de debaixo do balcão um punhado de feijão muito liso, reluzente. Ela recebeu o feijão, cheirou, mordeu um grão e fez com a cabeça que sim.
- Já procurei feijão mulatinho em todo lugar. Não tem um que preste.
Ainda mastigando o grão de feijão, indagou:
- É bom?
Incisivo, seu Batista respondeu:
- Cozinha. Cozinha que nem ovo.
Satisfeita, dona Maria pede um quilo. Paga, sorri, e se despede. Feliz.
O dia terminou e a noite também. Dia seguinte. O sol nascendo e seu Batista abrindo a bodega. E dona Maria entrando a esbravejar. Possessa, joga desaforadamente o saco de feijão, que, de papel, rompe-se. O feijão cobre o balcão e se espalha pelo chão.
- O senhor disse que cozinhava. O senhor disse que era bom.
Parou, respirou fundo e continuou.
- Botei pra cozinhar à noitinha. Fui dormir mais de meia noite e ele estava mais duro ainda. Fique com seu feijão e me dê meu dinheiro.
- Mas, dona Maria...
Seu Batista não ria. Certamente não queria aumentar a fúria da mulher.
- Mas, dona Maria - recitou pausadamente. Eu lhe disse, eu lhe avisei. Lembra o que lhe disse?
- O senhor falou que cozinhava.
- É. Cozinhava. Que mais?
E ela, mais calma, mas sem querer conversa:
- Não interessa. Não lembro. É. Falou que cozinhava que nem ovo.
Pausa. Suspense. Nem agora ela se apercebe do logro em que caíra.
- Dona Maria, eu lhe avisei. Cozinha que nem ovo. Quanto mais tempo no fogo, mais duro fica".
Pernambucanos de... Ó-linda família!
Um comerciante em apuros (II)
O Comércio
Trabalhei na aviação até 1948. Morava à Rua 15 de Novembro, na pista do Cocorote, sem número[1], a três quarteirões do portão da Base Aérea[2]. Numa casa de taipa de quatro cômodos, de propriedade de Zeca Jovino. Pagava setenta mil réis por mês de aluguel.
Possuía já um botequim onde vendia algumas guloseimas que ajudava bastante na despesa de casa, pois o ordenado era pequeno e a família já grande.
Quando fui despedido do emprego, não me restou outra solução senão aumentar o meu comércio. Do dinheiro da indenização – quatro contos de réis antigos – tirei quinhentos mil réis para dar de entrada numa máquina de costura, na loja Casa das Máquinas, cujo preço total importava nos mesmos quatro contos de réis. Com o que restou ampliei o boteco[3]: fiz prateleiras, balcão, tudo com tábuas de caixotes de pinho; comprei uma balança de conchas por 250 mil réis e o saldo apliquei em mercadorias. Botei de tudo um pouco, cereal, bebida, miudezas. O sortimento foi aumentando de acordo com a procura, e, como morávamos há vários anos nesse local, não foi difícil com pequeno estoque conquistar grande freguesia.
Havia sido dispensado de um emprego, sim, mas, pouco depois, fui reincorporado nos escritórios do Agente da mesma Companhia, trabalhando apenas um expediente, das 20 às 22 horas. Ganhava o salário mínimo. Quando saía, a Raimunda ficava na venda até a hora de fechar. E foi aí que aconteceu o primeiro episódio que viria marcar o início de minha vida de comerciante.
Trabalhei na aviação até 1948. Morava à Rua 15 de Novembro, na pista do Cocorote, sem número[1], a três quarteirões do portão da Base Aérea[2]. Numa casa de taipa de quatro cômodos, de propriedade de Zeca Jovino. Pagava setenta mil réis por mês de aluguel.
Possuía já um botequim onde vendia algumas guloseimas que ajudava bastante na despesa de casa, pois o ordenado era pequeno e a família já grande.
Quando fui despedido do emprego, não me restou outra solução senão aumentar o meu comércio. Do dinheiro da indenização – quatro contos de réis antigos – tirei quinhentos mil réis para dar de entrada numa máquina de costura, na loja Casa das Máquinas, cujo preço total importava nos mesmos quatro contos de réis. Com o que restou ampliei o boteco[3]: fiz prateleiras, balcão, tudo com tábuas de caixotes de pinho; comprei uma balança de conchas por 250 mil réis e o saldo apliquei em mercadorias. Botei de tudo um pouco, cereal, bebida, miudezas. O sortimento foi aumentando de acordo com a procura, e, como morávamos há vários anos nesse local, não foi difícil com pequeno estoque conquistar grande freguesia.
Havia sido dispensado de um emprego, sim, mas, pouco depois, fui reincorporado nos escritórios do Agente da mesma Companhia, trabalhando apenas um expediente, das 20 às 22 horas. Ganhava o salário mínimo. Quando saía, a Raimunda ficava na venda até a hora de fechar. E foi aí que aconteceu o primeiro episódio que viria marcar o início de minha vida de comerciante.
Notas:
[1] A primeira casa não tinha número, mas logo mudou-se para outra, de número 915, bem maior, alugada, do senhor Arruda.
[2] ) Durante a II Guerra os americanos construíram uma Base Aérea em Fortaleza, deixando-a para os cearenses. A rua que levava até esta Base era conhecida como “Pista do Cocorote” . Três quarteirões adiante havia um grande portão de controle de entrada.
[3] A mercearia foi transferida para a outra casa onde foi morar depois, na mesma Rua, número 915, mas falta registro da data.
[2] ) Durante a II Guerra os americanos construíram uma Base Aérea em Fortaleza, deixando-a para os cearenses. A rua que levava até esta Base era conhecida como “Pista do Cocorote” . Três quarteirões adiante havia um grande portão de controle de entrada.
[3] A mercearia foi transferida para a outra casa onde foi morar depois, na mesma Rua, número 915, mas falta registro da data.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
A neta pianista - herdeira da verve poética e musical
Muitos suspiram com saudades, desejando que estivesse vivo ainda o Sr. Batista para apreciar as qualidades artísticas que dele proliferam em sua família. Além de Agnes (acima, ao piano), temos também o Rafael (musicista de talento) e o próprio Netinho, que domina alguns instrumentos musicais. Quanto ao talento poético... bem, é bom nem falar...
Um comerciante em apuros (I)
Advertência
Tudo quanto escrevo nestas simples estórias o faço para os meus queridos amigos: os meus filhos. E já imagino a pergunta que irão fazer: “Será, meu pai, que na sua vida comercial só teve tragédias?”
Antecipando-me mesmo à pergunta, adianto-lhes a resposta.
Esses fatos aconteceram num longo espaço de quatorze anos, e, além dessas quase tragédias, aconteceram coisas boas também dignas de registro e que, na medida do possível, relatamos para o conhecimento de todos.
Concorreu muito para a maioria desses acontecimentos uma turma de amigos que freqüentava o meu balcão, divertindo-nos. Registro aqui alguns de seus nomes, como a apresentar as minhas personagens: Sargento Arruda, da Aeronáutica, freguês assíduo, muito divertido, contador de estórias e de piadas, enquanto tragava a “ardosa”. Sargentos Resende e Ranulfo (seriam irmãos?), e os civis Pereirinha, que exercia a profissão de sapateiro; Jésu, ou Jesuíno, o seu nome verdadeiro, alfaiate que chegou a montar uma grande alfaiataria, costurava para civis e militares; Geraldo; Cícero; Veloso, guarda civil, que ficou tuberculoso; Catita; Jorge; Raimundo Silva; Zé Estelo, de suíças e bigodes bastos; Eduardo; Raimundo Brocuta; Sebastião Firmo; Joaquim eletricista e muitos outros que não me vêm à memória.
Tudo quanto escrevo nestas simples estórias o faço para os meus queridos amigos: os meus filhos. E já imagino a pergunta que irão fazer: “Será, meu pai, que na sua vida comercial só teve tragédias?”
Antecipando-me mesmo à pergunta, adianto-lhes a resposta.
Esses fatos aconteceram num longo espaço de quatorze anos, e, além dessas quase tragédias, aconteceram coisas boas também dignas de registro e que, na medida do possível, relatamos para o conhecimento de todos.
Concorreu muito para a maioria desses acontecimentos uma turma de amigos que freqüentava o meu balcão, divertindo-nos. Registro aqui alguns de seus nomes, como a apresentar as minhas personagens: Sargento Arruda, da Aeronáutica, freguês assíduo, muito divertido, contador de estórias e de piadas, enquanto tragava a “ardosa”. Sargentos Resende e Ranulfo (seriam irmãos?), e os civis Pereirinha, que exercia a profissão de sapateiro; Jésu, ou Jesuíno, o seu nome verdadeiro, alfaiate que chegou a montar uma grande alfaiataria, costurava para civis e militares; Geraldo; Cícero; Veloso, guarda civil, que ficou tuberculoso; Catita; Jorge; Raimundo Silva; Zé Estelo, de suíças e bigodes bastos; Eduardo; Raimundo Brocuta; Sebastião Firmo; Joaquim eletricista e muitos outros que não me vêm à memória.
o futuro , se tornou presente .
O Neto (ou "Netinho" como se costumou chamar em casa), filho mais velho de D.Raimunda e Sr.Batista, acima se encontra com sua lindissima esposa (a Teresinha) e com uma nova história para nos contar sobre a vida. Da sua união nasceram João, Celina e Hélcio, abençoados para continuarem a história de seus avós (que também já deram netos e bisnetos).
Valeu a pena Sr.Batista bater a porta daquele médico que curou seu filho das dores intestinais.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
Primeira comunhão
Minhas origens (XI)
Do meu irmão vicentino
Quando entrei na Conferência
Foi por força do destino,
Queria ter as virtudes
Do meu irmão vicentino.
De início nada sabia,
Mas com ajuda do Divino
Recebi uma lição
Do meu irmão vicentino
Às vezes, sem experiência,
Eu cometo desatino...
Mas recebo a compreensão
Do meu irmão vicentino.
É quando me sinto fraco,
Me sentindo pequenino,
Que conto sempre com a
força
Do meu irmão vicentino.
Meu primeiro emprego
Cheguei em Fortaleza com quatrocentos mil réis, não era pouco, mas a mulher teve que iniciar um tratamento... Passados cinco dias consegui um emprego na Panair do Brasil, ganhando trezentos e sessenta mil réis por mês, o salário mínimo da época. Não era muito, mas não pagávamos aluguel, e, como a família era pequena, dava para ir vivendo.
Arranjei logo conhecimento com um merceeiro, que ficou me fornecendo mercadorias durante três anos. Era um bom amigo. Depois trouxe um seu irmão para ajudar, um grosseirão. Um certo dia, como de costume, meu filho mais velho foi bem cedo comprar pão, e por ter demorado ralhei com ele, mas, em tom de repulsa, pediu-me: “Papai, deixe de comprar fiado, quando chego na mercearia e peço para o Clóvis me de despachar, ele diz “se tiver com pressa, vá embora!”. Prometi, e deixei mesmo.
Comecei a trabalhar no dia 23 de outubro de 1943, sem qualquer documento, nem sequer o registro de nascimento, deram-me o prazo de trinta dias para tirar a Carteira Profissional, de Reservista e folha-corrida da Polícia. Fui à 25a. CR tirar a Carteira de Reservista de Terceira Categoria, mas, matuto, não conhecia nada de nada, e lá chegando falei com um soldado que me mandou falar com um sargento que trabalhava no Protocolo. Era um militar já bem idoso, trajava a paisano. Atendeu-me com cara de poucos amigos, recebeu meu Registro, três retratos três por quatro, pôs tudo numa gaveta, entregou-me uma senha e disse-me: “Volte aqui quarta-feira”. Voltei, mas ele continuou me enrolando, quando disseram-me que ele queria era receber gorjeta, dei-lhe cinco mil réis. Mas continuou na mesma, até que um soldado recomendou-me que falasse com o comandante e foi como resolvi.
Trabalhei nessa firma (Panair) até 1948, quando fui demitido, recebendo uma indenização de quatro contos de réis.
Dei quinhentos mil réis de entrada na compra de uma máquina de costura para a Raimunda e com o restante abri uma pequena mercearia. Durante o dia trabalhava no meu balcão, à noite na agência de passagens da mesma companhia, a convite do Sr. Celso Nunes, o agente, onde prestei os meus serviços até 1952.
Um bom médico
No decorrer dessa época tive muitos problemas de doenças com a mulher e os filhos. Lembro-me de uma vez, eu tinha começado a trabalhar há pouco tempo, não tinha direito ao Instituto nem conhecia alguma assistência gratuita. Aconteceu que o meu filho mais velho começou a gemer com uma dor no intestino, demos-lhe tudo quanto havia de remédio caseiro, mas nada servia. Um vizinho, então, indicou-me um médico de Parangaba, com fama de muito caridoso, que na certa me atenderia. Era ele o Dr. Codes e Sandoval, sua casa ficava logo após a pracinha. Cheguei, eram 17:50 hs, bati palmas. Saiu uma moça que disse: “O doutor acabou de chegar e ainda vai jantar”. Eu disse: “Não tem importância, eu espero”. Mas, o médico que esta próximo, apresentou-se e perguntou do que se tratava. Expliquei-lhe então a situação: “Doutor, o meu filho há dois dias que está com uma dor de intestino... mas antes que o senhor passe a receita quero dizer que não posso pagar a consulta”. Não me respondeu. Fez algumas perguntas sobre a doença da criança, despachou a receita, perguntando ainda: “Você tem dinheiro para comprar o remédio?” Sim, eu tinha. Quando cheguei à casa trazia o remédio, o menino logo começou a tomar e no outro dia estava bom.
Crupe
Um dia, quando trabalhava ainda na Base Aérea (na Panair), cheguei em casa cerca de vinte e duas horas, a Raimunda estava aflita, desta vez era o Jurandir. Apresentava uma espécie de asfixia, com uma roncaria na garganta, ninguém sabia o que era. Chegou um primo, o José Batista, e disse que era crupe, conhecia caso idêntico. Pusemos imediatamente a criança no automóvel de um amigo e deslocamos para a Assistência Municipal, hoje o José Frota.
Aplicaram-lhe uma injeção antidiftérica e o médico aconselhou-nos procurássemos um especialista. Fomos, pois, ao Doutor João Mendes Filho, que na época era o que se pode chamar “médico de família’. Em sua residência, na Aldeota, depois de meia-noite, atendeu-nos prontamente. De posse da receita, fomos à farmácia, depois voltamos à Assistência para a aplicação do soro. De maneira que rondamos a noite toda, chegando à casa somente às quatro da manhã, com o garoto a salvo e, em poucos dias, curado.
Formatura de Gabriel no Colégio Anchieta
Três netas, um neto e um bisneto - eis uma pequena parcela desta grande família que surgiu da união de "seu" Batista com D. Raimunda. Para quem não conhece, temos na foto Taciana, Gabriel (afilhado do Netinho, sabem?), Bárbara, Carla e (quase não aparecendo na foto por causa do tamanho), o já famoso Matheus.
Um admirador da natureza enquanto Obra divina
Dentre os papéis deixados, encontramos o relato abaixo que o sr. Batista fez sobre a natureza:
Aqui termina seu relato, talvez fruto de agradáveis recordações dos tempos em que ele morava no sertão do Rio Grande do Norte, e onde a natureza deve ser menos exuberante mas sempre contendo aquele aspecto bucólico que tanto bem faz à alma humana.
[1] Trata-se do "Rio do Ouro" que serpenteia entre as serras de Jacobina, na Bahia.
“Desde que eu resolvi escrever a história da minha vida, acho que dá para entender bem o que sou e o que penso. Mas, hoje quando se aproxima o fim da minha caminhada eu queria falar de um sentimento que guardei até hoje no íntimo do meu ser.
Talvez hoje devido à minha idade avançada alguém considera este assunto como uma espécie de arteriosclerose, mas isto não importa para mim, o importante é escrever o que penso e o que sinto, é o seguinte:
Desde o começo da minha vida eu sempre tive muito apego às coisas da natureza. Mas hoje, com a experiência que tenho, cada dia que passa eu descubro que as obras da natureza são criadas por Deus, portanto são também nossas irmãs, e comigo ultimamente vem acontecendo o seguinte: no meu quintal, como vocês sabem, tem vários pés de árvores, como goiabeiras, cajueiros, abacateiros, sapotizeiros, coqueiros e ateiras, e para mim hoje estas fruteiras são consideradas como uma outra família que construí no decorrer da minha caminhada, hoje eu sinto por esta outra família um apego, um amor, um carinho que não sei explicar, mas quando me sinto triste, magoado, sem saber a quem recorrer é a estas criaturas que recorro, fico alguns minutos abraçado ao meu cajueiro, na goiabeira, logo me sinto feliz, aquele perfume das flores, menear das folhas, é como se elas tivessem me acariciando, me dando muita paz, e dali saio forte, aliviado e desperto a seguir a caminhada como se aquilo para mim fosse um alimento para o corpo, mas principalmente para a alma, pois as coisas da natureza são criaturas criadas por Deus e são puras e sem máculas. Não sei se estou certo, mas quero continuar assim até meus últimos dias, eu acho que tudo que Deus fez é bem feito e nós devemos respeitar toda criação, seja a natureza humana, animal ou vegetal, mesmo com as diferenças que há entre todas as criaturas, devemos aceitar e até amar, pois foi tudo criado por Deus, principalmente os seres humanos que Deus criou à sua imagem e semelhança, todos estes pensamentos fazem bem à alma e ao coração. Alguém luta pela igualdade, mas às vezes estes pensamentos estão errados e não agradam a Deus.
Um poeta já escrevia sobre a igualdade e dizia assim:
Para crer que existe Deus
Não precisamos de mais
Do que olhar a nós próprios
E para os irracionais:
Tantos viventes que existem
E todos são desiguais”.
Em um outro documento, o Sr. Batista relata uma espécie de êxtase que teve quando contemplou uma linda paisagem no sertão da Bahia. Estava ele visitando seus dois filhos que moravam em Jacobina, em 1987, quando se deu o que ele chamou de “êxtase”, maravilhamento, digamos nós, pela natureza que havia a seu redor:
“Jacobina, 24 de julho de 1987
Eu estava na casa do meu filho Francisco Antonio, em Jacobina, Bahia. Neste dia amanheci um pouco confuso, tomei o café da manhã mas fiquei inquieto, não sabia o que queria. Voltei para a cama, fazia frio. Em poucos minutos notei que não era aquilo que eu queria. Me levantei. Era mais ou menos 9 horas. Nestas horas eu gosto sempre de fazer uma leitura, mas desta vez não tinha vontade para nada, não queria ler nem ver televisão.
Daí resolvi fazer uma caminhada. Saí beirando um rio que corre entre duas serras[1] , até uns 100 metros havia algumas casas, depois o caminho ficou deserto, não se via mais casas nem pessoas, nem animais, era só o contato com a natureza. O caminho onde eu passava ficava a uns 10 metros de altura para a correnteza do rio. Daí eu fiquei como se estivesse em êxtase. Para todo lado que eu olhava tudo era obra da natureza, as águas, as árvores, os rochedos, as flores, e eu continuei caminhando, observando tudo que havia naquele caminho deserto e sem fim. Tive então o desejo de descer até a beira do rio, banhar minhas mãos naquelas águas claras com cheiro de pureza.
Encontrei um lugar íngreme mas dava para descer. Antes de enfrentar aquele perigo comecei a pensar: será que vai acontecer alguma coisa comigo? Aí me lembrei da proteção divina e comecei a cantar “Segura na mão de Deus e vai”. E foi o que fiz, enfrentei aquela barreira, ora de cócoras, ora de quatro pés, mas consegui chegar no lugar desejado. Sentei-me na beira do rio, lavei as mãos naquelas águas descidas das serras com cheiro de ervas, de lodo, mas tudo era obra da natureza. Subi novamente a barreira e continuei caminhando. Logo em seguida avistei um homem que quebrava pedras. Depois ouvi um tiro: era alguém que caçava passarinhos.
Já no fim da caminhada avistei uma cascata que vinha do alto da serra, corria água a uns 100 metros de altura. Depois de observar tudo resolvi voltar, mas durante toda esta caminhada eu conversava comigo mesmo como se estivesse num Paraíso terrestre, todo aquele trajeto eu não pensei em nada nem em ninguém. Aí pensei: se a gente pudesse viver assim, longe de tudo e de todos, sem dizer nem ouvir conversas, só com pureza das árvores, das flores, das águas, das pedras”.
Talvez hoje devido à minha idade avançada alguém considera este assunto como uma espécie de arteriosclerose, mas isto não importa para mim, o importante é escrever o que penso e o que sinto, é o seguinte:
Desde o começo da minha vida eu sempre tive muito apego às coisas da natureza. Mas hoje, com a experiência que tenho, cada dia que passa eu descubro que as obras da natureza são criadas por Deus, portanto são também nossas irmãs, e comigo ultimamente vem acontecendo o seguinte: no meu quintal, como vocês sabem, tem vários pés de árvores, como goiabeiras, cajueiros, abacateiros, sapotizeiros, coqueiros e ateiras, e para mim hoje estas fruteiras são consideradas como uma outra família que construí no decorrer da minha caminhada, hoje eu sinto por esta outra família um apego, um amor, um carinho que não sei explicar, mas quando me sinto triste, magoado, sem saber a quem recorrer é a estas criaturas que recorro, fico alguns minutos abraçado ao meu cajueiro, na goiabeira, logo me sinto feliz, aquele perfume das flores, menear das folhas, é como se elas tivessem me acariciando, me dando muita paz, e dali saio forte, aliviado e desperto a seguir a caminhada como se aquilo para mim fosse um alimento para o corpo, mas principalmente para a alma, pois as coisas da natureza são criaturas criadas por Deus e são puras e sem máculas. Não sei se estou certo, mas quero continuar assim até meus últimos dias, eu acho que tudo que Deus fez é bem feito e nós devemos respeitar toda criação, seja a natureza humana, animal ou vegetal, mesmo com as diferenças que há entre todas as criaturas, devemos aceitar e até amar, pois foi tudo criado por Deus, principalmente os seres humanos que Deus criou à sua imagem e semelhança, todos estes pensamentos fazem bem à alma e ao coração. Alguém luta pela igualdade, mas às vezes estes pensamentos estão errados e não agradam a Deus.
Um poeta já escrevia sobre a igualdade e dizia assim:
Para crer que existe Deus
Não precisamos de mais
Do que olhar a nós próprios
E para os irracionais:
Tantos viventes que existem
E todos são desiguais”.
Em um outro documento, o Sr. Batista relata uma espécie de êxtase que teve quando contemplou uma linda paisagem no sertão da Bahia. Estava ele visitando seus dois filhos que moravam em Jacobina, em 1987, quando se deu o que ele chamou de “êxtase”, maravilhamento, digamos nós, pela natureza que havia a seu redor:
“Jacobina, 24 de julho de 1987
Eu estava na casa do meu filho Francisco Antonio, em Jacobina, Bahia. Neste dia amanheci um pouco confuso, tomei o café da manhã mas fiquei inquieto, não sabia o que queria. Voltei para a cama, fazia frio. Em poucos minutos notei que não era aquilo que eu queria. Me levantei. Era mais ou menos 9 horas. Nestas horas eu gosto sempre de fazer uma leitura, mas desta vez não tinha vontade para nada, não queria ler nem ver televisão.
Daí resolvi fazer uma caminhada. Saí beirando um rio que corre entre duas serras[1] , até uns 100 metros havia algumas casas, depois o caminho ficou deserto, não se via mais casas nem pessoas, nem animais, era só o contato com a natureza. O caminho onde eu passava ficava a uns 10 metros de altura para a correnteza do rio. Daí eu fiquei como se estivesse em êxtase. Para todo lado que eu olhava tudo era obra da natureza, as águas, as árvores, os rochedos, as flores, e eu continuei caminhando, observando tudo que havia naquele caminho deserto e sem fim. Tive então o desejo de descer até a beira do rio, banhar minhas mãos naquelas águas claras com cheiro de pureza.
Encontrei um lugar íngreme mas dava para descer. Antes de enfrentar aquele perigo comecei a pensar: será que vai acontecer alguma coisa comigo? Aí me lembrei da proteção divina e comecei a cantar “Segura na mão de Deus e vai”. E foi o que fiz, enfrentei aquela barreira, ora de cócoras, ora de quatro pés, mas consegui chegar no lugar desejado. Sentei-me na beira do rio, lavei as mãos naquelas águas descidas das serras com cheiro de ervas, de lodo, mas tudo era obra da natureza. Subi novamente a barreira e continuei caminhando. Logo em seguida avistei um homem que quebrava pedras. Depois ouvi um tiro: era alguém que caçava passarinhos.
Já no fim da caminhada avistei uma cascata que vinha do alto da serra, corria água a uns 100 metros de altura. Depois de observar tudo resolvi voltar, mas durante toda esta caminhada eu conversava comigo mesmo como se estivesse num Paraíso terrestre, todo aquele trajeto eu não pensei em nada nem em ninguém. Aí pensei: se a gente pudesse viver assim, longe de tudo e de todos, sem dizer nem ouvir conversas, só com pureza das árvores, das flores, das águas, das pedras”.
Aqui termina seu relato, talvez fruto de agradáveis recordações dos tempos em que ele morava no sertão do Rio Grande do Norte, e onde a natureza deve ser menos exuberante mas sempre contendo aquele aspecto bucólico que tanto bem faz à alma humana.
[1] Trata-se do "Rio do Ouro" que serpenteia entre as serras de Jacobina, na Bahia.
Minhas origens (X)
Jesus Cristo e os Santos, nossos modelos de perfeição
Mote: Só a graça de Deus, não
A gente sonha demais
Vivendo às vezes na ilusão,
Num mundo cheio de dúvidas,
Onde não há preocupação.
Mas até a ponte desaba,
Tudo no mundo se acaba,
Só a graça de Deus, não.
Às vezes vivendo felizes
Encontramos solução
Pr’as dores do dia-a-dia,
Com amor e doação...
Mas até a saúde desaba,
Tudo no mundo se acaba,
Só a graça de Deus, não.
A flor quando desabrocha
Tem a beleza da criação,
Aquele aroma maravilhoso
Que dá tanta emoção.
Mas até a árvore desaba,
Tudo no mundo se acaba,
Só a graça de Deus, não.
A seca é coisa terrível
Causando devastação,
Sofrimento aos camponeses
Que trabalham no sertão...
Mas quando o inverno desaba,
Toda a miséria se acaba,
Só a graça de Deus, não.
O mal tem também seu fim
Por meio da destruição,
Cremos nas bênçãos de Deus
Que afugentam a maldição.
A força do Cão desaba,
Tudo no mundo se acaba,
Só a graça de Deus, não.
O casamento começa
Por meio de uma paixão,
Mas com o passar do tempo,
Se não for um bom cristão,
Aos poucos tudo desaba...
Tudo no mundo se acaba,
Só a graça de Deus, não.
Um filho quando aparece
É como rosa em botão,
Ele traz tanta carícia
Que faz bem ao coração,
Mas quando cresce desaba...
Tudo no mundo se acaba,
Só a graça de Deus, não.
A gente aprende com a mãe
Levar a vida em oração,
E sempre se escolhe um santo
Para se ter devoção.
Mas a fé também desaba,
Tudo no mundo se acaba,
Só a graça de Deus, não.
Queria dizer para meus filhos, e para toda a família, que não tem nada de errado a gente querer assemelhar-se a um santo, ou mesmo a Cristo, pois só nos faz bem à alma e ao coração.
Por coincidência, lendo a vida de Santo Antônio Maria Claret, verifiquei que a sua história tem algo a ver com a minha. É que este piedoso santo perdeu a mãe aos doze anos, e depois que ela foi desta para a outra vida ele se apegou com uma veneração muito amorosa à Nossa Senhora, como se Ela substituísse a sua mãe. O mesmo aconteceu comigo: minha mãe morreu quando tinha doze anos, e desde esse fatídico momento me apeguei à Nossa Senhora da Conceição com muita fé, muita devoção. Até hoje continuo nesse amor a Ela, e quero continuar até o último dia de minha vida, com a mesma fé de sempre. Ela me guia, me dá forças para lutar contra o mal[1].
Mas, voltando à caminhada. Logo que chegamos à Fortaleza, fomos direto para a casa do Francisco Josino, meu cunhado, até nos mudarmos para o “Cocorote”, dezessete dias depois. Comecei a reconstruir a minha vida, com a ajuda de Deus e de minha Santa Mãe.
Hoje, ao completar 82 anos[2], sinto-me realizado, acho que tenho pouco a pedir e muito a agradecer, e além de dar graças a Deus pela longa caminhada, queria também dar graças pelo que tenho e pelo que sou, pois na minha velhice estou lúcido, vendo e ouvindo, dando algo de mim para alguém que precisa.
Sou ministro eucarístico, tenho a honra de levar o Cristo na hóstia consagrada às residências de pessoas idosas e inválidas que já não têm forças para caminhar. Antes da comunhão a gente reza algumas orações e faz algumas leituras. Sinto-me muito realizado, e, apesar de todos os meus defeitos, meus fracassos, Deus e minha Santa Mãe sempre estão comigo.
Outro trabalho que realizo e que também me deixa feliz é, além de ministro da sagrada comunhão, como confrade Vicentino da Sociedade São Vicente de Paulo. Ajudamos às pessoas carentes, por isto somos reconhecidos como Apóstolos da Caridade. Meu desejo é continuar este trabalho até quando Deus quiser, Ele é quem decidirá a minha vida. Que me dê forças para lutar pela minha salvação eterna!
Minhas origens (IX)
A fuga de Jesus para o Egito e a volta para a Judéia (Mt 2, 13-15)
(Para a Raimunda)
Esta pequena lembrança
Que te dou de coração,
É insignificante, pequena,
Levando em comparação
O que me deu de si mesma
Com esta nossa união
A vida a dois só começa
Através de um namoro,
Mas depois vem a união
Que é como jóia de ouro.
E com a vinda dos filhos
Completa o nosso tesouro.
Todos os filhos que temos,
Que são seus e os meus sonhos:
Uma dádiva dos céus
Que de Deus nós recebemos,
E que devemos agradecer
Em oração os votos Seus.
Em todas as tribulações
Que nos vem do dia-a-dia,
Sempre temos confiança
Na Santa Virgem Maria,
Que como uma Santa Mãe,
Nos dá paz e alegria
.
Às vezes na vida da gente acontecem coisas que se assemelham à vida de Cristo ou dos Santos. Não quero fantasiar, querendo ser igual a Cristo ou aos Santos. Mas todos sabemos que Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança, e se procurássemos imitar a Cristo em todas as nossas ações, sentir-nos-íamos mais realizados na obra do Criador. Por isto peço que ninguém censure o que vou escrever.
Nesta minha longa caminhada já passei por muitos momentos de prazer, alegria e sofrimento, porém, desta vez, minha narrativa conta algo diferente da minha vida, que acho semelhante a um momento da vida de Nosso Senhor.
Jesus quando nasceu foi preciso fugir para o Egito a fim de se livrar de seus algozes; e com aquela dificuldade que havia de transporte, foi preciso fazer a longa caminhada, da Judéia até o Egito, com seu pai adotivo São José e Sua Mãe Maria Santíssima, nas costas de um jumento, enfrentando um sol abrasador no deserto.
Comigo também houve uma caminhada, fugindo dos algozes da seca... Foi o seguinte:
Ano de 1943, morávamos na Serra. E como sempre acontece no sertão nordestino, estávamos no segundo ano de seca, com as dificuldades da vida aumentando cada dia. Tomei, então, uma decisão, deixar a vida na roça, ir para Fortaleza tentar nova vida.
Mas o que tinha tudo isto a ver com a fugida de Cristo para o Egito? Foi justamente a caminhada que fizemos para chegar até o Ceará, principalmente porque na época em que resolvi faze-la as dificuldades eram similares às do tempo de Cristo.
Raimunda estava grávida quando planejamos a viagem, no último mês de gestação. Era o mês de agosto, nasceu o nosso quarto filho, o Franciné, e com 9 dias falecia o terceiro, Jurandir, fato este que abalou profundamente nossas vidas tão castigadas até aquele momento. Dois meses depois fizemos a longa caminhada, em que vejo semelhança com a da Família Sagrada. Apesar do estado de saúde da Raimunda, enfrentamos mais de 300 quilômetros nas costas de burros, com um sol escaldante, fome, sede, poeira, cansaços, e duas crianças, uma de colo e outra com 5 anos de idade.[1] Depois que chegamos ao nosso destino, Raimunda passou muito tempo em tratamento de saúde, ainda sob os efeitos do trauma que sofrera com a morte do filho, bem como da penosa viagem que fizera.
[1] Pelo relato, levavam o “Netinho” e o “Franciné”, tendo deixado o Assis aos cuidados da avó Bárbara, talvez porque o menino estivesse algum tanto adoentado, pois não se explica que levassem uma criança de apenas dois meses (o Franciné nasceu em agosto de 43 e a viagem foi feita em outubro do mesmo ano) em vez da outra que tinha 4 anos de idade. O Assis veio para Fortaleza um ano depois, trazido pelos avós que também vieram morar lá.
Retirantes, graças a Deus!
Esta história de retirantes já deu muito o que falar e escrever. Aqui nossa homenagem à coragem tão indômita de varar os tórridos sertões nordestinos em busca de dias melhores, fazendo com que o sertanejo não seja só "um forte", como disse Euclides da Cunha, mas uma verdadeira fortaleza de coragem, espírito de luta inquebrantável e valentia. Eis aí "seu" Batista e D. Raimunda, já em Fortaleza, alguns anos após instalarem-se na bela capital cearense com sua família. Na companha deles na foto acima vemos o Netinho.
Minhas origens (VIII)
A morte de um filho
Às vezes você comete asneiras
E mesmo sem ter razão
Não dá a sua atenção
À sua mãe verdadeira:
Aquela que a vida inteira
Seguiu todo o seu caminho,
Cuidou de você direitinho
Sem nunca desanimar,
E como Rainha do Lar
Merece todo seu carinho.
Nessa época (1943) possuíamos quatro filhos, e nesse mesmo ano morreu, de desidratação, o terceiro desses quatro, o Jurandir[1], com dois anos e quatro meses de idade: de olhos claros, cabelos loiros e cacheados.
Doente há uns quinze dias, num dado momento em que estava com ele nos braços, teve uma crise muito forte de cólicas, então ergueu-se e me mordeu no peito, morrendo em seguida[2].
Retirantes... graças a Deus
Nesse ano (1943) resolvi vir embora para Fortaleza. O meu sogro não aprovava essa viagem. Ainda relutou para que não viesse. Dizia que não me daria muito bem. Assim mesmo resolvi fazer a viagem. Vim para Fortaleza tentar nova vida. O meu irmão mais velho, Pedro Batista, nos trouxe até Quixadá em seus animais. Com duas crianças pequenas, pois a outra ficara com a avó, foi um eterno sofrer. Em Quixadá ficamos oito dias na casa de um primo, o Zé Pinto, enquanto me comunicava com meus cunhados na capital, o Francisco e o Luís, pedindo-lhes para me arranjarem moradia. Antes de sair de Quixadá vendi um cavalo por cem mil réis, era o último de meus pertences.
Viajamos de trem, meu primo nos acompanhou até Fortaleza. Mas, como o trem atrasou, só chegamos na Central à noite. Os meus parentes já não estavam mais esperando. Por isto ficamos tristes e um pouco desnorteados, chegarmos à noite numa cidade grande sem conhecer nada nem ninguém, com uma criança de pouco mais de um mês chorando, a mulher doente da viagem extravagante que fizera... Felizmente o Zé Pinto conhecia bem a cidade, e, com a ajuda de Deus, chegamos logo à casa do Francisco, que era no (bairro de) Joaquim Távora. Fomos muito bem recebidos, aí ficando dezessete dias aguardando desocupasse uma casa do Luís, no Cocorote, para onde nos mudamos.
[1] Provavelmente seu nome era Jurandir Josino Cavalcante, o mesmo do outro Jurandir nascido em 1948.
[2] Os filhos, pela ordem de nascimento, eram: João Batista Neto (o Netinho), Francisco Assis Cavalcante, Jurandir (Josino Cavalcante?) e Francisco Cavalcante Neto (o Franciné). Segundo conta o Netinho, enquanto um filho nascia outro morria, e os dois mais velhos não podiam chorar a morte do irmãozinho para não acordar o bebê que nascera há 9 dias apenas.
Às vezes você comete asneiras
E mesmo sem ter razão
Não dá a sua atenção
À sua mãe verdadeira:
Aquela que a vida inteira
Seguiu todo o seu caminho,
Cuidou de você direitinho
Sem nunca desanimar,
E como Rainha do Lar
Merece todo seu carinho.
Nessa época (1943) possuíamos quatro filhos, e nesse mesmo ano morreu, de desidratação, o terceiro desses quatro, o Jurandir[1], com dois anos e quatro meses de idade: de olhos claros, cabelos loiros e cacheados.
Doente há uns quinze dias, num dado momento em que estava com ele nos braços, teve uma crise muito forte de cólicas, então ergueu-se e me mordeu no peito, morrendo em seguida[2].
Retirantes... graças a Deus
Nesse ano (1943) resolvi vir embora para Fortaleza. O meu sogro não aprovava essa viagem. Ainda relutou para que não viesse. Dizia que não me daria muito bem. Assim mesmo resolvi fazer a viagem. Vim para Fortaleza tentar nova vida. O meu irmão mais velho, Pedro Batista, nos trouxe até Quixadá em seus animais. Com duas crianças pequenas, pois a outra ficara com a avó, foi um eterno sofrer. Em Quixadá ficamos oito dias na casa de um primo, o Zé Pinto, enquanto me comunicava com meus cunhados na capital, o Francisco e o Luís, pedindo-lhes para me arranjarem moradia. Antes de sair de Quixadá vendi um cavalo por cem mil réis, era o último de meus pertences.
Viajamos de trem, meu primo nos acompanhou até Fortaleza. Mas, como o trem atrasou, só chegamos na Central à noite. Os meus parentes já não estavam mais esperando. Por isto ficamos tristes e um pouco desnorteados, chegarmos à noite numa cidade grande sem conhecer nada nem ninguém, com uma criança de pouco mais de um mês chorando, a mulher doente da viagem extravagante que fizera... Felizmente o Zé Pinto conhecia bem a cidade, e, com a ajuda de Deus, chegamos logo à casa do Francisco, que era no (bairro de) Joaquim Távora. Fomos muito bem recebidos, aí ficando dezessete dias aguardando desocupasse uma casa do Luís, no Cocorote, para onde nos mudamos.
[1] Provavelmente seu nome era Jurandir Josino Cavalcante, o mesmo do outro Jurandir nascido em 1948.
[2] Os filhos, pela ordem de nascimento, eram: João Batista Neto (o Netinho), Francisco Assis Cavalcante, Jurandir (Josino Cavalcante?) e Francisco Cavalcante Neto (o Franciné). Segundo conta o Netinho, enquanto um filho nascia outro morria, e os dois mais velhos não podiam chorar a morte do irmãozinho para não acordar o bebê que nascera há 9 dias apenas.
Meu casamento
Como nós nos conhecemos
Foi pelos reveses da sorte
Nesse tempo morávamos
No Rio Grande do Norte,
Onde não havia diversão
Nem mesmo algum esporte.
O nosso primeiro encontro
Foi uma coisa engraçada
Nesse tempo ela morava
Num lugar chamado Chapada,
Era no alto da Serra,
Bem próximo de uma quebrada.
Agora vou explicar
Como tudo aconteceu:
Eu fui à casa da moça
A convite dum primo meu,
Mas assim que chegou lá,
Coitado, se arrependeu.
Como nós nos conhecemos
Foi pelos reveses da sorte
Nesse tempo morávamos
No Rio Grande do Norte,
Onde não havia diversão
Nem mesmo algum esporte.
O nosso primeiro encontro
Foi uma coisa engraçada
Nesse tempo ela morava
Num lugar chamado Chapada,
Era no alto da Serra,
Bem próximo de uma quebrada.
Agora vou explicar
Como tudo aconteceu:
Eu fui à casa da moça
A convite dum primo meu,
Mas assim que chegou lá,
Coitado, se arrependeu.
O primo chegando à casa
Do pai de sua namorada,
Logo de início eu notei
Que havia uma coisa errada,
Pois ela ficou me olhando
Desde a nossa chegada.
Isto foi só o começo,
O resto veio à prestação...
Fiz-lhe algumas visitas
E foi chegando a paixão,
Que nasceu em pouco tempo
Dentro do nosso coração.
Depois veio o casamento,
Sem pompas nem mordomias.
Mas tudo aconteceu
Do jeito que a gente queria
E com as bênçãos de Deus
Tudo tornou-se alegria!
Em 1937 casei-me com uma moça de Portalegre [1], a minha terra berço. Morei um ano na Passagem Limpa, onde nasceu o meu primeiro filho; depois, a convite de meu sogro, voltei para a Serra de Portalegre. Fui trabalhar na agricultura, e, quando sobrava tempo, vendia legumes nas feiras e matava porcos e carneiros que vendia na vizinhança. Não fiz casa nem consegui alugar uma, morava pois em casa emprestada, a favores de amigos. Correu tudo bem até o ano de 1939. Mas quando entrou a era dos 40, começou a escassez de chuvas, perdíamos todo o trabalho da lavoura sem conseguir colher quase nada, e as dificuldades aumentando; permanecendo esta fase ruim até 1943.
[1] O casamento realizou-se no dia 16 de janeiro de 1937.
Do pai de sua namorada,
Logo de início eu notei
Que havia uma coisa errada,
Pois ela ficou me olhando
Desde a nossa chegada.
Isto foi só o começo,
O resto veio à prestação...
Fiz-lhe algumas visitas
E foi chegando a paixão,
Que nasceu em pouco tempo
Dentro do nosso coração.
Depois veio o casamento,
Sem pompas nem mordomias.
Mas tudo aconteceu
Do jeito que a gente queria
E com as bênçãos de Deus
Tudo tornou-se alegria!
Em 1937 casei-me com uma moça de Portalegre [1], a minha terra berço. Morei um ano na Passagem Limpa, onde nasceu o meu primeiro filho; depois, a convite de meu sogro, voltei para a Serra de Portalegre. Fui trabalhar na agricultura, e, quando sobrava tempo, vendia legumes nas feiras e matava porcos e carneiros que vendia na vizinhança. Não fiz casa nem consegui alugar uma, morava pois em casa emprestada, a favores de amigos. Correu tudo bem até o ano de 1939. Mas quando entrou a era dos 40, começou a escassez de chuvas, perdíamos todo o trabalho da lavoura sem conseguir colher quase nada, e as dificuldades aumentando; permanecendo esta fase ruim até 1943.
[1] O casamento realizou-se no dia 16 de janeiro de 1937.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Minhas origens (VII)
A morte de meu pai
Em 1935 meu pai adoeceu, começou tendo vertigens. Estava trabalhando no roçado, de um momento para outro parava, ficava escorado na enxada tomando rapé. E como não reclamasse de nada, os filhos se chegavam e lhe perguntavam o que estava sentindo. Dizia que não era nada, apenas uma vertigem, mas já tinha passado. Mas quando essas crises se repetiram com mais freqüência, resolveu ir ao médico.
Viajou sozinho a cavalo cerca de oito léguas para encontrar o médico, era o Dr. Raul, na Serra do Martins. Voltou bastante desanimado, o médico dissera-lhe que sofria do coração, restando-lhe pouco tempo de vida. Foi o início do fim, as crises aumentaram e os remédios nenhum resultado davam. Procuramos, então, outro médico, o Dr. Maltez, em Caraúbas. Desta vez com mais dificuldades, porque ele não mais podia viajar. O tio Vicente era quem ia fazer as consultas por ele. Daí pra frente a situação começou a se agravar, não podia se alimentar, não dormia, passava a noite sentado na rede com falta de ar. Eu o acompanhava nessa jornada, inclusive passava a noite em claro no seu quarto pra ver do que precisava.
O inverno chegara, mas nesse ano não consegui quase trabalhar, ele não queria que saísse de perto dele um só instante. E como as consultas não deram resultado através de portador, resolvemos mandar buscar o médico, com muita dificuldade, viajando a cavalo cerca de dez léguas, e tendo de pagar a visita que importou em mil réis, quantia que na época não era pouco. Não possuía o dinheiro, mas arranjei-o emprestado de um compadre dele, justamente meu professor (Zeca Laurindo).
Quando o médico chegou, examinou-o e disse: “Você vai ficar bom, ainda vai viver uns vinte anos”. Depois me chamou em particular: “Cuide dele que pode morrer a qualquer hora”. No entanto, animado com as palavras do médico, obteve uma melhora assustadora. Na noite seguinte dormiu, o que não acontecia há muito tempo. No dia seguinte ainda tomou o primeiro alimento, mas já de tarde começou a piorar novamente. No outro dia começou a se queixar de uma dor muito aguda, era o tétano: durou três dias com essa dor.
Nesse período, muito conformado, apesar das dores, pedia a Deus lhe desse um alívio, fosse de que forma fosse. No último dia de sua vida ficou calmo, deitado na cama, que também não acontecia há muito tempo.
Os últimos momentos de meu pai
Mais ou menos à meia-noite, pediu para botar um travesseiro debaixo da sua cabeça. Sentei-me na cabeceira da cama, forrei a minha perna com um lençol, pus a sua cabeça sobre o lençol e perguntei: “Tá bom assim?” Ele respondeu-me: “Está bom, que é por pouco tempo”. E em seguida começou a agonizar. Aí foi quando fracassei um pouco, não tive coragem de assistir sua agonia. Deixei-o com os familiares e me recolhi a um outro quarto[1] .
Antes de morrer havia me feito os seus últimos pedidos: que tomasse conta da família e pagasse todas as suas dívidas, deu o nome dos credores e a importância dos débitos que totalizou em duzentos mil réis. Fui trabalhar e em dois anos já tinha pago tudo, graças a Deus.
Fiquei como chefe da família, eram três irmãs moças e um irmão caçula, e ainda minha madrasta.[2]
[1] Diferente foi sua atitude com a morte da mãe. Conta que acompanhou-a até o último suspiro. Talvez por ser mais jovem, era mais forte.
[2] Não fala onde andavam os outros irmãos, se estavam casados, morando longe ou se algum havia morrido. Como eram oito, no seu relato falta dizer onde estavam os outros três homens. Provavelmente o mais velho, Pedro Batista (que conhecemos já velho, morando em Fortaleza) havia se casado e morava longe. Os outros não se sabe.
Em 1935 meu pai adoeceu, começou tendo vertigens. Estava trabalhando no roçado, de um momento para outro parava, ficava escorado na enxada tomando rapé. E como não reclamasse de nada, os filhos se chegavam e lhe perguntavam o que estava sentindo. Dizia que não era nada, apenas uma vertigem, mas já tinha passado. Mas quando essas crises se repetiram com mais freqüência, resolveu ir ao médico.
Viajou sozinho a cavalo cerca de oito léguas para encontrar o médico, era o Dr. Raul, na Serra do Martins. Voltou bastante desanimado, o médico dissera-lhe que sofria do coração, restando-lhe pouco tempo de vida. Foi o início do fim, as crises aumentaram e os remédios nenhum resultado davam. Procuramos, então, outro médico, o Dr. Maltez, em Caraúbas. Desta vez com mais dificuldades, porque ele não mais podia viajar. O tio Vicente era quem ia fazer as consultas por ele. Daí pra frente a situação começou a se agravar, não podia se alimentar, não dormia, passava a noite sentado na rede com falta de ar. Eu o acompanhava nessa jornada, inclusive passava a noite em claro no seu quarto pra ver do que precisava.
O inverno chegara, mas nesse ano não consegui quase trabalhar, ele não queria que saísse de perto dele um só instante. E como as consultas não deram resultado através de portador, resolvemos mandar buscar o médico, com muita dificuldade, viajando a cavalo cerca de dez léguas, e tendo de pagar a visita que importou em mil réis, quantia que na época não era pouco. Não possuía o dinheiro, mas arranjei-o emprestado de um compadre dele, justamente meu professor (Zeca Laurindo).
Quando o médico chegou, examinou-o e disse: “Você vai ficar bom, ainda vai viver uns vinte anos”. Depois me chamou em particular: “Cuide dele que pode morrer a qualquer hora”. No entanto, animado com as palavras do médico, obteve uma melhora assustadora. Na noite seguinte dormiu, o que não acontecia há muito tempo. No dia seguinte ainda tomou o primeiro alimento, mas já de tarde começou a piorar novamente. No outro dia começou a se queixar de uma dor muito aguda, era o tétano: durou três dias com essa dor.
Nesse período, muito conformado, apesar das dores, pedia a Deus lhe desse um alívio, fosse de que forma fosse. No último dia de sua vida ficou calmo, deitado na cama, que também não acontecia há muito tempo.
Os últimos momentos de meu pai
Mais ou menos à meia-noite, pediu para botar um travesseiro debaixo da sua cabeça. Sentei-me na cabeceira da cama, forrei a minha perna com um lençol, pus a sua cabeça sobre o lençol e perguntei: “Tá bom assim?” Ele respondeu-me: “Está bom, que é por pouco tempo”. E em seguida começou a agonizar. Aí foi quando fracassei um pouco, não tive coragem de assistir sua agonia. Deixei-o com os familiares e me recolhi a um outro quarto[1] .
Antes de morrer havia me feito os seus últimos pedidos: que tomasse conta da família e pagasse todas as suas dívidas, deu o nome dos credores e a importância dos débitos que totalizou em duzentos mil réis. Fui trabalhar e em dois anos já tinha pago tudo, graças a Deus.
Fiquei como chefe da família, eram três irmãs moças e um irmão caçula, e ainda minha madrasta.[2]
[1] Diferente foi sua atitude com a morte da mãe. Conta que acompanhou-a até o último suspiro. Talvez por ser mais jovem, era mais forte.
[2] Não fala onde andavam os outros irmãos, se estavam casados, morando longe ou se algum havia morrido. Como eram oito, no seu relato falta dizer onde estavam os outros três homens. Provavelmente o mais velho, Pedro Batista (que conhecemos já velho, morando em Fortaleza) havia se casado e morava longe. Os outros não se sabe.
Retirantes, mas felizes
Minhas origens (VI)
Dois “sem-terra” autênticos a serviço de um mau patrão
Diz o vaqueiro: patrão,
eu lhe peço pelo nome
de Deus que vossa excelência
conta de seu gado tome
que eu vou partir pra não ver
seu gado morrer de fome
(“Manuel S. Sobrinho, “Poético Popular do Nordeste”)
Em 1931 ainda morávamos na Passagem Limpa, naquele ano o inverno foi muito fraco, não houve quase safra nem pastagem para os animais, estávamos pelo mês de outubro, possuíamos legumes para comer, mas nada tínhamos para fazer. Foi aí que eu e Chico Barros, que era mais ou menos da minha idade, fomos convidados a trabalhar numa fazenda para tratar do gado.
Eram cem reses dentro de uma caatinga no meio da mata, duas léguas de onde habitava gente. Havia uma casinha para nosso abrigo e currais para prender o gado. O nosso trabalho era o seguinte: nos primeiros clarões da manhã íamos para o curral levantar as reses que amanheciam caídas devido a fraqueza, pois à noite deitavam-se e no outro dia não conseguiam mais levantar-se. Depois desse trabalho, pisando em estercos moles, sujando as mãos, tomávamos como primeiro alimento um cafezinho sem pão, em seguida cada um pegava um burro com cangalha, cambitos, cordas para amarrar as cargas e um facão. Metíamo-nos numa vereda, mata adentro, a cortar mandacaru e macambira para darmos de comer ao gado. Estávamos de volta pelas dez, com muita fome, arranhados das “malícias” e dos espinhos dos mandacarus. Para completar, nosso patrão era muito miserável, não dava a comida suficiente para fartar-nos. O almoço era um pirão de farinha com carne de carneiro e mais nada. Terminada a refeição tomávamos café e novamente íamos cortar a ração e distribuí-la com o gado, isto até duas da tarde quando, pela terceira vez, repetíamos a operação: voltando às cinco com os burros carregados, dessa vez, após descarregar o produto, íamos juntar o gado no curral. À noite, depois de uma ceia pobre e fraca, dormíamos, eu e meu companheiro, ao ar livre, ouvindo o canto da coruja e o chiado das cobras e o ranger dos paus quando o vento soprava. Assim todos os dias, do mesmo jeito. Todo o serviço era feito por nós e o ordenado vinte e cinco mil réis por mês, e pra piorar o patrão nos tratava muito mal.
Havia um mês que estávamos nessa luta. Um dia, quando saímos à tarde para procurar a bendita ração, demoramos muito e, por isto, chegamos à casa ao anoitecer. Encontramos o patrão zangado, disse que não voltamos cedo porque estávamos brincando... Iniciamos uma discussão e eu pedi que fizesse as minhas contas que ia embora naquela mesma noite. De começo não deu muita importância à minha saída, mas foi falar com o Chico Barros, que já tomara a mesma resolução, sozinho não ficava, eu saindo ele também saía. Quando o homem viu que ia fica só no meio da mata, com todo aquele gado para cuidar, pediu, rogou quase chorando para ficarmos, mas não havia pedido que desse jeito, viajamos na mesma noite. Fizemos aquela jornada de duas léguas a pé, numa estrada deserta e num areal que atolava até o tornozelo. Chegamos à casa de meu pai à meia-noite, muito cansados mas contentes, parecia que acabávamos de chegar no céu, livres, enfim, daquele suplício.
Diz o vaqueiro: patrão,
eu lhe peço pelo nome
de Deus que vossa excelência
conta de seu gado tome
que eu vou partir pra não ver
seu gado morrer de fome
(“Manuel S. Sobrinho, “Poético Popular do Nordeste”)
Em 1931 ainda morávamos na Passagem Limpa, naquele ano o inverno foi muito fraco, não houve quase safra nem pastagem para os animais, estávamos pelo mês de outubro, possuíamos legumes para comer, mas nada tínhamos para fazer. Foi aí que eu e Chico Barros, que era mais ou menos da minha idade, fomos convidados a trabalhar numa fazenda para tratar do gado.
Eram cem reses dentro de uma caatinga no meio da mata, duas léguas de onde habitava gente. Havia uma casinha para nosso abrigo e currais para prender o gado. O nosso trabalho era o seguinte: nos primeiros clarões da manhã íamos para o curral levantar as reses que amanheciam caídas devido a fraqueza, pois à noite deitavam-se e no outro dia não conseguiam mais levantar-se. Depois desse trabalho, pisando em estercos moles, sujando as mãos, tomávamos como primeiro alimento um cafezinho sem pão, em seguida cada um pegava um burro com cangalha, cambitos, cordas para amarrar as cargas e um facão. Metíamo-nos numa vereda, mata adentro, a cortar mandacaru e macambira para darmos de comer ao gado. Estávamos de volta pelas dez, com muita fome, arranhados das “malícias” e dos espinhos dos mandacarus. Para completar, nosso patrão era muito miserável, não dava a comida suficiente para fartar-nos. O almoço era um pirão de farinha com carne de carneiro e mais nada. Terminada a refeição tomávamos café e novamente íamos cortar a ração e distribuí-la com o gado, isto até duas da tarde quando, pela terceira vez, repetíamos a operação: voltando às cinco com os burros carregados, dessa vez, após descarregar o produto, íamos juntar o gado no curral. À noite, depois de uma ceia pobre e fraca, dormíamos, eu e meu companheiro, ao ar livre, ouvindo o canto da coruja e o chiado das cobras e o ranger dos paus quando o vento soprava. Assim todos os dias, do mesmo jeito. Todo o serviço era feito por nós e o ordenado vinte e cinco mil réis por mês, e pra piorar o patrão nos tratava muito mal.
Havia um mês que estávamos nessa luta. Um dia, quando saímos à tarde para procurar a bendita ração, demoramos muito e, por isto, chegamos à casa ao anoitecer. Encontramos o patrão zangado, disse que não voltamos cedo porque estávamos brincando... Iniciamos uma discussão e eu pedi que fizesse as minhas contas que ia embora naquela mesma noite. De começo não deu muita importância à minha saída, mas foi falar com o Chico Barros, que já tomara a mesma resolução, sozinho não ficava, eu saindo ele também saía. Quando o homem viu que ia fica só no meio da mata, com todo aquele gado para cuidar, pediu, rogou quase chorando para ficarmos, mas não havia pedido que desse jeito, viajamos na mesma noite. Fizemos aquela jornada de duas léguas a pé, numa estrada deserta e num areal que atolava até o tornozelo. Chegamos à casa de meu pai à meia-noite, muito cansados mas contentes, parecia que acabávamos de chegar no céu, livres, enfim, daquele suplício.
Eram sete homens e uma mulher...
Hoje são apenas seis homens... Quem não tem saudades da Gracinha? Viveu 33 anos na companhia doce e amiga do "seu" Batista e esposa. Era aquela pessoa de têmpera forte, mas não conseguiu resistir aos infortúnios que as contrariedades da vida lhe trouxeram. Deixou dois filhos que amava muito, Daniel e André. Todos lembram do grande sofrimento que sua morte causou, principalmente em D. Raimunda e em "seu" Batista. Rezemos por ela.
Minhas origens (V)
Trabalhos e doenças
Em 1927 um irmão de minha mãe convidou-me para morar com ele em Mossoró, era uma distância de 22 léguas e tive que fazer a viagem a pé. Saí de casa levando uma rede, um lençol e uma muda de roupa num saco. Levava também, para comer na viagem, um pato torrado com farofa.
Nunca havia saído de casa, não sabia nem pra que lado ficava Mossoró. Viajei cerca de três quilômetros para chegar na estrada por onde passavam os comboieiros que iam naquela direção. Encontrei logo uns desconhecidos, pedi para acompanhá-los até o destino desejado. Dormimos em viagem e, no dia seguinte, quando levantei-me, estava com febre, mas assim mesmo saí acompanhando aqueles estranhos companheiros com os seus burros de cargas, numa estrada poeirenta e sob um sol escaldante. Às doze horas, quando paramos para o almoço, a febre tinha aumentado, sentia muito frio e não podia mais caminhar. Então, dentre aqueles desconhecidos, surgiu uma alma generosa que, compadecendo-se de mim, cedeu-me a sua montaria e seguiu o resto da viagem a pé. Lá chegando, à casa do meu tio Vicente, notamos que a minha doença era catapora em pouco tempo estava bom.
O meu tio era como um pai para mim, arranjou-me escola e trabalho; porém, nada me agradava, eu queria ir embora, e depois de seis meses voltei, para continuar a vida na roça na companhia de meu pai.
Frente de trabalho na seca de 30
Por volta de 1930, porque não houve inverno, eu e mais três irmãos fizemos uma viagem a pé para Jaguaribe, no Ceará, distando cerca de quinze léguas.
Nesse tempo eu tinha uma enfermidade no pé que não sarara de todo, motivo porque, mancando, no segundo dia de viagem não consegui mais andar. Paramos, era à tardinha, estávamos à beira de um rio, quando de repente apareceram uns animais para beber água; esperamos saciassem a sede, pegamos um, amarramo-lo com uma corda e com uma rede forrei o bicho para montar, viajamos assim vários quilômetros. Oito horas da noite encontramos uma casa, paramos para dormir e soltei o animal, que estava muito cansado, para voltar à procura da aguada novamente. No dia seguinte continuei a viagem a pé, pois já me sentia bem melhor.
Fomos trabalhar num lugar chamado Flores, na construção de uma rodovia, mas apareceu uma epidemia de paratifo, morria gente todo dia, talvez causada pelo calor reinante e alimentação inadequada, quase toda à base de uma farinha que chamavam “número um”, de péssima qualidade. Os três manos adoeceram da maldita moléstia e voltaram para casa, fiquei só, tentando a sorte. Em pouco tempo fui também acometido do mesmo mal. Assim, não me restando alternativa, pus-me a caminha de casa, sem conseguir, no entanto, chegar até lá, com a febre me dominando. Sorte que no meio da viagem tinha a casa do meu tio Joaquim, que recebeu-me com carinho. Eu que por esse tempo já sabia escrever, fiz um bilhete ao meu pai que veio me buscar em seu cavalo.
Em casa, com pouco tempo, graças a Deus, todos estávamos curados.
Em 1927 um irmão de minha mãe convidou-me para morar com ele em Mossoró, era uma distância de 22 léguas e tive que fazer a viagem a pé. Saí de casa levando uma rede, um lençol e uma muda de roupa num saco. Levava também, para comer na viagem, um pato torrado com farofa.
Nunca havia saído de casa, não sabia nem pra que lado ficava Mossoró. Viajei cerca de três quilômetros para chegar na estrada por onde passavam os comboieiros que iam naquela direção. Encontrei logo uns desconhecidos, pedi para acompanhá-los até o destino desejado. Dormimos em viagem e, no dia seguinte, quando levantei-me, estava com febre, mas assim mesmo saí acompanhando aqueles estranhos companheiros com os seus burros de cargas, numa estrada poeirenta e sob um sol escaldante. Às doze horas, quando paramos para o almoço, a febre tinha aumentado, sentia muito frio e não podia mais caminhar. Então, dentre aqueles desconhecidos, surgiu uma alma generosa que, compadecendo-se de mim, cedeu-me a sua montaria e seguiu o resto da viagem a pé. Lá chegando, à casa do meu tio Vicente, notamos que a minha doença era catapora em pouco tempo estava bom.
O meu tio era como um pai para mim, arranjou-me escola e trabalho; porém, nada me agradava, eu queria ir embora, e depois de seis meses voltei, para continuar a vida na roça na companhia de meu pai.
Frente de trabalho na seca de 30
Por volta de 1930, porque não houve inverno, eu e mais três irmãos fizemos uma viagem a pé para Jaguaribe, no Ceará, distando cerca de quinze léguas.
Nesse tempo eu tinha uma enfermidade no pé que não sarara de todo, motivo porque, mancando, no segundo dia de viagem não consegui mais andar. Paramos, era à tardinha, estávamos à beira de um rio, quando de repente apareceram uns animais para beber água; esperamos saciassem a sede, pegamos um, amarramo-lo com uma corda e com uma rede forrei o bicho para montar, viajamos assim vários quilômetros. Oito horas da noite encontramos uma casa, paramos para dormir e soltei o animal, que estava muito cansado, para voltar à procura da aguada novamente. No dia seguinte continuei a viagem a pé, pois já me sentia bem melhor.
Fomos trabalhar num lugar chamado Flores, na construção de uma rodovia, mas apareceu uma epidemia de paratifo, morria gente todo dia, talvez causada pelo calor reinante e alimentação inadequada, quase toda à base de uma farinha que chamavam “número um”, de péssima qualidade. Os três manos adoeceram da maldita moléstia e voltaram para casa, fiquei só, tentando a sorte. Em pouco tempo fui também acometido do mesmo mal. Assim, não me restando alternativa, pus-me a caminha de casa, sem conseguir, no entanto, chegar até lá, com a febre me dominando. Sorte que no meio da viagem tinha a casa do meu tio Joaquim, que recebeu-me com carinho. Eu que por esse tempo já sabia escrever, fiz um bilhete ao meu pai que veio me buscar em seu cavalo.
Em casa, com pouco tempo, graças a Deus, todos estávamos curados.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
Minhas origens (IV)
Primeiras letras
Em 1923 minha mãe morreu de parto, eu contava doze anos, e dois anos depois, em 1925, meu pai casava-se de novo, com uma moça velha, de gênio muito forte, que chegava a ser agressivo: mas mesmo assim tornou-se minha amiga.
Aos treze anos, já órfão de mãe, por minha conta entrei para uma escola particular: o professor, Zeca Laurindo, era compadre de meu pai e ensinava em sua residência.
Iniciei no começo de julho daquele ano (1925), com algumas noções adquiridas de meu pai que sabia um pouco ler, escrever e contar. Eram meus colegas de estudo, “Mocinho” e “Tico Pequeno”, ambos filhos do professor; os outros, na maioria primos destes, todos da família Holanda: os filhos da minha madrinha Amália, dois rapazes e duas moças, Sinhá e Nazinha, Pedro Holanda e Pita; os filhos de Sobrinho Holanda, Pedro, Chico, Tião e Valmir, e duas moças, Francisquinha e Jovina; os filhos de Mariinha Bilino, Antônio, Zeca, Laurindo e João Bilino; os filhos de Chico Nunes, Antônio Nunes, João Nunes, e os mulatos Manoel de Sales e Elizeu de Martinha; e ainda dois pretos, filhos de Bastião Velho e Catirina, Roberto e Cristalino. Este casal, Bastião Velho e Catirina, era caseiro dos meus padrinhos, Antônio Melo e Amália Holanda. O professor cobrava de cada aluno cinco mil réis por mês, mas como pagar se não trabalhava, nem tinha do que apurar? O meu pai não se interessava muito pelos estudos dos filhos, o que era muito natural naquela época difícil; mas eu queria estudar a qualquer custo. Foi assim que empreitei com um vizinho para encoivarar um roçado por sete mil réis, pensando: “Dá para pagar a minha aula e ainda restam dois mil réis”.
Encoivarar o roçado era o seguinte: o dono da terra tocava fogo no roçado, que não queimava todo, ficando muitos garranchos espalhados, então o meu serviço era juntar aqueles galhos restantes e tocar fogo, deixando a terra limpa no ponto de plantar.
Quando terminou o mês de julho de aula eu paguei os cinco mil réis, mas não continuei pois no mês seguinte não tinha esperança de dinheiro para pagar. No entanto, graças a Deus, nos trinta dias de estudo eu aprendi a ler, escrever, tirar conta de somar, diminuir e multiplicar. Continuei estudando em casa com meu pai: ele não tinha sossego comigo pedindo-lhes pra ensinar-me.
Em 1926 freqüentei mais um mês a mesma aula com o mesmo professor. Desta vez consegui ler até o quarto livro de leitura de Felisberto de Carvalho e também um livro manuscrito de Salvador de Mesquita, aprendendo também as quatro operações de contas e mais alguns problemas de juros, pesos e medidas e regra de três simples. Em português continuava muito atrasado, pois até mesmo o professor sabia pouco. De geografia e história adquiri ainda pequenas noções.Em 1927 fui para Mossoró e lá freqüentei uma aula à noite com uma professora, da qual não lembro o nome, sendo que nesta passei somente vinte dias, mas quando a deixei estava um pouco melhor em português, pois foi matéria que muito me interessou
Em 1923 minha mãe morreu de parto, eu contava doze anos, e dois anos depois, em 1925, meu pai casava-se de novo, com uma moça velha, de gênio muito forte, que chegava a ser agressivo: mas mesmo assim tornou-se minha amiga.
Aos treze anos, já órfão de mãe, por minha conta entrei para uma escola particular: o professor, Zeca Laurindo, era compadre de meu pai e ensinava em sua residência.
Iniciei no começo de julho daquele ano (1925), com algumas noções adquiridas de meu pai que sabia um pouco ler, escrever e contar. Eram meus colegas de estudo, “Mocinho” e “Tico Pequeno”, ambos filhos do professor; os outros, na maioria primos destes, todos da família Holanda: os filhos da minha madrinha Amália, dois rapazes e duas moças, Sinhá e Nazinha, Pedro Holanda e Pita; os filhos de Sobrinho Holanda, Pedro, Chico, Tião e Valmir, e duas moças, Francisquinha e Jovina; os filhos de Mariinha Bilino, Antônio, Zeca, Laurindo e João Bilino; os filhos de Chico Nunes, Antônio Nunes, João Nunes, e os mulatos Manoel de Sales e Elizeu de Martinha; e ainda dois pretos, filhos de Bastião Velho e Catirina, Roberto e Cristalino. Este casal, Bastião Velho e Catirina, era caseiro dos meus padrinhos, Antônio Melo e Amália Holanda. O professor cobrava de cada aluno cinco mil réis por mês, mas como pagar se não trabalhava, nem tinha do que apurar? O meu pai não se interessava muito pelos estudos dos filhos, o que era muito natural naquela época difícil; mas eu queria estudar a qualquer custo. Foi assim que empreitei com um vizinho para encoivarar um roçado por sete mil réis, pensando: “Dá para pagar a minha aula e ainda restam dois mil réis”.
Encoivarar o roçado era o seguinte: o dono da terra tocava fogo no roçado, que não queimava todo, ficando muitos garranchos espalhados, então o meu serviço era juntar aqueles galhos restantes e tocar fogo, deixando a terra limpa no ponto de plantar.
Quando terminou o mês de julho de aula eu paguei os cinco mil réis, mas não continuei pois no mês seguinte não tinha esperança de dinheiro para pagar. No entanto, graças a Deus, nos trinta dias de estudo eu aprendi a ler, escrever, tirar conta de somar, diminuir e multiplicar. Continuei estudando em casa com meu pai: ele não tinha sossego comigo pedindo-lhes pra ensinar-me.
Em 1926 freqüentei mais um mês a mesma aula com o mesmo professor. Desta vez consegui ler até o quarto livro de leitura de Felisberto de Carvalho e também um livro manuscrito de Salvador de Mesquita, aprendendo também as quatro operações de contas e mais alguns problemas de juros, pesos e medidas e regra de três simples. Em português continuava muito atrasado, pois até mesmo o professor sabia pouco. De geografia e história adquiri ainda pequenas noções.Em 1927 fui para Mossoró e lá freqüentei uma aula à noite com uma professora, da qual não lembro o nome, sendo que nesta passei somente vinte dias, mas quando a deixei estava um pouco melhor em português, pois foi matéria que muito me interessou
domingo, 10 de fevereiro de 2008
Minhas origens (III)
Quem foram meu pais?[1]
Minha mãe morreu tão jovem...
E na sua última agonia
Lançava um olhar maternal
E a todos os filhos pedia
Que continuassem unidos
Era tudo o que queria
Depois, com lágrimas no olhos,
O último olhar lançava
Aos filhos e ao marido:
A quem tanto ela amava!
E uma profunda saudade
Do seu amor ela deixava,
E a dor da separação
Que naquele lar ficava!
O meu pai: seu nome era João Batista Cavalcante. Filho de João Batista Alexandre Cavalcante e Maria da Conceição. Nasceu na Serra de Portalegre, no Rio Grande do Norte, depois de casado mudou-se para o município de Apodi. Fomos morar próximo à caatinga, num lugar chamado Caroba, propriedade de um pequeno fazendeiro de nome Manoel Senhor, mais conhecido por “Doutorzinho”.
O meu pai era muito humilde, falava pouco e não gostava de discutir. No caso de qualquer questão ele preferia perder.
Certa vez fez uma empreitada com “Doutorzinho” para cortar umas estacas de jurema preta, pra fazer uma cerca de arame. Trabalhou muitos dias, cortando de machado, um total de setecentas estacas. Não teve sorte. Na hora de entregar a madeira, a fim de receber o dinheiro, o patrão condenou tudo e disse que não pagava. Meu pai, com toda a sua humildade, baixou a cabeça e saiu sem dizer nada, e o vilão, depois de condenar a madeira, fez uso dela na mesma obra que ia fazer.
Meu pai viveu em união com minha mãe mais ou menos uns vinte anos, quando ela veio a falecer de parto. Era o décimo quarto, que desta vez foi duplo. Morria com 35 anos, 15 filhos, 8 sobreviventes. Acredito que estes 20 anos de convivência com ela foi uma união perfeita.
Minha mãe tinha gênio muito forte; meu pai, pelo contrário, uma paciência de Jó, sempre evitava discussões. Ambos tinham grande amizade em toda aquela região. Ele muito honesto e muito honrado. A maioria dos comerciantes e fazendeiros eram seus compadres e depositavam nele inteira confiança.
Quando minha mãe morreu em 1923 eu contava mais ou menos 12 anos, mas já observava a convivência dos dois, era uma união perfeita, nunca vi os dois discutirem. Minha mãe cuidava dos filhos e da luta da casa; à noite, antes de dormir, ensinava a todos a rezar. As orações da primeira comunhão aprendi com ela, quando criança.
Eis os nomes de alguns amigos de meu pai: Sr. Antônio Melo, fazendeiro; Sr. Zeca Melo, fazendeiro e comerciante; Sr. Severino Melo, fazendeiro e lojista; e, ainda, o maior fazendeiro da região, o Sr. Bevenuto Holanda, que era nosso parente, de quem o meu pai foi morador pelo resto da vida. O Sr. Bevenuto era considerado o patrão do meu pai, mas apenas morávamos nas terras dele, pois o nosso trabalho era na caatinga, em terras do Governo, onde não se pagava nada.
O Sr. Bevenuto possuía cerca de 60 moradores, mas não sujeitava ninguém a trabalhar pra ele. Convidava aqueles que queriam trabalhar, pagava diária e ainda dava o almoço e o jantar.
Meu pai plantava milho, feijão e algodão. Fim de inverno, depois de colher a safra, ia para a Serra de Portalegre trabalhar nos engenhos de cana, era mestre de fazer rapadura, e por lá ficava até o mês de outubro, depois voltava e começava a preparar as terras para o novo plantio.
Passou pouco mais de um ano viúvo, casou com uma moça idosa, de nome Maria Luiza. Ela era bastante temperamental, completamente diferente da minha mãe. Mas, devido à paciência dele, tiveram vida normal por vários anos, quando ele veio a falecer. Apesar do jeitão esquisito, me tratava como se fosse seu filho. Era uma boa madrasta.
Depois que meu pai morreu, ainda fiquei em casa quase dois anos, cuidando de tudo e pagando as dívidas que havia contraído com a doença dele. Em pouco mais de um ano casei-me e recomecei nova vida.
[1] Embora diga que não, mas cita mais amiúde detalhes de seu pai, enquanto que de sua mãe parece que lembra pouca coisa, a não ser o seu temperamento, os filhos que teve e sua morte. Seu nome era Maria Nunes de Araújo. Nascera provavelmente em 1888.
Minha mãe morreu tão jovem...
E na sua última agonia
Lançava um olhar maternal
E a todos os filhos pedia
Que continuassem unidos
Era tudo o que queria
Depois, com lágrimas no olhos,
O último olhar lançava
Aos filhos e ao marido:
A quem tanto ela amava!
E uma profunda saudade
Do seu amor ela deixava,
E a dor da separação
Que naquele lar ficava!
O meu pai: seu nome era João Batista Cavalcante. Filho de João Batista Alexandre Cavalcante e Maria da Conceição. Nasceu na Serra de Portalegre, no Rio Grande do Norte, depois de casado mudou-se para o município de Apodi. Fomos morar próximo à caatinga, num lugar chamado Caroba, propriedade de um pequeno fazendeiro de nome Manoel Senhor, mais conhecido por “Doutorzinho”.
O meu pai era muito humilde, falava pouco e não gostava de discutir. No caso de qualquer questão ele preferia perder.
Certa vez fez uma empreitada com “Doutorzinho” para cortar umas estacas de jurema preta, pra fazer uma cerca de arame. Trabalhou muitos dias, cortando de machado, um total de setecentas estacas. Não teve sorte. Na hora de entregar a madeira, a fim de receber o dinheiro, o patrão condenou tudo e disse que não pagava. Meu pai, com toda a sua humildade, baixou a cabeça e saiu sem dizer nada, e o vilão, depois de condenar a madeira, fez uso dela na mesma obra que ia fazer.
Meu pai viveu em união com minha mãe mais ou menos uns vinte anos, quando ela veio a falecer de parto. Era o décimo quarto, que desta vez foi duplo. Morria com 35 anos, 15 filhos, 8 sobreviventes. Acredito que estes 20 anos de convivência com ela foi uma união perfeita.
Minha mãe tinha gênio muito forte; meu pai, pelo contrário, uma paciência de Jó, sempre evitava discussões. Ambos tinham grande amizade em toda aquela região. Ele muito honesto e muito honrado. A maioria dos comerciantes e fazendeiros eram seus compadres e depositavam nele inteira confiança.
Quando minha mãe morreu em 1923 eu contava mais ou menos 12 anos, mas já observava a convivência dos dois, era uma união perfeita, nunca vi os dois discutirem. Minha mãe cuidava dos filhos e da luta da casa; à noite, antes de dormir, ensinava a todos a rezar. As orações da primeira comunhão aprendi com ela, quando criança.
Eis os nomes de alguns amigos de meu pai: Sr. Antônio Melo, fazendeiro; Sr. Zeca Melo, fazendeiro e comerciante; Sr. Severino Melo, fazendeiro e lojista; e, ainda, o maior fazendeiro da região, o Sr. Bevenuto Holanda, que era nosso parente, de quem o meu pai foi morador pelo resto da vida. O Sr. Bevenuto era considerado o patrão do meu pai, mas apenas morávamos nas terras dele, pois o nosso trabalho era na caatinga, em terras do Governo, onde não se pagava nada.
O Sr. Bevenuto possuía cerca de 60 moradores, mas não sujeitava ninguém a trabalhar pra ele. Convidava aqueles que queriam trabalhar, pagava diária e ainda dava o almoço e o jantar.
Meu pai plantava milho, feijão e algodão. Fim de inverno, depois de colher a safra, ia para a Serra de Portalegre trabalhar nos engenhos de cana, era mestre de fazer rapadura, e por lá ficava até o mês de outubro, depois voltava e começava a preparar as terras para o novo plantio.
Passou pouco mais de um ano viúvo, casou com uma moça idosa, de nome Maria Luiza. Ela era bastante temperamental, completamente diferente da minha mãe. Mas, devido à paciência dele, tiveram vida normal por vários anos, quando ele veio a falecer. Apesar do jeitão esquisito, me tratava como se fosse seu filho. Era uma boa madrasta.
Depois que meu pai morreu, ainda fiquei em casa quase dois anos, cuidando de tudo e pagando as dívidas que havia contraído com a doença dele. Em pouco mais de um ano casei-me e recomecei nova vida.
[1] Embora diga que não, mas cita mais amiúde detalhes de seu pai, enquanto que de sua mãe parece que lembra pouca coisa, a não ser o seu temperamento, os filhos que teve e sua morte. Seu nome era Maria Nunes de Araújo. Nascera provavelmente em 1888.
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